CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS: INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA2/19/2018
O presente artigo visa expor a relação da não aplicação do princípio da insignificância nos atos administrativos em razão da supremacia do interesse público. Esta tese relaciona-se com as atividades desempenhadas pela Administração Pública cuja finalidade é cumprir com os objetivos estabelecidos pela Constituição de 1988. Dessa forma, os atos administrativos ao passar pelo controle judicial não podem ser anulados pela sua insignificância.
Preliminarmente, cumpre explanar, mesmo que de forma breve, sobre o princípio da insignificância no Direito Penal, que ganhou forças na esfera jurídica através de Claus Roxin, em 1964, na Alemanha. O mencionado autor leciona de forma precisa que "somente se podem punir as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se".[1] Destarte, o Princípio da Insignificância atua como instrumento que visa controlar a criminalização excessiva, ou seja, é aplicado quando uma determinada conduta não lesiona um bem jurídico tutelado de forma significante. Atualmente, no Ordenamento Jurídico Pátrio não há previsão legal para esse princípio, mas o mesmo se encontra em posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários, sendo considerado pela corrente majoritária como causa supralegal de exclusão da tipicidade material. As atividades da Administração Pública são exercidas por pessoas e órgãos governamentais cujo objetivo é a gestão dos instrumentos do governo que satisfaça a coletividade. Essas atividades são previstas pelo ordenamento jurídico e devem seguir os princípios basilares que legitimam a atuação da Administração Pública, como os previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Ao tratar desses princípios pode-se extrair a razão e a fundamentação que legitima essa atuação: o interesse público. É imprescindível que o agente de Estado ao emanar qualquer ato seja observado esse princípio, pois onde há imoralidade e pessoalidade não há interesse público. O autor Celso Ribeiro Bastos explica que o interesse público destina-se a atingir fins que o próprio ordenamento jurídico garante, e exemplifica que não há que arguir o interesse público para a conveniência do Estado[2]:
O exemplo é a aplicação da teoria ao caso concreto: um servidor que atuou de forma pessoal e imoral para beneficiar-se na função de agente público é notório que sua conduta é ímproba, o que acarretaria a sua demissão (ato administrativo da Administração Pública). Tal demissão deve-se levar em consideração a falta de legitimidade em que atuou o servidor. Ao ser questionada pelo servidor para que anule o ato de demissão, seria justo que a conduta por ele praticada fosse considerada insignificante pelo Juízo levando em conta o ato praticado e a sua função como agente do Estado? O ato de demissão é passível de anulação nestas circunstâncias? É nesta seara que analisaremos o tema. O renomado autor Hely Lopes Meirelles[3] muito bem conceitua, numa visão global, que a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. Importante ressaltar deste conceito, é que a satisfação das necessidades coletivas é o interesse coletivo se sobrepor ao individual sem que com isso haja a quebra do Estado de Direito[4]. Como as atividades da Administração se exteriorizam pelos atos realizados, muito embora revestidos pela presunção de legitimidade, este ato pode ser questionado, tendo sua natureza relativa. A própria Administração, internamente, possui interesse no controle de seus atos, pois pode lesionar a Administração como também o particular. É o que o ilustre autor Celso Bastos explica sobre a importância do controle:
Dessa maneira, ao passar a análise do Poder Judiciário, deve-se levar em conta: o princípio do interesse público e a independência da esfera penal e administrativa. O primeiro leva em conta a presunção de que qualquer ato da administração pública não pode ser considerado ínfimo ou pequeno perante a coletividade. Importante mencionar o caso apontado pelo Renato Lopes Gomes da Silva[6], em que o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu a condenação de um agente público municipal que utilizou o carro oficial e três integrantes da Guarda Municipal para transportar utensílios e bens particulares. A decisão de segundo grau aplicou o princípio da insignificância, pois entendeu que o dano causado foi somente referente à gasolina utilizada para realizar o percurso. No entanto, como bem ilustrou o entendimento do STJ, o dano é muito maior, pois “deveria ser calculado o valor do dia de trabalho dos guardas municipais, o preço do frete e outros gastos efetivamente comprovados”. O ministro relator Herman Benjamin demonstrou que o princípio da moralidade está umbilicalmente ligado ao conceito de boa administração, ao elemento ético, à honestidade, ao interesse público e a noção de bem comum. Dessa forma, não se pode conceber que uma conduta ofenda “só um pouco” a moralidade. Nesse sentido, no que tange ao princípio da moralidade na Administração Pública, é pertinente ressaltar sobre a inaplicabilidade do princípio da insignificância também aos crimes contra a Administração Pública. Recentemente foi consubstanciado na Súmula 599 do STJ que, “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”. O Relator da Súmula ora em comento foi o Ministro Felix Fisher, que dentre outras referências, se utilizou do Código Penal, bem como de 13 (treze) Acórdãos. Segue abaixo um dos precedentes utilizado como referência, o qual prescreve que[7]:
É visível, portanto, a impossibilidade de considerar a aplicação do supramencionado princípio nesses casos em comento. O motivo é que este é utilizado no direito penal para abarcar situações (contém requisitos) que não ofendem bens jurídicos importantes. Logo, qualquer ato cometido por agentes da Administração Pública que atentem contra os preceitos constitucionais, não podem ser considerados ínfimos, haja vista que se trata de interesse coletivo, o que por si só, não pode ser desconsiderado. Além do mais, não há de se falar de insignificância no que tange à ofensa cometida contra a probidade e moralidade administrativa. Aicha de Andrade Quintero Eroud Graduanda em Direito do Centro de Ensino Superior de Foz do Iguaçu - Cesufoz. Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED. Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu. Membro Associado do International Center for Criminal Studies –ICCS. Rima Fares Ghattas Graduanda no curso de Direito da Faculdade de Foz do Iguaçu - FAFIG. Estagiária na Advocacia Geral da União - AGU. [1] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal, Lisboa: Ed. Vega, p. 28. [2] RIBEIROS BASTOS, Celso. Curso de Direito Administrativo. Celso Bastos Editora: São PAULO, 2002. P. 50 e 51. [3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2004. Pág.64 e 65. [4] Ob.cit. Celso Ribeiro Bastos. Pág.49. [5] Ob.cit. Celso Ribeiro Bastos. Pág.468. [6] Acessado em 08/02/2018 às 23h36min: https://www.conjur.com.br/2008-dez-02/principio_insignificancia_atos_administrativos [7] http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27599%27).sub.#TIT1TEMA0 Referências: ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal, Lisboa: Ed. Vega. RIBEIROS BASTOS, Celso. Curso de Direito Administrativo. Celso Bastos Editora: São PAULO, 2002. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2004. https://www.conjur.com.br/2008-dez-02/principio_insignificancia_atos_administrativos - Acessado em 08/02/2018 às 23:36. http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27599%27).sub.#TIT1TEMA0 – Acessado em 10/02/2018 às 18h52min. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |