No dia 22 de janeiro, foi publicado no site Sala de Aula Criminal artigo do jurista Lucas Bonfim, apresentando argumentos desfavoráveis ao instituto da colaboração premiada[1]. No presente ensaio, ouso expor meu ponto de vista contrário. À partida, impende obtemperar que se trata a presente de divergência meramente acadêmica. Pelo respeito que nutro pela dialética e admiração pelo autor do artigo, analisarei com muita atenção seus argumentos e compartilharei com os leitores minhas conclusões. Antes, porém, uma síntese dos argumentos do articulista Lucas Bonfim sobre o instituto da colaboração premiada: (1) a persecução penal estatal é, em regra, indisponível, devendo o Estado punir o responsável pelo delito. Entretanto tal lógica foi subvertida com a novíssima concepção do direito penal como negócio que torna a persecução penal disponível, concepção essa que não encontra precedentes no Brasil; (2) Mesmo tendo lesado à sociedade e a bens jurídicos relevantes, poderá o infrator seguir incólume (ou quase) com vários benefícios processuais e materiais se delatar. Segundo o professor, o direito penal premial cria uma sensação de impunidade e fomenta o crime, “porque basta dedurar para não ser punido conforme determina a lei”; (3) Existem efeitos perniciosos no uso da delação, a saber: (a) “a polícia judiciária fica preguiçosa e acomodada deixando de investigar com seriedade”, (b) “a criação de um mercado paralelo entre delator(es) e delatado(s)”. Ou seja, segundo o professor, o indivíduo “delatado” poderia pagar para ter seu nome excluído da delação, ou então poderia ofertar vantagem econômica para que alguém delate um inimigo político de forma mentirosa. Eis algumas pontuações contrárias aos argumentos do Professor Lucas: 1) Primeiramente, insta salientar que a disponibilidade da ação penal estatal encontra, ainda que dentro da aventada lógica de “direito penal como negócio”, precedentes antigos no ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, dois dispositivos legais já preveem, há pelo menos 18 anos, a não apresentação de denúncia nos casos em que o infrator ”negocie” com o Estado, colaborando efetiva e voluntariamente com as autoridades persecutórias. Tratam-se das previsões legislativas antevistas no art. 01º, §5º da Lei nº 9.613/1998 (colaboração espontânea na Lei de Lavagem de Dinheiro) e art. 13 da Lei nº 9.807/1999 (colaboração premiada na Lei de Proteção as Testemunhas). Tais previsões legislativas demonstram que o conceito de direito penal negociável é muito mais antigo do que se imagina. E o que isso nos revela? Que ao redigir a lei que regulamentou a colaboração premiada (lei 12.850/2013), o legislador seguiu uma tendência inaugurada há quase duas décadas. A mens legis caminhou no sentido de criar mais uma exceção ao princípio da obrigatoriedade com base em critérios utilitaristas (a exemplo do que ocorre com os artigos. 168, §3º e 337-A, §2º do Estatuto Repressivo), mas justificando tal exceção somente nos casos em que o colaborador coopere efetivamente com as autoridades na apuração de outros crimes. Desse modo, a lei aponta que é mais vantajoso para a sociedade apurar mais delitos e punir mais delinquentes do que sancionar exclusivamente uma única pessoa. Em última análise, o legislador preteriu a obrigatoriedade de sancionar penalmente o criminoso que colabore com a Justiça em favor da ampla apuração de crimes e da possibilidade de punição de todos os envolvidos na trama delitiva, sem que qualquer mácula aos princípios basilares do Direito Penal possa ser extraída do instituto da colaboração premiada. 2) Chama a atenção a insurgência contra a concessão de benefícios para o acusado que colabora com a Justiça. Com efeito, nada mais justo do que conceder os devidos beneplácitos àquele que se afasta das atividades criminosas e coopera com as autoridades para a apuração de outros crimes e a responsabilização dos demais envolvidos. Há notícias de colaborações premiadas específicas que forneceram elementos para a instauração de centenas de inquéritos policiais e mais de vinte ações penais, abastecendo as autoridades persecutórias com dados e provas para que centenas de pessoas fossem “descobertas” e se tornassem alvo dos órgãos de investigação. Não se pode olvidar de que sem a colaboração premiada, diversas operações policiais de grande repercussão nacional não obteriam a extensão que atingiram[2]. Dentro desse contexto, seguindo uma lógica de proporcionalidade, quanto maior a efetividade da colaboração do agente, mais generosos deverão ser os benefícios ao colaborador. De outra arte, discordo do articulista quando este sustenta que a colaboração premiada gera uma sensação de impunidade e, via de consequência, fomenta o crime. De fato, ao que se pode verificar em grandes operações policiais, a exemplo da famigerada Lava Jato, não há nenhum único caso de acusado que tenha recebido o perdão judicial pela cooperação com a Justiça. Ainda que se considere as notórias reduções de penas corporais para os colaboradores, não devemos olvidar as pesadíssimas sanções pecuniárias aplicadas aos colaboradores de modo que nenhum colaborador ficará com o proveito de suas antigas atividades ilícitas e ainda sofrerá restrições em sua liberdade. De qualquer forma, pelo que se pode notar, desde o “boom” da colaboração premiada que se iniciou no final de 2014, não há nenhum sentimento de impunidade generalizado em nosso país, antes o contrário, o que se observa é que nunca se puniu tanto quanto nos dias atuais. 3) a – Com todo respeito, também divirjo do entendimento exposto pelo articulista no sentido de que o constante uso da colaboração premiada deixaria a polícia judiciária preguiçosa e faria com que as investigações não fossem conduzidas com seriedade. Pelo que se pode notar de diversas investigações que se valeram de colaborações premiadas nos últimos anos, a polícia judiciária tem investigado profundamente tudo que os colaboradores têm revelado. O papel da polícia tem sido assegurar que o acordo de colaboração possa atingir a efetividade necessária, sobretudo no sentido de alcançar material probatório que corrobore as declarações do colaborador e possa dar azo ao oferecimento de denúncia contra os delatados. Sem embargo, existem diversas notícias de inquéritos abertos com base na palavra de colaboradores e que foram arquivados, pois não haveriam indícios para embasar as declarações delatoras[3]. Tal constatação nos revela que a Polícia investigativa apurou amplamente o que foi narrado em sede de colaboração premiada, de modo que não é possível se cogitar qualquer desídia profissional das autoridades policiais nos casos. Antes o contrário, as notícias nos revelam que a polícia conduziu com seriedade as investigações e não se “acomodou” com os elementos obtidos através dos colaboradores. 3) b – Já em relação ao aventado “mercado paralelo da delação”, realmente se trata de uma possibilidade perigosa, entretanto, não é necessária a celebração de um acordo de colaboração para “esconder” o envolvimento de uma pessoa ou “fabricar” a participação de um desafeto. Ora, o acusado que não firmar um termo de colaboração premiada pode, mesmo assim, realizar tais atos perniciosos em seu interrogatório em Juízo, sem que o instituto da colaboração premiada tenha interferido em sua atitude. Contudo, caso comprovada a prática de tais condutas perniciosas por parte do colaborador, o acordo deverá rescindido e todos os benefícios serão revogados. Agora, ainda que se considere que possa existir, em determinados casos, o “mercado oculto da delação”, tal hipótese não pode, nem de longe, eclipsar os benefícios que o instituto proporciona para o acusado e para a sociedade. Portanto, são esses os motivos pelos quais divirjo respeitosamente, para estabelecer a dialética, do posicionamento do Professor Lucas Bonfim e concluo que o instituto da colaboração premiada encontra amparo em nosso ordenamento jurídico e não pode ser rechaçado. Matteus Macedo Advogado Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal [1] http://www.salacriminal.com/home/porque-a-delacao-premiada-e-nociva-e-perigosa [2] Vide declaração do próprio site da Força Tarefa da Lava-Jato: “Se não fossem os acordos de colaboração pactuados entre procuradores da República e os investigados, o caso Lava Jato não teria alcançado evidências de corrupção para além daquela envolvendo Paulo Roberto Costa.” - http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao-na-1a-instancia/investigacao/colaboracao-premiada [3] http://odia.ig.com.br/brasil/2017-01-25/pgr-pede-arquivamento-de-inquerito-contra-lindbergh-farias-na-lava-jato.html http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2016/11/janot-pede-arquivamento-de-inquerito-da-lava-jato-contra-roseana-sarney.html http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/02/1741041-stf-arquiva-acusacao-contra-aecio-na-lava-jato.shtml http://www.juinanews.com.br/noticias_ver.php?id=22278 Comments are closed.
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