Ensaio criminológico à luz do pensamento de Bertrand Russell
Egoísmo. Apatia. Vaidade. Competição. Tédio. Excitação. Fadiga. Inveja. Mania de perseguição. São inúmeras as razões, apontadas por Bertrand Russell, que podem tornar as pessoas infelizes. O mais interessante é que a variedade de causas é tão grande que podem atingir pessoas de comportamentos completamente opostos. Russell aponta, entre os infelizes: narcisistas, megalômanos e “pecadores”.
A obra de Russell é um retrato franco da condição humana, mas, além disso, é capaz de levar o leitor a inúmeros caminhos distintos. Eu, particularmente, ao ler o livro “A Conquista da Felicidade”, por várias vezes acabei dominado por dois pensamentos inquietantes, quais sejam: a) a infelicidade talvez seja a principal causa do crime; b) a infelicidade talvez seja a principal causa das mazelas do sistema punitivo. A ideia me soou ao mesmo tempo infantil e complexa, razão pela qual resolvi colocá-la no papel para pensar em voz alta e desenvolver o raciocínio um pouco melhor. Tenho absoluta certeza de que um artigo curto não é suficiente para abordar a temática proposta, mas servirá, ao menos, para compartilhar as interrogações que me inquietaram a partir da leitura de Russell. Acredito que é possível refletir a respeito do problema a partir de duas perguntas: Primeira Pergunta – Pessoas infelizes são mais propensas à criminalidade? Segunda pergunta – Será que a repressão punitiva não funciona como afirmação e propagação da infelicidade? Em primeiro lugar, partindo da ideia inicial de Russell de que os infelizes normalmente são os narcisistas (aqueles que não se satisfazem com nada a não ser com a apreciação alheia), os megalômanos (aqueles viciados em poder e que apenas se satisfazem com a sensação de conquista, ainda que causadora do sofrimento alheio) e os “pecadores” (aqueles aprisionados ao sentimento de culpa); é possível analisar, ainda que especulativamente, a propensão criminosa destes “tipos” distorcidos de personalidade. O narcisista é a representação da vaidade, do egoísmo e do vício na excitação. O megalômano é a representação da competição, da inveja e também do egoísmo e da excitação viciante. O “pecador”, por sua vez, é a representação da apatia, do tédio, da fadiga e da inveja. O que estes três “tipos” possuem em comum é a fixação em si próprios, aprisionados a um infantil, mas impregnado antropocentrismo, consideram-se os depositários de toda a beleza (narcisistas), grandeza (megalômanos) ou desgraça (“pecadores”) divina. O grande problema é que tais personagens da crônica da vida perdem os referenciais externos e passam a considerar que os seus sentimentos próprios representam tudo que realmente importa. O individualismo e a circunspecção psíquica de cada um destes “pobres” infelizes certamente viabiliza o afastamento da virtude, já que perdem a noção do todo, e consequente aproximam-se do crime (não virtude), seja na forma de: instrumento à satisfação sentimental não correspondida (narcisista – passional), meio de imposição de um poder não alcançado (megalômano – abusador de autoridade), ou caminho de expiação de culpa insuperável (“pecador” – desintegrado social ao ataque). A frustração decorrente da impossibilidade de se conseguir o que se quer ou de sair de onde se está parece ser a mais triste das realidades. E o que faz o infeliz? Revolta-se contra os causadores da infelicidade! Quem são? Sempre os outros. Já dizia Lacan (acho que é ele quem dizia) que o outro é um inferno, pois tira a certeza que tenho de mim mesmo. Já estou divagando, mas a impressão que tive ao ler Russell é que o crime guarda íntima relação com a infelicidade. Será? Pode ser que nada disso faça sentido, mas a imagem que não sai da minha mente é a de que uma pessoa plenamente feliz (se é que isto existe), satisfeita consigo própria e com a sua posição “no mundo” jamais se proporia a um agir violento, de ataque, contra tudo que é fonte de sua alegria. Ou não? Em segundo lugar, a repressão punitiva, instrumento de segregação, não tem qualquer capacidade de estimulação de sentimentos positivos, mas tão somente serve à alimentação dos vícios deturpadores da personalidade, notadamente: mania de perseguição, sentimento de culpa, apatia, tédio, inveja. O Sistema Carcerário é um dos instrumentos mais efetivos de propagação de infelicidade. A dúvida que surge é muito simples: como é que se busca a correção dos rumos da sociedade, através da propagação da infelicidade, sendo que esta talvez seja uma das principais razões do comportamento violento? Pode ser que tudo o que esteja sendo dito aqui represente a mais absoluta bobagem (peço escusas se o for o caso), até porque não tem qualquer base científica, mas ler Bertrand Russell e refletir sozinho sobre a complexidade de suas proposições é causa de inquietação que precisa ser compartilhada, seja para que o leitor não se sinta infeliz sozinho, ou para que possa compartilhar a sua felicidade. André Luis Pontarolli Advogado Criminal Professor da Pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal da ABDCONST Professor do Curso de Direito das Faculdades OPET Membro da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB-PR Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |