Artigo de Leandro Carazzai Saboia no sala de aula criminal, vale a leitura! ''A responsabilidade penal pode ocorrer, por exemplo, quando o sujeito sabe estar infectado e opta por não manter o isolamento domiciliar, expondo outras pessoas ao perigo de contágio. Segundo reportagem exibida nesta sexta-feira (22) no Meio-Dia Paraná, programa apresentado pela RPC, foi exatamente o que ocorreu com alguns manauaras que, voluntariamente, deixaram a capital amazonense de avião e desembarcaram em Curitiba, mesmo sabendo que estavam com a doença''. Por Leandro Carazzai Saboia Nas últimas semanas o mundo tem acompanhado com atenção o colapso no sistema de saúde de Manaus, provocado em parte pela negligência do poder público municipal, estadual e federal e em parte pelo descaso da população local quanto aos protocolos de segurança no combate à pandemia de COVID-19.
Segundo o noticiário, a velocidade com que tem crescido o número de casos da doença na capital amazonense pode ser fruto de uma nova variação do vírus. Apesar disso, especialistas alertam que a melhor forma de evitar o contágio continua sendo manter as medidas de segurança indicadas pelas autoridades sanitárias, tais como o distanciamento social, o uso de máscaras de proteção e a higienização adequada das mãos, objetos e espaços públicos. Ocorre que muita gente segue desrespeitando essas orientações, em clara manifestação de egoísmo e irresponsabilidade, aumentando a possibilidade de transmissão do vírus e colocando em risco não apenas a própria vida, mas a de todas as pessoas com quem tem contato mediato ou imediato. Além de reprovável do ponto de vista ético, tal atitude pode configurar crimes previstos na legislação brasileira e acarretar prisão, além de outras sanções civis e administrativas. A responsabilidade penal pode ocorrer, por exemplo, quando o sujeito sabe estar infectado e opta por não manter o isolamento domiciliar, expondo outras pessoas ao perigo de contágio. Segundo reportagem exibida nesta sexta-feira (22) no Meio-Dia Paraná, programa apresentado pela RPC, foi exatamente o que ocorreu com alguns manauaras que, voluntariamente, deixaram a capital amazonense de avião e desembarcaram em Curitiba, mesmo sabendo que estavam com a doença.[1] De início, a simples resistência ao cumprimento das medidas sanitárias recomendadas pode ser enquadrada na conduta do art. 131 do Código Penal, que prevê pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa para quem “praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”. Note-se que, para a ocorrência desse crime, não é sequer necessário que alguém seja, de fato, contaminado, bastando que o agente crie esse risco. De acordo com a doutrina de Fernando CAPEZ, embora não haja a modalidade culposa para o delito em questão, nada impede que o agente que transmitir a doença de modo imprudente responda por lesão corporal culposa, prevista no art. 129, § 6.º do Código Penal, com pena de 2 meses a 1 ano de detenção, no caso de contaminação de terceiro.[2] Por outro lado, no caso de outra pessoa acabar contraindo a doença e dependendo das consequências que sofrer, o transmissor pode ser punido por lesão corporal grave, prevista no art. 129, § 1.º, II e III do Código Penal, por ter ofendido “a integridade corporal ou a saúde de outrem” criando “perigo de vida”, ou ainda por causar a “debilidade permanente de membro, sentido ou função”, com pena que pode variar de 1 a 5 anos. Se do contágio provocado decorrer a morte de alguém por COVID-19, há quem defenda a possibilidade de o transmitente responder por homicídio, crime apenado com reclusão de 6 a 20 anos, ou até mesmo homicídio qualificado, cuja pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão, dependendo das circunstâncias.[3] Mas, como alerta Paulo César BUSATO, “se a situação concreta é de produção efetiva do resultado morte, é necessário investigar do contexto a transmissão de sentido da conduta do sujeito para identificar os limites do seu compromisso para com a produção deste mesmo resultado, para diferenciar entre hipóteses de homicídio consumado e lesão corporal seguida de morte”.[4] Evidentemente, a adequação típica da conduta, que também interferirá na competência para julgamento do caso e até na possibilidade, ou não, da aplicação de alguma medida despenalizadora, vai depender da situação concreta e do resultado da ação praticada pelo agente. Seja como for, fato é que há várias possibilidades de responsabilização de quem, inadvertidamente, ignora o bom senso e age de maneira a por em risco a saúde alheia. Portanto, antes de adotar atitudes inconsequentes e de agir com descaso em relação à doença, é importante que o indivíduo tenha em mente as graves consequências jurídicas de seus atos. Se o senso de solidariedade e empatia não forem suficientes para a adoção das cautelas visando à preservação própria e alheia, que sirva para tanto o receio de sofrer a persecução criminal. Leandro Carazzai Saboia Advogado, aperfeiçoado em Prática de Advocacia Criminal pelo Centro de Estudos Professor René Dotti em parceria com a Universidade Positivo e pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal pela ABDCONST. <https://www.saboia.adv.br>. NOTAS: [1] A matéria jornalística pode ser assistida em <https://globoplay.globo.com/v/9201377/>. Acesso em: 22/01/2021. [2] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. v. 2. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 335. [3] Conforme reportagem exibida no Meio-Dia Paraná de 22/01/2021, disponível em <https://globoplay.globo.com/v/9201393/>. Acesso em 22/01/2021. [4] BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte especial. v. 2. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 160.
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