O conceito da colaboração espontânea relaciona-se intimamente com o instituto da confissão. Ambas atrelam-se ao que se convencionou chamar de “direito premial”, distinguindo-se naquilo que é confidenciado, que não é apenas uma “mera confissão pessoal do cometimento de um crime”, mas sim uma cooperação assaz abrangente. Em suma, a colaboração espontânea compreende elementos probatórios obtidos através do colaborador que podem auxiliar o Poder Judiciário a desvendar, em todos os seus meandros, (i) a existência da(s) infração(ões) penal(is), (ii) a identidade dos coautores do ilícito, (iii) provas que demonstram a prática criminosa, (iv) a estrutura hierárquica da associação criminosa, (v) o envolvimento de pessoas que não seriam descobertas se não dessa por meio da colaboração com a Justiça, (vi) a prevenção de eventuais futuras infrações penais, (vii) a localização e recuperação, total ou parcial, do produto ou dos bens, direitos ou valores objeto do crime. E, portanto, de forma mais ampla que a simples confissão, o acusado colaborador receberá benefícios pela sua cooperação com as autoridades persecutórias nas apurações criminais. A forma de aplicabilidade da colaboração com a Justiça está melhor delimitada na Lei 12.850/2013, que dispõe sobre os meios de obtenção de prova no âmbito das Organizações Criminosas. É nessa mesma lei, inclusive, que o instituto da colaboração é tratado de forma mais rígida, mediante a previsão de acordo formal entre o acusado e o Ministério Público e homologado pelo Juiz competente para que a cooperação surta seus efeitos. Mas, e se o réu, acusado de praticar a conduta de lavagem de dinheiro, não firmar um acordo de colaboração formal com o Ministério Público? Ele pode, ainda assim, colaborar com a Justiça e receber benefícios pela sua cooperação? A resposta é positiva. Em que pese à ausência de acordo formal, o acusado que cooperar eficazmente com a revelação do esquema delitivo terá direito ao prêmio pela sua postura colaborativa. Não é porque o acusado não formalizou a subscrição de um acordo com o Ministério Público que a sua colaboração não possa ser reconhecida como tal, em contrapartida a beneplácitos que a legislação de regência impõe. Antes, o contrário: a pró-atividade do acusado em tomar a iniciativa de colaborar, malgrado à míngua de um acordo formal, torna sua colaboração ainda mais louvável e, portanto, digna de uma contrapartida premial. Neste diapasão, é perfeitamente possível beneficiar o acusado com os prêmios do instituto, tendo em vista que a colaboração premiada está antevista em diversos comandos esparsos do ordenamento e, entre eles, a lei 9.613/98, que trata dos crimes de Lavagem de Dinheiro, que sufraga uma vertente da colaboração premiada, denominada de colaboração espontânea, no seu artigo 1º, §5º, in verbis:
Como visto, a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os delitos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, em seu artigo 1º, §5º, previu uma espécie de colaboração ou delação premiada, contemplando com redução da pena e início de seu cumprimento em regime aberto e até o perdão judicial, o agente que colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça elucida o que entende por colaboração espontânea. Vejamos:
De outro lado, insta salientar que para a concessão dos beneplácitos da colaboração espontânea, basta que a cooperação do acusado atinja um dos resultados antevistos no artigo 5º, §1º da lei 9.613/1998, é o que se extrai do escólio de BADARÓ:
É cediço que a colaboração é um instituto crucial para a solução de casos penais complexos, principalmente nos crimes em que as únicas testemunhas são os próprios agentes que praticaram as condutas tipificadas na norma penal incriminadora, como sói acontecer com o delito de lavagem de capitais. Destarte, negar a possibilidade de colaboração do acusado sem acordo formal poderia dificultar sobremaneira a elucidação de todos os detalhes e as engrenagens do mecanismo delitivo apurado pelas autoridades. Com efeito, sem a possibilidade de colaboração do acusado que não assinar um acordo com o Ministério Público, diversos fatos criminosos e detalhes do modus operandi poderiam restar obscuros, sem que se pudesse ter ciência da integralidade da estrutura criminosa investigada pelas autoridades. Desta feita, sem a colaboração espontânea, seria muito mais difícil ao Poder Judiciário chegar a todos os agentes criminosos e fatos ilícitos de uma estrutura delitiva que geralmente ocorre na clandestinidade (sem testemunhas) como é o caso da lavagem de dinheiro. Com efeito, negar a possibilidade de colaboração nesses casos poderia dificultar a descoberta (i) dos delitos cometidos, (ii) dos valores envolvidos, (iii) da ação dos demais envolvidos nos fatos criminosos e de todos os demais detalhes importantes para a persecução criminal no crime de branqueamento de capitais. Mas quais são os prêmios para esse acusado que colaborar com as autoridades mesmo sem acordo escrito? Segundo a legislação de regência, os prêmios da colaboração espontânea podem ir desde a diminuição da pena, até a extinção da punibilidade pelo perdão judicial. Cabe ao juiz sopesar a eficácia da colaboração premiada e decidir qual medida deve ser aplicada ao caso concreto. Sobre o tema, BADARÓ vaticina:
Neste diapasão, uma vez verificada a existência da colaboração espontânea, seu reconhecimento pelo magistrado em sentença é obrigatório, conforme decidiu o STJ no julgamento do Habeas Corpus 35.198/SP, em que a Corte da Cidadania assentou que os benefícios da colaboração são “de incidência obrigatória quando os autos demonstram que as informações prestadas pelo agente foram eficazes”. Pela disposição legal e constitucional, a efetividade da colaboração deve ser sempre analisada em sede de sentença, a partir de decisão fundamentada (artigo 93, IX da Magna Carta). Tal exame deve ser feito para que se possa aquilatar a dimensão da cooperação com as autoridades, o que pode gerar um prêmio maior para o colaborador, foi o que restou decidido pelo STF no julgamento do Habeas Corpus 99.736/DF, que tem a seguinte ementa:
Como já afirmado, para aferição do quantum da minorante da colaboração espontânea, a doutrina já se consolidou no sentido de que a eficiência da colaboração deve ser levada em consideração para a calibragem do benefício, veja-se:
O entendimento jurisprudencial não destoa. Com efeito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, aplicou a diminuição máxima de pena ao acusado colaborador em razão da eficiência de sua cooperação no esclarecimento do funcionamento do esquema criminoso e na revelação da participação de autoridades públicas na trama criminosa, veja-se o trecho do voto condutor do acórdão:
Entendimento semelhante foi reproduzido no julgamento do Habeas Corpus nº 49.842, em que a 6ª Turma do STJ entendeu que não foram preenchidos os requisitos para a concessão do perdão judicial ao colaborador devido à “reprovabilidade da conduta”. Contudo, foi aplicada a diminuição de pena no patamar de dois terços diante da efetividade da colaboração que permitiu o aditamento da denúncia, contribuindo para a identificação dos corréus:
Ainda, no que tange ao regime inicial de cumprimento, conforme elucida o doutrinador RENATO BRASILEIRO, é possível a aplicação do regime aberto nos casos de colaboração espontânea no que pertine aos crimes de lavagem de dinheiro. Vejamos:
O doutrinador ROBERTO DELMANTO pontifica que a possibilidade de concessão do regime inicial aberto é salutar para a boa política criminal, vez que estimula a colaboração espontânea:
O STJ endossa tal entendimento:
Como se isso tudo não fosse o bastante, há julgados que já concederam o perdão judicial ao acusado que, espontaneamente, tomou a iniciativa de colaborar, mesmo sem haver um acordo formal entabulado com o Ministério Público. Vejamos:
Ainda que o julgado acima citado seja oriundo de um processo criminal em que se apurava a conduta de tráfico de drogas, trata-se de salutar precedente na jurisprudência pátria, pois foi um dos pioneiros na concessão do perdão judicial ao acusado que colaborou espontaneamente com as autoridades. Portanto, ao acusado pelo delito de lavagem de dinheiro que colaborar eficazmente com as autoridades, mesmo sem a formalização de acordo com o Ministério Público, devem ser concedidos os benefícios previstos do artigo 1º, §5º, da lei n.º 9.613/98. Entre eles, podemos destacar (i) a aplicação da causa especial de diminuição de pena da colaboração espontânea no patamar de um a dois terços e (iii) a possibilidade de fixação do regime inicial aberto para cumprimento de pena, (iii) a extinção da punibilidade do acusado pelo perdão judicial. Matteus Macedo Advogado Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal [1] STJ - HC 91692 - SP 2007/0233084-4 – Relatora Ministra Laurita Vaz. [2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2013, pg. 169. [3] BADARÓ, Gustavo Henrique, op. cit.., pg. 172. [4] MOSSIN, Heráclito Antonio. Delação Premiada: Aspectos Jurídicos Aspectos Juridicos / Leme : J.H.Mizuno, 2016, pgs. 83 – 84. [5] BADARÓ, Gustavo Henrique, op. cit.., pg. 172. [6] TRF da 1ª Região - Apelação Criminal 0007587-65.2006.4.01.3600/MT – Relator Desembargador Federal Cândido Ribeiro. [7] DELMANTO, Roberto. Leis Penais Especiais, 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2014, pg. 1.011.
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