Para você que é a favor das 10 medidas contra a corrupção do MPF, analise comigo a medida 9. A medida 9 prevê a prisão extraordinária para "permitir a identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas". O problema é que neste caso estaria o Estado se equiparando ao próprio criminoso, se utilizando de artimanhas, constrangimento e coação para satisfazer sua pretensão. Enquanto o criminoso prende a vítima em um cativeiro para obter o resgate, o MPF deseja que o Estado faça o mesmo, mas sem a possibilidade de responder e ser punido pelo crime de extorsão mediante sequestro, previsto no art. 159 do Código Penal[1]. Prender para forçar alguém a confessar um crime, é o mesmo que se admitir a tortura para obter a confissão. O problema é que a vedação à tortura é um direito fundamental absoluto, previsto na constituição da república, não havendo como relativizá-lo. Ademais, a simples ameaça de prisão para obter algum valor (ilícito ou não) configura o crime de extorsão, do art. 158 do CP[2], ou como queiram, configura – se a pretensão for legítima – o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do CP[3]. Então concluímos que, em verdade, o MPF quer se amparar em uma alteração legislativa para alcançar uma legitimidade aparente à esta nova modalidade de prisão, utilizando-se da legislação como uma máscara para dissimular a ilicitude da atuação do Estado na persecução penal. Acontece que o Estado é o último defensor da moralidade e legalidade (em sentido amplo). Caso contrário não precisaríamos de Estado, ou poderíamos, então, ter continuado com as leis de Talião, que eram, sem dúvidas, mais céleres e eficazes que as medidas do MPF. Mas sabemos que leis como esta não são admitidas em nosso ordenamento, pois não basta sua conformação formal com a Constituição, exige-se também sua conformação material com a norma suprema. E é neste ponto que peca a medida 9 do MPF. Além do que, em verdade, o Estado não existe, é uma ficção criada para proteção dos cidadãos, para evitar abusos e arbitrariedades por parte daqueles que buscam satisfazer suas pretensões, não importando quem seja. Porém não vejo diferenças em ameaçar alguém com uma arma na cabeça e ameaçar jogar atrás das grades. Ambos os casos configuram tortura psicológica. Mas como dito, o Estado é o defensor das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos, e o que o difere do criminoso é sua forma de atuação, sendo este o motivo pelo qual aceitamos sua “existência”. Por isso jamais se admitirá que o Estado se utilize da máxima “os fins justificam os meios”, pois esta motivação retira sua condição de último garantidor. Prender alguém na forma desejada pelo MPF viola inúmeros direitos constitucionais, como, por exemplo, o direito ao silêncio e a garantia de não ser obrigado a produzir provas contra si mesmo (prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, tão invocada pelo MPF). Ou seja, gostemos ou não, vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde a dignidade da pessoa humana e a moralidade e impessoalidade das instituições é a "prima ratio" do ordenamento jurídico. E como detentores do poder, devemos exigir que os direitos e garantias criadas pelo constituinte sejam respeitadas e aplicadas, sob pena de estarmos retrocedendo à era do "olho por olho e dente por dente", onde não havia limitações ao poder persecutório e punitivo, ou havia apenas uma limitação aparente. Legitimar estes absurdos "criados" pelo MPF é sacrificar todos os direitos e garantias que arduamente até aqui conquistamos. Com esse MPF não precisamos mais do Estado. Jeffrey Chiquini Advogado criminalista e professor de direito penal e processual penal. [1]Art. 159 do CP - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate. Pena - reclusão, de oito a quinze anos. [2]Art. 158 do CP - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. [3]Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite. Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
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