Os autores analisam a complexa questão da violência sexual contra crianças e adolescentes, como realidade torpe vivenciada na contemporaneidade. Tema forte, porém de suma importância, vale a leitura! Por Samuel Ebel Braga Ramos e Isabela Gasparotto Marteli A violência sexual como ato indesejado e sem o consentimento atinge a coletividade e descortina o temor na sociedade. Torna-se latente que o delito sexual praticado contra os vulneráveis causa espanto diante sua torpeza, não havendo restrições de sexo, etnias, idade ou classes sociais. O tema gera mal estar. O delito sexual se apresenta na violência ou na presunção desta, ou seja, na satisfação da lascívia através da prática delituosa com vítima menor de 14 anos, conforme elementos normativos do tipo dispostos no art. 217-A do Código Penal. A exploração sexual, por exemplo, é reprovação jurídico-penal distinta, mas interligada entre si. A exploração sexual se relaciona a uma conduta praticada com o intuito final de obtenção de lucros. Crianças e adolescentes são submetidos a atos sexuais e lascivos em troca de recebimentos financeiros através da exploração de tais atos. O agente que obtém vantagem com a prostituição infantil não pode alegar que houve consentimento da menor explorada ou que foi enganado em relação à idade dela para se eximir de culpa. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou decisão que havia absolvido o dono e a gerente de um bar acusados de favorecimento da exploração sexual de adolescentes[1]. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tabulou os dados através dos registros realizados via denúncias realizadas via canal “Disque 100”. A violência sexual contra crianças e adolescentes correspondeu a 11% dos 159 mil registros feitos pelo canal do Governo, ao longo de 2019. Ao todo, foram 17 mil ocorrências desta natureza. Ainda de acordo com o Ministério, em 73% dos casos, o abuso sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito e é cometido por pai ou padrasto em 40% das denúncias. O suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros. Em 2018, o país também atingiu o lamentável recorde de ocorrências de abuso sexual infantil: 32 mil vítimas[2]. O gráfico abaixo atesta os dados: A violência sexual na infância acontece em torno de 3 a 8 anos. Muito dos casos praticados na infância vem do poder Inter Familiar, entre eles os parentes mais próximos. As sequelas são eternas. Estatísticas demonstram que determinados abusos ocorrem no seio familiar, dentro da residência da vítima e, em certas ocasiões, com a omissão de um dos genitores. Os dados demonstram a assertiva: sabido que o estupro é uma das condutas com maior reprovação em um corpo social, através de seu teor sexual praticado de forma abusiva e sem consentimento da vítima, na qual é forçada na prática da cópula, carícias indesejadas e sexo oral forçado.
O estupro é o tipo penal de maior reprovabilidade enquanto ataque ao bem jurídico tutelado pela norma, sendo a liberdade sexual. É caracterizado por meio da violência física ou psicológica, na qual o ofensor realiza ameaça à vítima para satisfazer o seu prazer (lascívia). Dentro disso, masturbação, bem como toques íntimos sem o consentimento também são formas de delito sexual. Na contemporaneidade, tem-se a análise pragmática dos casos envolvendo delitos sexuais como forma de amolde típico e também na atenção as novas formas de entendimento de ofensas sexuais. Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que o “beijo forçado” pode caracterizar o delito do art. 213 do Código Penal. A 6ª Turma acolheu recurso restabeleceu a sentença para condenar um jovem de 18 anos por estupro de uma adolescente de 15. O fato típico consistiu que o acusado agarrou a vítima pelas costas, imobilizou-a, tapou sua boca e jogou-a no chão, tirou a blusa que ela usava e lhe deu um beijo, forçando a língua em sua boca, enquanto a mantinha no chão pressionando-a com o joelho sobre o abdômen. De forma unânime, a turma entendeu que todos os elementos caracterizadores do delito de estupro estão presentes no caso: a satisfação da lascívia, devidamente demonstrada, aliada ao constrangimento violento sofrido pela vítima, revela a vontade do réu de ofender a dignidade sexual da vítima[1]. A 5ª Turma da Egrégia Corte Superior apresentou o entendimento quanto a contemplação lasciva, tipificando-a como estupro de vulnerável. Vejamos: DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONTATO FÍSICO PARA DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável. A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido[2]. A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná apresentou seu decisium quanto a fato típico envolvendo satisfação da lascívia e menores de idade: APELAÇÃO CRIME – CRIME DE SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE (ART. 218-A DO CÓDIGO PENAL) – SENTENÇA CONDENATÓRIA – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – NÃO ACOLHIMENTO – AUTORIA E MATERIALIDADE SATISFATORIAMENTE COMPROVADAS – RÉU QUE, DA JANELA DE SUA RESIDÊNCIA, ASSOVIAVA PARA A VÍTIMA PARA QUE ELA O ASSISTISSE EM CENAS DE AUTOEROTISMO – SITUAÇÃO PRESENCIADA PELOS PAIS DA OFENDIDA (...). (...) II – Extrapola o sítio da privacidade pessoal exibir-se nu, com o pênis ereto, masturbando-se, diante da janela do quarto que faz frente para a janela do quarto da casa vizinha, ocupado por menor de 14 anos, para satisfação da própria lascívia[3]. Em outro vértice, o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê a tipificação de delitos sexuais em seu art. 241-D: Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná compartilha o entendimento sobre a punibilidade através da aplicação do artigo supracitado em situações de envio de mensagens com o intuito final de prática de ato libidinoso e/ou satisfação da lascívia: APELAÇÃO CRIME - ALICIAMENTO DE MENORES - ARTIGO 241-D DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - LAUDO PERICIAL MOSTRANDO A MENSAGEM ENVIADA ÀS ADOLESCENTES - PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS - SENTENÇA MANTIDA (...) “Assim, restou evidente que o acusado praticou o delito previsto no artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a intenção de L. J. R., ao mandar mensagens insinuantes para a, então, menor de 12 anos de idade, foi na tentativa de praticar ato libidinoso ou estupro, conforme se depreende dos autos.”[4]. Com a análise dos casos verificados, extrai-se que novas formas de condutas são puníveis em atenção a interpretação teleológica da norma penal. Desta forma, toques íntimos, desde beijar e apalpar, o estupro dentro do relacionamento, ser obrigado a assistir filmes de pornografias, ou participar de alguma cena, até o enviar fotografias de nudez, toques indesejados nos órgãos sexuais da outra pessoa; ser obrigado a penetrar por via oral, vaginal ou anal, por outras partes do corpo, como os dedos e objetos, forçar alguém se prostituir, se amoldam na reprovação jurídico-penal. Exemplo disso é o Gromming Online. O Gromming é o termo usado para descrever pessoas que fazem amizade, sem a devida identificação, como fim específico de satisfação sexual com crianças e adolescentes. Os Grommers, através de complexa engenharia social, demonstram ser pessoas amigáveis e gentis através de seus perfis em redes sociais. Desse modo, ganham a confiança de suas vítimas enviando fotos, oferecendo presentes e recompensas com a finalidade de conquistar a criança ou adolescente para, após, conduzir a conversa para experiências sexuais, chegando ao momento de solicitar o envio de fotos e vídeos. Destaca-se que ofensores, em alguns casos, promovem extorsão após o recebimento de imagens íntimas. Deste modo, mediante as ponderações realizadas no presente texto, vimos que a violência sexual contra crianças e adolescentes é realidade torpe vivenciada na contemporaneidade. É um tema forte, porém de suma importância sua discussão. Através da análise de dados oficiais, foi possível constatar que a parte dos delitos sexuais envolvendo crianças e adolescentes tem origem o seio familiar ou de pessoas que sejam próximas da família. De todo modo, as normas penais tutelam a liberdade sexual enquanto bem jurídico, atraindo a ingerência do Direito Penal na cominação de sanções penais aos ofensores. Por fim, verificou-se que os Tribunais têm exercido fundamental papel enquanto fonte do direito, promovendo análise pragmática dos casos para a imputação dos delitos sexuais, em atenção na reprovação de novas formas do delito. Samuel Ebel Braga Ramos Advogado. Professor de Direito Penal na Faculdade de Educação Superior do Paraná - FESP. Mestre em Direito (2019), com a linha de pesquisa Sanção Penal e Criminal Law and Economics. Especialista em Gestão e Legislação Tributária (2017). Extensão em Direito Penal e Processual Penal Alemão, Europeu e Internacional pela instituição de ensino Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha (2016). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Modernas Tendências do Sistema Criminal (Curitiba/PR). Pesquisador do Núcleo de Pesquisas Sistema Criminal e Controle Social do PPGD/UFPR. Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM/PR. Isabela Gasparotto Marteli Acadêmica do 8º Período do Curso de Direito da Faculdade FESP – Curitiba/PR. NOTAS: [1] Número dos autos suprimido em virtude do segredo de justiça. Disponível em < http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-08-23_09-10_Reformada-decisao-que-absolveu-gerente-e-dono-de-bar-onde-adolescente-se-prostituia.aspx>. Acesso em 17.08.2020. [2] Superior Tribunal de Justiça. Número dos autos suprimido em virtude do segredo de justiça. [3] Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus 70.976- MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 02/8/2016, DJe 10/8/2016. (Inf. 587 do STJ, 2016). [4] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 3ª Câmara Criminal – Apelação Criminal - 1522724-0 - Curitiba - Rel.: Desembargador Gamaliel Seme Scaff - Unânime - J. 17.11.2016). [5] Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal 10200689 PR 1020068-9 (Acórdão), Relator: Antônio Carlos Ribeiro Martins, Data de Julgamento: 29/01/2015, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1510 20/02/2015.
0 Comments
Leave a Reply. |
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |