O Supremo Tribunal Federal decidiu no último dia 14, que o uso de condução coercitiva de investigados ou réus para fins de interrogatório é inconstitucional.
A expressão “para interrogatório”, contida no caput do artigo 260, do Código de Processo Penal, o qual dispunha que no caso de o acusado não atender a intimação para interrogatório, sua condução coercitiva poderia ser ordenada, método que representa restrição da liberdade e de locomoção, bem como da presunção de não culpabilidade, fora afastada. Essa falsa medida cautelar, não encontra fundamental legal, e tampouco substrato teórico legítimo, já que não fora recepcionado pela Constituição da República, razão pela qual, na lógica democrática da apuração criminal em que o investigado intimado não comparece, não dá ao Estado o direito cerceador da liberdade, ainda que em regime temporário, pois esse ato representa claro resquício da matriz inquisitória, como bem fala o professor Alexandre Morais da Rosa. O cidadão, alvo de tal ato ilegítimo, é abruptamente subtraído de seu domicílio e sem o auxílio de um advogado, é confrontado em local invasivo, com acusações já fartamente abastecidas por investigações contra si e das quais toma conhecimento pela primeira vez[1]. O objetivo é claro, constrangê-lo para que renuncie a seus direitos e colabore com a lógica inquisitiva de um processo penal velado pelo dissimulado discurso acusatório. Diante o direito de não produzir provas contra si mesmo e de exercer o direito ao silêncio, a condução coercitiva era utilizada para a obtenção de provas – interrogatório e delações - a fórcipe. A condução coercitiva, se mostrava para o processo penal como método sem quaisquer utilidades, já que de nada adianta o acusado se apresentado sob vara e, depois de todo o desgaste, silenciar, ou seja, além de constranger o suspeito, investigado ou réu, pode causar aquele que está sendo conduzido, por pura pressão externa, desgaste moral irreparável, ou até mesmo custar a própria vida, como ocorreu com o ajudante de pedreiro Amarildo, que saiu coercitivamente de sua casa, e nunca mais voltou. Os Tratados internacionais de direitos humanos do qual o Brasil é signatário, proíbem expressamente a existência de medidas cautelares inominadas no processo penal. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em especial, já julgou casos semelhantes. Sob esse contexto, vale ressaltar o caso Chaparro v. Equador, onde as violações de direitos humanos se deram ao Sr. Chaparro Álvarez, chileno, dono da fábrica “Aislantes Plumavit Compañía Limitada”, produtora de refrigeradores para transporte e exportação de produtos. Em 14 de novembro de 1997, no Aeroporto Simon Bolívar da cidade de Guayaquil, fora deflagrada a operação anti-narcóticos “Rivera”, ocasião em que os policiais apreenderam um carregamento de pescado da companhia “Mariscos Oreana Maror”, o qual seria embarcado para Miami. Nesse carregamento foram achadas caixas térmicas refrigeradoras, e dentro delas, cocaína e heroína. Resultado disso: O Sr. Chaparro foi considerado suspeito de integrar organização criminosa internacional de tráfico de drogas, já que sua fábrica produzia refrigeradores similares aos apreendidos, motivo pelo qual a Juíza da 12ª Vara Criminal Guayas ordenou a investigação da sua fábrica e sua detenção com fins de investigação. O mesmo foi conduzido da fábrica para a prisão, as autoridades estatais não informaram os motivos do ato, e tampouco sobre o direito de solicitar assistência consular do Estado de sua nacionalidade. O Sr. Lapo, gerente da fábrica também foi detido, e sua detenção não se deu em situação de flagrância, nem esteve precedida da ordem escrita de um juiz, tampouco haviam lhe informado os motivos e as razões da detenção. Ambos foram levados a delegacia e lá permaneceram incomunicáveis por cinco dias. O Sr. Chaparro não contou com um advogado no momento de ser interrogado - pré-processual. As vítimas foram mantidas em prisão provisória por mais de um ano, e as mesmas saíram da fábrica sem sequer saber o motivo. A fábrica foi restituída ao dono quase cinco anos depois após a apreensão. O Estado equatoriano foi responsabilizado por violar os direitos a liberdade, integridade pessoal, propriedade privada, e garantia e proteção judiciais. Explicitar esse caso, somente reforça o fato de que toda restrição à liberdade ambulatorial precisa estar prévia e precisamente cominada em lei, conforme defini a Constituição Federal em seu art. 5º, incisos II e XXXIX. Ainda, o art. 7º, do Pacto San José da Costa Rica, que tutela o direito à liberdade pessoal, em seus pontos n. 2 e 3, é claro ao consignar que ninguém pode ser privado de sua liberdade física, a não ser por causas e condições previamente fixadas em lei, e mais, ninguém poderá ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários! Por essas razões, a existente, mas não permanente, pressão externa, deve, no caso da condução coercitiva, como foi, e em tantos outros, tal qual da “ordem pública” – inserido no art. 312, do CPP -, ser repelida pelo Poder Judiciário, pois a resposta do poder público ao fenômeno criminoso, deve se manifestar de modo racional e imparcial, de modo que a ordem prevaleça as paixões da massa. Toda e qualquer persecução penal deve ser, conforme a definição aristotélica: “da razão desprovida de paixão”. Os direitos fundamentais da pessoa, de qualquer pessoa, que seja investigada ou responda a um processo penal, não podem ficar à mercê da discricionariedade, que não pode existir no direito processual penal, já que aqui discricionariedade é sinônimo de arbitrariedade, e processo penal representa a garantia instrumental de qualquer réu, para que o mesmo seja investigado e processado, se os procedimentos que envolvem o inquérito policial e o processo estejam em consonância com o que impõe a Constituição da República. Agora, de que vale essa decisão, se na modulação dos efeitos (ex nunc), as conduções em que pese ilegais, produziram interrogatórios válidos? Conduções coercitivas estavam na moda. O perigo, é que a moda sempre volta. Mariana Coelho Cantú Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Academia de Direito Constitucional - ABDCONST Graduada em Direito pela Universidade Positivo Advogada Criminal [1] Essa fala foi sustentada pelo professor Dr. Maurício Dieter, que falou em nome do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim, habilitado como Amicus Curiae no julgamento em conjunto da ADPF 395. Comments are closed.
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