O presente artigo possui como objetivo analisar primeiramente questões referentes a sociedade de riscos, observando os avanços tecnológicos e científicos, bem como as ameaças constantes as quais todos estão expostos na era da globalização. Posteriormente, será analisado a corrupção privada e o compliance como mecanismo de controle no exercício das atividades empresariais.
SOCIEDADE DE RISCOS E DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO. No que tange a sociedade de risco e o modelo civilizatório atual, o mesmo é caracterizado pela sua complexidade, observando sua inserção num ambiente global. Esses fatores do avanço atingido pelo desenvolvimento tecnológico e científico, nos mais variados seguimentos sociais, é o denominado pelo autor Ulrick Beck de sociedade de risco[1]. O rápido avanço do desenvolvimento tecnológico trouxe inúmeras facilidades ao cotidiano das pessoas, contudo, conjuntamente a isso, aumentou as ameaças nas quais todos os indivíduos estão expostos. Essas ameaças são reflexos dessa sociedade pós industrial, no qual pode-se atribuir a conceituação de riscos[2]. Nesse sentido, os riscos seriam uma antecipação de tragédias que possuem previsibilidade e probabilidade de ocorrência, sendo perigos iminentes, mas ainda não concretizados. Na sociedade de risco, o passado é menos determinante em relação ao presente comparado com a influência exercida pelo futuro[3]. Analisando a quantidade de tragédias e acontecimentos cotidianos de ampla repercussão nos meios de comunicação, é vislumbrado a previsibilidade de inúmeras ameaças e riscos conhecidos. Observa-se que os riscos oriundos da modernidade e globalização são consequência das ações humanas, e em dado momento, esses riscos afetarão todos que lucraram com essas atividades, englobando os indivíduos em sua totalidade[4]. Na democratização dos riscos, nota-se que a capacidade de lidar com essas situações estão distribuídas desigualmente em diversas camadas de renda e educação. Sendo assim, os que possuem maior poder aquisitivo, acesso à educação e poder, ‘’compram’’ de certa maneira segurança em relação a esses riscos, abrindo possibilidades de eximir-se de algumas responsabilidades[5]. Na sociedade de risco os antigos conflitos da distribuição, primordialmente em relação aos bens, renda, emprego e seguro social, ou seja, elementos essenciais da sociedade industrial, são encobertos por conflitos de distribuição dos malefícios. Nesse sentido, a sociedade de risco designa um estágio da modernidade no qual começam a ser expostas as ameaças produzidas na sociedade industrial[6]. Referente a democratização de riscos e a importância de um equilíbrio, observado a quantidade de indivíduos afetados pela insegurança, independente de classe social, é necessário a redução do sentimento de insegurança presente na sociedade, possibilitando a convivência em coletividade, e assim, tornando suportáveis tais ameaças[7]. O Direito Penal pode ser utilizado para essa finalidade gerencial, contudo, essa utilização deve observar os limites e princípios resguardados no ordenamento jurídico, e conforme preceitua Paulo César Busato: para cuidar do controle social do intolerável, por intermédio da proteção seletiva de bens jurídicos[8]. Portanto, o funcionalismo teleológico aduz que o Direito Penal, sendo instrumento de ultima ratio, possui como finalidade a proteção dos bens jurídicos mais relevantes[9]. Diante do exposto, observa-se com o avanço tecnológico e científico o surgimento de inúmeros riscos trazendo insegurança a sociedade, sendo verificado a necessidade de gerenciamento dessas ameaças visando contê-las. E, portanto, o direito penal, como instrumento de controle social, pode realizar essa tarefa, observados os princípios resguardados pelo ordenamento jurídico[10]. COMPLIANCE E CORRUPÇÃO PRIVADA A construção da estrutura de compliance está relacionada à estruturação de mecanismos regulatórios para preservar a integridade normativa e reputação de uma atividade, possibilitando afirmar que sua atividade está direcionada a coibir a corrupção[11]. A imposição de regras claras facilita evidentemente a adequada realização das condutas nas esferas de relações, principalmente nas questões econômicas. Em decorrência disso, é vislumbrado a regulamentação penal das práticas de corrupção no setor privado[12]. No que tange as atividades econômicas, a corrupção pode ser realizada em pequenas ou grandes proporções, sendo observado que demasiadas vezes essas práticas são inerentes às atividades empresariais[13]. Posteriormente, é verificado que as atividades empresariais são propícias a práticas delituosas, pela natureza competitiva do mercado e estrutura capitalista. A tutela estatal repressiva da corrupção no setor privado, age em consonância ao que está disposto na Constituição, conforme aduz o Artigo 219 [14], com o intuito de viabilizar o desenvolvimento social e econômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país[15]. Posteriormente, inúmeros tratados e acordos estrangeiros foram sancionados, com o intuito de reprimir a corrupção no âmbito privado. O primeiro documento elaborado foi o produzido pelo Conselho da Europa, em 22 de dezembro de 1998, no qual dispõe nos artigos 2º e 3º sobre os tipos de corrupção ativa e passiva na esfera privada, sendo respectivamente:
E para a definição de corrupção ativa:
Na Convenção Penal sobre Corrupção, do Conselho da Europa, realizada em janeiro de 1999 em Estrasburgo, nos artigos 7º e 8º foram definidos tipos penais de corrupção ativa e passiva no setor privado, com a respectiva redação: Artigo 7º . Corrupção ativa no setor privado:
Artigo 8º Corrupção passiva no setor privado:
Observados os tratados e acordos assinados, é notável a preocupação no âmbito internacional para conter esses delitos, no qual o compliance mostra-se um instrumento fundamental para o exercício regular das atividades empresariais. As empresas, primordialmente as que atuam em setores regulamentados, tem instituído setores, não sendo necessariamente permanentes, responsáveis pela implementação de programas voltados a prevenir a violação de normas, internas e externas, esses programas são os denominados compliance programs, e o termo compliance significa conformidade com as normas[21]. A implementação dos programas de compliance devem seguir algumas obrigações gerais, como o dever de registro da empresa antes do início das suas atividades, (artigo 987 código civil), realização de escrituração dos livros obrigatórios, de balanço patrimonial e de resultado econômico (artigo 1.179 código civil)[22]. Outro regramento recente previsto na Lei nº 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, é previsto a aplicação de sanções levando em conta mecanismos e procedimentos de controle interno de integridade, abordando expressamente que a existência e vigência de programas de compliance influenciará nas sanções previstas na lei[23]. Diante do exposto, é observado que os programas de compliance objetivam uma nova forma de desenvolvimento das atividades empresariais, mostrando-se instrumentos eficazes para a prevenção de práticas ilícitas que possam ser efetivadas. Contudo, a aplicação desses mecanismos de controle social devem observar sempre os limites da proporcionalidade e razoabilidade, sob o risco de tornarem-se sanções abusivas e punitivistas[24]. Paula Yurie Abiko Acadêmica de Direito do Centro Universitário Franciscano FAE, 9º período Estagiária do Ministério Público Federal Membro do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal Membro do grupo de Pesquisa O mal estar no Direito Membro do grupo de Pesquisa Trial By Jury e literatura Shakesperiana Referências bibliográficas: Compliance e Direito Penal. Coordenadores: Fábio André Guaragni e Paulo César Busato. Organizador: Décio Franco David, Editora Atlas, 2015. Manual de Direito Penal, parte geral, Paulo César Busato, 2ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2015. Convenção Penal sobre a corrupção, disponível em: http://www.gddc.pt/siii/docs/rar68-2001.pdf, acesso em: 28 de dezembro de 2017. [1] SANTANA, Vinícius Cruz e TAMBORLIN, Fábio Augusto. Sociedade de risco e a democratização da gestão de riscos. Compliance e Direito Penal, Coordenadores BUSATO, Paulo César e GUARAGNI, Fábio André. Editora Atlas, 2015, p.3. [2] Ibidem, p. 4. [3] Ibidem, p.4. [4] Ibidem, p. 5. [5] Ibidem, p.6. [6] Ibidem, p.6. [7] Ibidem. p.10. [8] Ibidem. p.10. [9] BUSATO, Paulo César. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013. p. 241. [10] Ibidem. p. 15. [11] DAVID, Décio Franco. Compliance e corrupção privada. Compliance e Direito Penal, Atlas, 2015. p.203. [12] Ibidem. p. 204. [13] Ibidem, p. 205. [14] Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. [15] Ibidem, p. 208. [16] 98/742/JAI: Ação Comum de 22 de Dezembro de 1998 adotada pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à corrupção no setor privado. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A31998F0742, acesso em: 28 de dez. 2017. [18] Ibdem, p. 211. [19] Convenção Penal sobre a corrupção, disponível em: http://www.gddc.pt/siii/docs/rar68-2001.pdf, acesso em: 28 de dezembro de 2017. [20] Convenção Penal sobre a corrupção, http://www.gddc.pt/siii/docs/rar68-2001.pdf, ibdem. p. 212. [21] SANTOS, Victor Hugo dos, GUARAGNI, Fábio André. Compliance e erro no Direito Penal. Compliance e Direito Penal, Atlas, 2013. p. 97. [22] SANTOS, Victor Hugo dos, GUARAGNI, Fábio André. Compliance e erro no Direito Penal. Compliance e Direito Penal, Atlas, 2013. p. 100. [23] Ibidem, p. 101. [24] Ibidem, p. 229. Comments are closed.
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