Dada a previsão constante no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal (“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”), a proteção ao consumidor se trata de garantia fundamental. Diante de tal mandamento constitucional, o legislador pátrio elaborou a Lei n.º 8.078/90, o famoso CDC. Dentre as previsões sedimentadas no Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu o trato jurídico nas relações de consumo de forma pormenorizada e salutar, têm-se os tipos penais que figuram em tal lei, visando tutelar, por meio do Direito Penal, propriamente as relações de consumo por alguns vieses. A Lei n.º 8.078/90 é datada de 11 de setembro de 1990, tendo entrado em vigor cento e oitenta dias após a sua publicação, conforme previsto em seu artigo 118. No entanto, em 27 de dezembro de 1990, ou seja, pouco mais de três meses da publicação do CDC, foi publicada a Lei n.º 8.137/90, a qual entrou em vigor na data de sua publicação (artigo 22), definindo crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Assim, naquele mesmo ano foram publicadas duas leis tutelando o mesmo bem jurídico, as relações de consumo. A questão que aqui se busca discutir é saber qual a consequência de duas leis tutelando o mesmo bem jurídico, já que não quando da publicação da Lei n.º 8.137/90 não houve dispositivo específico revogando os artigos penais da Lei n.º 8.078/90. Até se pode dizer que num plano mais genérico há dispositivo nesse sentido, conforme se observa no artigo 23 da Lei n.º 8.137/90, o qual prevê que “Revogam-se as disposições em contrário [...]”. Mas a coisa ainda assim não fica clara, pelo menos no aspecto formal, de modo que cumpre analisar se houve a revogação tácita dos tipos penais do CDC com o advento da Lei n.º 8.137/90. Sobre essa confusão que foi instaurada já quando da publicação das mencionadas leis, NUCCI[1] explana:
Assim, como constantemente se verifica, a tutela do Direito Penal é utilizada como remédio para todos os males, desde os crimes graves, como crimes contra a vida até os de relação de consumo, denotando-se que fora uma tentativa legislativa de coibir determinadas condutas, ignorando o princípio da intervenção mínima, onde se misturou condutas que por óbvio deveriam recair apenas nas esferas civis e/ou administrativas. Ao analisarmos as duas leis, os dispositivos elencados a partir do artigo 61 da Lei n.º 8.078/90 (CDC) e o art. 7º da Lei n.º 8.137/90, observam-se discrepâncias legislativas ao relacionar determinadas condutas à esfera penal. Destarte, outras situações, ainda que descritas de maneiras diversas, têm o condão de recair sobre condutas iguais. De qualquer forma, ainda que de maneira sucinta, há que se aplicar algum critério para a escolha de qual legislação deva ser levada em conta. Ainda segundo NUCCI[2], tem-se que Lei n.º 8.137/90:
Nesta linha, tem-se que o CDC ainda tem um artefato normativo expresso no art. 61:
Seja como for, tem-se certa “salada mista legislativa” que se instaurou, vez que, conforme pontuado, tratam-se de duas leis diversas que abordam a mesma temática em determinado ponto. A confusão pode ser uma das consequências, vez que a depender dos critérios utilizados na análise legal, diversas respostas podem surgir. 8.078/90 ou 8.137/90? Qual é a sua posição? *Artigo originalmente publicado pelos autores no “Canal Ciências Criminais” – Disponível em: http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/crimes-contra-as-relacoes-de-consumo/ Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR Pós- graduando em Ciências Penais [1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 6ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. (Volume 1) p. 463 [2] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 6ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. (Volume 1) p. 88 Comments are closed.
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