1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
ARE 859251 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 16/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-094 DIVULG 20-05-2015 PUBLIC 21-05-2015 Ementa do julgado: Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. Constitucional. Penal e processual penal. 2. Habeas corpus. Intervenção de terceiros. Os querelantes têm legitimidade e interesse para intervir em ação de habeas corpus buscando o trancamento da ação penal privada e recorrer da decisão que concede a ordem. 3. A promoção do arquivamento do inquérito, posterior à propositura da ação penal privada, não afeta o andamento desta. 4. Os fatos, tal como admitidos na instância recorrida, são suficientes para análise da questão constitucional. Provimento do agravo de instrumento, para análise do recurso extraordinário. 5. Direito a mover ação penal privada subsidiária da pública. Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Direito da vítima e sua família à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da ação criminal, se o Ministério Público não agir em tempo. Relevância jurídica. Repercussão geral reconhecida. 6. Inquérito policial relatado remetido ao Ministério Público. Ausência de movimentação externa ao Parquet por prazo superior ao legal (art. 46 do Código de Processo Penal). Surgimento do direito potestativo a propor ação penal privada. 7. Questão constitucional resolvida no sentido de que: (i) o ajuizamento da ação penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao Ministério Público. Diligências internas à instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta de iniciativa da ação penal pública. 8. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 9. Recurso extraordinário provido, por maioria, para reformar o acórdão recorrido e denegar a ordem de habeas corpus, a fim de que a ação penal privada prossiga, em seus ulteriores termos. 2 O CASO Os recorrentes propuseram, em 31.8.2012, ação penal privada subsidiária da pública contra I.C.R.E. e L.C.S.R., imputando-lhes a prática do crime de homicídio culposo, resultante de inobservância de regra técnica de profissão, art. 121, §§3º e 4º, do CP, tendo como vítima seu filho M.D.F.C.C., falecido em 14.2.2012, nas dependências do Hospital Santa Lúcia. A queixa-crime foi recebida e foi impetrado Habeas Corpus pelos recorridos junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que foi distribuído à 1ª Turma, tendo como relator o desembargador Mario Machado, o qual deferiu a ordem para trancar a ação penal privada subsidiária proposta pelos recorrentes, sob o fundamento de que não restou configurada inércia do Ministério Público. O Supremo Tribunal Federal conheceu do agravo e deu provimento ao recurso, para determinar o prosseguimento da ação penal privada. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O Ministro Relator Gilmar Mendes constatou que existiam duas questões de fundo a serem decididas no Recurso Extraordinário, quais sejam:
O Ministro destacou que é uma garantia constitucional ajuizar a ação privada no momento em que ocorre perda do prazo pelo Ministério Público. Deixou claro que movimentações internas do Ministério Público, tal como a que ocorreu nos autos em que houve remessa ao setor de assistência técnica do próprio Ministério Público, não podem afastar a possibilidade de ajuizamento da ação privada, pois não estão previstas na legislação nem Constituição Federal, i.e., não há quaisquer causa de interrupção ou suspensão do prazo para as diligências do Ministério Público:
Assim, invocou-se uma exceção para deixar de aplicar a regra constitucional. Essa exceção à regra não tem base expressa na Constituição ou na lei. Eventualmente, pode ser deduzida do sistema. Isso, no entanto, é a matéria de fundo da questão constitucional. Quanto ao segundo ponto, o Ministro consignou que manifestações do Ministério Público ulteriores ao ajuizamento da ação não obstam o seu seguimento. Assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que:
Além disso, (ii) a conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com a falta de ação penal pública. 4 PROBLEMATIZAÇÃO A ação penal privada subsidiária da pública é uma garantia constitucional, positivada no art. 5º da Constituição Federal, que prevê "LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal". Sua previsão legal está prevista no artigo 29 do Código de Processo Penal, o qual é idêntico à previsão constitucional. Muito embora a legislação afirme que é cabível ação privada quando não tenha o Ministério Público ajuizado a ação pública, é certo que aquela é cabível diante da inércia do Ministério Público em tomar uma das medidas cabíveis quando do recebimento do inquérito policial, quais sejam, oferecer denúncia, requisitar diligências ou promover arquivamento (direto ou indireto). Nas lições de PACELLI DE OLIVEIRA:
Sabe-se que os princípios que regem a ação penal pública são a intranscendência da pena, oficialidade, obrigatoriedade e indisponibilidade. Dentre estes, o mais importante e que demanda maior aprofundamento doutrinário é o da obrigatoriedade (veja-se o livro de Afrânio Silva Jardim, "Ação Penal Pública. Prinípio da Obrigatoriedade"). A legislação fixou meios de fiscalização do princípio da obrigatoriedade, dentre eles o controle anômolo da ação penal realizada pelo Poder Judiciário, por meio da remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, quando do pedido de arquivamento realizado pelo parquet, consoante disposição do artigo 28 do Código de Processo Penal, sacrificando a imparcialidade do julgador e o Sistema Acusatório. Outra forma de fiscalização do princípio foi a instituição da ação penal privada subsidiária da pública, conferindo legistimidade extraordinária, mediate substituição processual, ao ofendido (ou seus suscessores legais), para que requeira em juízo criminal o jus puniendi, sacrificando, assim, a imparcialidade do órgão acusador, tão cara ao ordenamento, vez que evita o manejo de ações pelo sentimento de vingança. Veja-se, que, o sacrificio da imparcialidade do julgador e do acusador reforça o princípio da obrigatoriedade, bem como demonstra que não há uma equação pura entre a proteção dos direitos fundamentais e a proteção à liberdade individual. Consoante constata, PACELLI DE OLIVEIRA:
O legislador pátrio se preocupou em efetivar a apreciação dos fatos supostamente criminais pelo Poder Judiciário. A ação penal pública é dever do Estado, cujo corpo social deve ser protegido, quando necessário (destaque-se a ultima ratio, fragmentariedade e afins), pelo Direito Penal. A persecução penal deve ser voltada ao interesse público, reafirmando a proteção dos direitos fundamentais. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais, 3.ed. São Paulo: Atlas, 2012. [1] PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais, 3.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 29. Comments are closed.
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