I. Introdução: A Criminologia vive um constante dilema: seu pêndulo oscila entre a engenharia social e a filosofia política[4] em um ‘to be or not to be’ hamletiano. Ao mesmo tempo em que sistematiza informações úteis à otimização das técnicas de controle social, ela também critica os aparelhos de repressão estatal e comunitária.[5] Não vem ao caso, aqui, discorrer com profundidade sobre a história da sociologia do desvio, tantas vezes enfatizada em qualquer manual que se preze. Cumpre apenas recordar que, no seu nascedouro, a Criminologia propunha-se a estudar o criminoso, suposto como alguém deficiente, dotado de características ontológicas que facilmente o diferenciariam das pessoas tidas como normais. Abrigava, com isso, preconceitos racistas e classistas.[6] Com Enrico Ferri[7] passou-se ao exame das causas circunstanciais dos crimes: as determinações materiais pelas quais determinadas pessoas – e não outras – cometeriam delitos. Ainda que isso tenha implicado algum avanço, reconhecendo que nenhum homem é uma ilha, não se problematizou o próprio conceito de ‘causalidade’. Em qualquer dos casos, seja enquanto defeito individual, seja enquanto resultado de contextos sociais de privação, essa concepção positivista supunha-se fundada no acurado método científico: observação, experimentação, mensuração e confronto.[8] Gradualmente, porém, a Criminologia desgarrou-se desses pressupostos etiológicos.[9] Com o interacionismo simbólico, o ângulo de visada foi ampliado: reconheceu-se que a questão do crime demanda considerações sobre adjetivação social das condutas, sobre a reação do outrem ao comportamento do ego. Já com a Criminologia Crítica, os criminólogos colocaram em questão a própria rotulação penal, enquanto manifestação de um status quo extremamente perverso, injusto e disfarçado.[10] Reconheceu-se a diferença entre a funcionalidade real[11] da pena criminal e a sua funcionalidade meramente retórica. Mas essa mudança de enfoque provocou crises no interior da disciplina.[12] Não se tratou, e isso deve ser enfatizado, de uma sucessão linear de teorias.[13] Antes, cuidou-se de uma superposição de correntes de pensamento convivendo sob o mesmo epíteto ‘Criminologia’, por mais que partissem de premissas e de metodologias incompatíveis entre si. Como bem explica Adolfo Ceretti, “Marcada uma vez mais a tensão entre o momento da análise etiológica do crime, aquele do emprego da prevenção e o momento em que lhe impõe subministrar – através de investigações elaboradas ad hoc – dados úteis a quem deve tomar decisões de caráter político (engineering model), a criminologia revela hoje dúvidas e fundamentos que testemunham, mais que no passado, uma renovada necessidade de certeza teórica.”[14] É necessária, como se vê, uma reflexão a respeito da epistemologia que anima as teorias criminológicas. Epistemologia é “essencialmente, o estudo das diversas ciências, destinado a determinar a sua origem lógica (não psicológica) e sua importância objetiva. Deve, então, distinguir-se a epistemologia da teoria do conhecimento, muito embora ela seja a sua introdução e lhe seja indispensável, pelo fato de que estuda o conhecimento detalhadamente, e, a posteriori, a diversidade das ciências e os objetos, mais que a unidade do intelecto.” [15] Versa, portanto, sobre a própria ciência, sobre a sua viabilidade, seus métodos e os seus limites. O presente texto tem como escopo, então, uma análise breve sobre esse conflito latente, no âmago da Criminologia, que ora a situa como mecanismo de controle social e ora a situa como instrumento para a crítica do sistema social, considerado nos seus aspectos mais violentos. Não há, porém, qualquer pretensão de exaurimento de um tema tão complexo como esse. II. Breves considerações epistemológicas: Uma das questões mais complexas da gnoseologia é a demarcação do conhecimento ‘verdadeiro’. Durante muito tempo, a certificação da verdade era conferida pela tradição: pela autoridade de quem defendia essa ou aquela ideia. Foi assim, por exemplo, que a teoria do impetus, de cunho aristotélico, ingressou no pensamento medieval. Acreditou-se também, por séculos, que o Sol girava em torno da Terra, por força do que apregoava o livro de Josué 10, vs. 12-13. A racionalidade moderna impôs, porém, novas formas de se argumentar. Deslocou-se a autoridade, antes centrada nos homens da fé, para os homens da ciência. Concebeu-se a ideia do método: um caminho correto para se atingir a verdade. Qualquer pessoa, seguindo etapas previamente delimitadas, poderia conhecer o mundo, não carecendo de uma específica intuição religiosa para tanto. Se, por um lado, isso implicou consideráveis ganhos – por estimular a crítica, o confronto e impugnação de teorias -, por outro também ensejou o que Paolo Rossi e Boaventura de Souza Santos denominam de matematização das ciências (determinismo mecanicista).[16] Mais dramático, Friedrich Nietzsche dizia ter havido vitória do método sobre a ciência.[17] Trata-se da razão calculadora instrumental, fundada no intento de se controlar e se alterar a natureza, implicando noções de eficiência, de ordem e de prognose. Esse modelo epistemológico, com êxito retumbante no âmbito das chamadas ciências naturais, não se coadunou totalmente, porém, com as ditas humanidades, pela própria complexidade do seu objeto de reflexão: o homem. 2.1. Concepções de Thomas Kuhn e Karl Popper: Segundo Thomas Kuhn, a ciência evoluiria pela superação de paradigmas: “Com a escolha do termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real – exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação – proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica (...) Uma comunidade científica, ao adquirir um paradigma, adquire igualmente um critério para a escolhas de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, podem ser considerados como dotados de uma solução possível.”[18] A ciência evolui mais pela ruptura do que pela continuidade.[19] Como aferir, porém, se uma teoria é melhor que a anterior? Para Panebianco, [20] o critério seria a coerência interna, a maior consistência. Já para Marcello Pera, no âmbito da criminologia o problema estaria justamente em certo exagero na formulação de hipóteses, com coexistência de inúmeras teorias sem que nenhuma se afirme como paradigma efetivamente dominante, com imposição de um método de pesquisa e de avaliação de resultados, o que será aferido adiante.[21] Ora, segundo Thomas Kuhn, a sociologia e a criminologia seriam consideradas ciências pré-paradigmáticas (ainda não normalizadas), dada a ausência de um paradigma efetivamente compartilhado pelos seus pesquisadores.[22] Em alguma medida, essa crítica parece compartilhada por Karl Popper,[23] e seus conhecidos conceitos de verificacionismo e de falsifacionismo: apenas seriam científicas as asserções que permitissem o controle e a refutação empírica. A verdadeira ciência se fundaria em afirmações sobre fatos,[24] com a elaboração de previsões (assunção de risco pelos teóricos,[25] com a previsão detalhada de determinados acontecimentos futuros a partir dos pressupostos da sua teoria, à semelhança das previsões formuladas por Albert Einstein e confirmadas por Eddington em 1919). Tais premissas implicariam, por exemplo, que, para reconhecimento da Criminologia como ciência, os criminólogos deveriam ser capazes de calcular o percentual de aumento de crimes, quando modificadas algumas variáveis (quando incrementadas as taxas de desemprego, quando reduzida a taxa de natalidade, quando reduzida as penas cominadas para determinadas condutas etc.), algo que, há que se reconhecer, sequer pode ser conjeturado (ademais, seria desejável?). O problema é que concepção popperiana do que seja ciência é muito restrita. Segue sua conhecida crítica da psicanálise, que alega ser verificacionista:
Karl Popper sustenta que nenhuma teoria pode ser confirmada cabalmente (parte, como se vê, do já mencionado conhecido postulado da assimetria dos enunciados universais). [27] Todavia, asserções gerais (leis gerais) podem ser infirmadas, bastando que se constate um único caso interditado pela teoria, o tal cisne negro. Assim, se o crime é causado pela deficiência de recursos econômicos (lei geral), bastaria atentar para o fato de que pessoas abastadas também cometem delitos para que aquela asserção fosse tida por equivocada, segundo a cessa concepção do filósofo austríaco.[28] No âmbito das humanidades , porém, é bastante difícil (senão impossível) a distinção entre a captação e a análise de dados. O estudioso também é parte do que estuda, compõe e é influenciado pela sociedade que analisa; comunga dos pré-juízos que moldam sua forma de ser e que, portanto, não permitem o pretenso exame distante, apregoado pelo cientificismo positivista.[29] Ademais, como já referido,, as ciências sociais também influenciam o objeto (Teorema de Thomas e Efeito de Édipo):.[30] “Se os homens definem certas situações como reais, as mesmas são reais em suas consequências.”[31] 2.2. Um discurso sobre a ciência - Boaventura de Souza Santos: Por seu turno, na obra ‘Um discurso sobre as ciências’, Boaventura de Souza Santos lança várias críticas contra a pretensão de reduzir a ciência a um conjunto de axiomas matematizáveis. Ora, por mais que Karl Popper atribua substancial peso para a crítica (para a sociedade aberta,[32] como denomina), o fato é que a sua ideia do que seja ciência ainda está impregnada de certo cartesianismo. Importa dizer: daquela tentativa de matematizar o conhecimento; de supor que a tarefa da ciência seria a de dissecar a realidade, fragmentando-a em representações menores (dotadas de menor complexidade), e, portanto, sem maior compromisso com o todo, com a ideia holística. Boaventura coloca em causa justamente essa pretensão de acurácia das ditas ciências exatas; e, por derivação disso, a igual insuficiência do modelo positivista que as toma como padrão para as humanidades. Nessa obra, produzida inicialmente em 1985 (Oração da sapiência, em Coimbra), o sociólogo lusitano contextualiza o que denomina de ‘paradigma dominante’,[33] argumentando que, na sua origem, a dita racionalidade científica teria buscado se autoafirmar mediante o confronto com o senso comum (conhecimento vulgar, tido como incorreto e não justificado) e também contra as humanidades (referidas desdenhosamente como sendo escolástica ou metafísica). A revolução científica foi marcada por determinada arrogância e, derivado disso, também por algum autoritarismo:[34] simplesmente negou-se pretensão de verdade àqueles conhecimentos habituais, pragmáticos, às artes e à literatura. Acreditou-se na suficiência da chamada razão calculadora instrumental – a ação teleológica de que fala Max Weber -, correspondente à pretensa centralidade do homem, no universo; na capacidade da razão de submeter a natureza aos desígnios e caprichos de quem pudesse desvendar-lhe o código (quem pudesse ler o livro da natureza, de que falava Galileu pela boca de Salviati).[35] À semelhança dos pitagóricos, de séculos antes de Cristo, Galileu acreditou que o livro do universo teria sido escrito em linguagem matemática. Segundo Boaventura de Souza Santos, dessa centralidade da matemática na ciência moderna decorreriam duas consequências principais. A primeira, a de que o rigor científico seria aferido pelo rigor das medições: a ciência trataria do mensurável; o incomensurável seria relegado à metafísica. Privilegia-se uma análise quantitativa, em detrimento de uma análise de conteúdo: a análise de qualidades intrínsecas do objeto de estudo é relegada a um segundo plano. Por outro lado, como já referido acima, o trabalho do cientista seria o de decomposição da complexidade do mundo em unidades menores, e mais inteligíveis. Daí a subsequente especialização do saber (o que dá surgimento aos especialistas em coisa nenhuma, de que fala Souza Santos):[36] a ideia do mundo-máquina, suposição de que o cosmo e a vida funcionariam como um relógio. Enfim: essa concepção de ciência está escorada na suposição de que, conhecidas as coordenadas dos eventos anteriores, um cientista poderia prever o acontecimento futuro. Dadas a posição e a velocidade de determinado corpo celeste, um astrônomo poderia calcular a sua trajetória exata etc. Esse modelo de racionalidade, quando transposto para as humanidades, gerou a pretensão de uma física social (Augusto Comte), a noção de fato social, enquanto alvo do interesse do sociólogo (Emile Durkheim),[37] ou mesmo o pretenso reconhecimento de leis gerais do agir humano (p.ex., para o utilitarismo de Jeremy Bentham e Stuart Mill):[38] a busca do prazer e a fuga da dor, de modo que, sabendo-se dosar esses vetores, um planificador social poderia controlar a conduta das demais pessoas. Gerou também certa percepção de que a Sociologia, a História, a Psicologia etc. estariam atrasadas, como que destituídas de verdadeiro estatuto científico.[39] Mencione-se também a obra de Vico, aludido por Souza Santos, para quem haveria leis que governariam a evolução das sociedades e cujo reconhecimento permitiria profetizar as ações coletivas (algo semelhante, hoje, pode ser encontrado com o conceito de public choice, na economia). Referida concepção acaba por atribuir demasiado peso às análises estatísticas, aos chamados ‘mapas de criminalidade’ e à elaboração de fórmulas no âmbito da sociologiada criminologia, e.g. O problema é que a conduta humana é dotada de certa imprevisibilidade; não há, ademais, como se obter, repita-se, um observador externo à cultura, até mesmo porque as humanidades tratam de compreensão,[40] muito mais do que de simples explicação (daí a superação do modelo concebido para as antropologias, que asseguravam o distanciamento pretensamente científico, mas não permitia efetiva compreensão dos signos e significados envolvidos, como hoje almeja a etnografia).[41] Ademais, esse aparente complexo de inferioridade das humanidades acabou por implicar, no âmbito das chamadas ‘Ciências do Espírito’, a idealização de pretensos métodos empíricos, com prejuízo para uma concepção mais funcional, mais holística dos fenômenos humanos. É o que bem explicita Theodor W. Adorno ao enfatizar o equívoco da pretensão de se isolar o chamado factum social, sem a prévia referência ao seu contexto:
Boaventura de Souza Santos busca, de sua parte, problematizar a própria racionalidade científica, enfatizando a necessidade de uma superação do modelo de departamentos, modelo segmentado, da pesquisa e teorização humanas. Sustenta que, por força de condições teóricas e sociais,[43] dito paradigma dominante (‘matematizante’zado, ouso dizer) estaria em profunda crise. Reporta-se, para tanto, à refutação, por Albert Einstein, da concepção de espaço e tempo absolutos, que animavam o mecanicismo de Isaac Newton e todas as suas inúmeras implicações (e correspondente ideia de simultaneidade dos acontecimentos, ideia da sua previsibilidade e, por fim, ideia da viabilidade de um domínio do homem sobre o meio); reporta-se também aos paradoxos constatados pelo matemático Kurt Gödel e sua noção de incompletude (nenhum sistema matemático contém a cabal demonstração da sua completude lógica) – o que remonta ao conhecido paradoxo do mentiroso, alvo da preocupação de Bertrand Russel -, além da própria e mais atual concepção holística a respeito da ciência.[44] Acrescente-se ainda o importante problema epistemológico subjacente à alegoria do gato de Erwin Schrödinger,[45] ou mesmo o princípio da incerteza de Heisenberg,[46] de considerável relevo para as complexas questões da física quântica. Diante dessa crise do paradigma dominante, surge a necessidade de uma nova forma do homem representar-se, a si e ao mundo; uma razão comunicativa (construída pelo diálogo), como quer Habermas – ainda que também parta dessa crença na razão, como se vê -, ou mesmo de um mais profundo intercâmbio entre os vários saberes. Ou seja, Boaventura de Souza Santos clama pela reconstrução das humanidades: pelo conhecimento conjugado, holístico, que caracterizaram, ao seu tempo, um Leibniz, um Leonardo da Vinci e um Goethe. Aloca no vértice desse alegado paradigma emergente o conhecimento do próprio homem – logo: as humanidades -, sobremodo porque todo conhecimento é autoconhecimento.[47] Destaque-se, pois, essa ruptura: a concepção matematizada da ciência (cartesianismo) é reconhecida como insuficiente até mesmo para amparar as ditas ciências exatas: a matemática seria é apenas uma linguagem, que por vezes oculta as aproximações e deformações impostas pelo pesquisador. Ademais, o que releva mesmo, no âmbito das humanidades, é a desconstrução do que parece seguro, normal, corriqueiro;[48] de modo a evidenciar as arbitrariedades, os interesses e a cabal ausência de racionalidade, não raro, da pretensa civilização. 2.3. Epistemologia – algumas outras considerações: Logo, não há como concordar, desse modo, com a crítica lançada por Szazs quando sustenta que a psicanálise se aproximaria mais da religião e da política, do que, propriamente, da ciência, crítica que, pelos seus fundamentos, também atingiria a Criminologia.[49]
Há, ademais, algumas outras complexas questões subjacentes à epistemologia. Por um lado, cumpre não olvidar que as questões humanas – que Searle denomina de fatos institucionais[51] - são mais complexas que as questões da natureza. Envolvem uma dinâmica de atribuição de sentido, demandando uma compreensão externa (a do observador) que tome em causa também a intenção do agente.[52] Isso envolve, então, questões com o conceito de Erlebnis (vivência) de Wilhelm Dilthey ou a categoria de ‘formas de vida’ de Ludwig Wittgenstein. Já para Adorno, a sociologia deve ter por base a constatação dos fatos.[53]
Cai-se no círculo vicioso de tentar indagar a realidade mediante uma prévia definição de que ‘coisa é a coisa’; [55] o que não teria sido atentado por Karl Popper (pois este teria desconsiderado o caráter holístico da sociedade, segundo o filósofo de Frankfurt). Para Theodor Adorno, porém, o conhecimento da realidade social demandaria o emprego da dialética: fundada na experiência da relação de cada indivíduo com o grupo social. Interpretar é descobrir a totalidade (de modo que a decomposição propugnada pelo método cartesiano não seria útil, nesse âmbito). Por seu turno, Habermas alega que as ciências sociais asseguram uma vingança do objeto: a ciência social acaba por tomar consciência de que é condicionada pelo contexto social, do qual não pode sair. Para Popper essa proposta da dialética não seria verificável ou falsificável, porém.[56] Mas, “ o problema popperiano da cientificidade da sociologia se transforma naquele da validade da experiência anti-preditiva cotidiana.”[57] Por outro lado, oO tão lamentado pluralismo metodológico das ciências humanas decorreria, segundo Habermas, justamente da íntima imbricação entre sujeito e objeto. Jürgen Habermas trata do positivismo como segue:
Importa dizer: estudos como a psicanálise, criminologia, marxismo etc permitiriam, no estudioso, uma autorreflexão, liberando-o de poderes absolutos. Para Otto-Apel, a busca de uma ciência social neutra se traduziria na manutenção de um status quo em que há controladores e controlados: não seria neutra, apenas conformista. De igual relevo é atentar para a concepção heideggeriana de verdade (aletheia) e, implicada nisso, sua concepção sobre a ciência:
Como é sabido, Heidegger impugnou decisivamente a concepção apriorística cartesiana (seu conceito de extensio e a redução dos entes à substancia). Delimitou a verdade como descoberta, desvelamento: o que somente é possível a partir da cotidianidade e também do estranhamento do mundo (a formulação de novas perguntas, o deslocamento do foco, o distanciamento histórico), categorias que também foram apropriadas por Gadamer[60] e vários outros filósofos. Equacionadas essas questões, vê-se o quão complexo é o tema epistemológico. Sobremodo no que toca à criminologia, em que se estudam comportamentos humanos marcados por uma depreciação estatal ou coletiva. Flavio Antônio da Cruz Doutor em Direito do Estado Bacharelando em matemática Notas: [1] ADORNO apud CERETTI, Adolfo. El horizonte artificial: problemas epistemológicos de la criminología. Tradução do italiano por Sílvia Alejandra Biuso. Buenos Aires: IBdeF, 2008, p. 135. [2] FREUD apud MEZAN, Renato. Freud: a trama dos conceitos. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 3. [3] FEYERABEND apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 271. [4] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 4, 151 e 336 (engineering model versus enlightment model). [5] BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2002, p. 209-222. [6] Com efeito, Lombroso obteve fama com a sua concepção de que o crime seria manifestação de algum atavismo. O delinquente seria um ‘homem primitivo’; o que também atendida às concepções racistas e eugênicas em voga nos idos de 1850. Cumpre enfatizar, todavia, que, segundo Ignacio Anitua, “Lombroso não era um racista convicto, apesar de haver escrito, em 1871, uma obra que indubitavelmente o era (O homem branco e o homem de cor), na qual afirmaria a inferioridade do negro e também a dos habitantes do sul da Itália. Lombroso era, além do mais, descendente de judeus e havia estudado os perigos do anti-semitismo. Talvez por esse motivo, ou por descobrir as deficiências da sua teoria, começou a criar outras categorias de delinquentes. Desse modo, acrescentaria a de louco moral, tomada emprestada da psiquiatria da época, a do delinquente epiléptico, e finalmente uma gama muito mais ampla, realizada conjuntamente com Ferri – que foi quem se afastaria dos tipos exclusivamente médicos – e que seria a primeira de uma série de classificações de delinquentes, espécie desejada por criminólogos e policiais, neste caso para facilitar seu trabalho nos tipos de autor.” ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2008, p. 304-305. [7] Ferri distinguia fatores antropológicos (ou individuais) do crime, dos fatores físicos e fatores sociais, conforme ANITUA, Gabriel Ignacio. Obra citada, p. 312. Nesse mesmo sentido, SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004, p. 99; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Criminología: una introducción a sus fundamentos teóricos. 5ª ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2005, p. 238. Para ele, o delito seria apenas um sintoma da periculosidade social que o antecederia. [8] DESCARTES, René. Discurso do Método. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2006. LARRAURI, Elena. La herencia de la criminología crítica. 3ª ed. Madri: Siglo Veintiuno de España Editores, 2000, p. 17-24. [9] LARRAURI, Elena. La herencia de la criminología crítica, p. 91-92: “Os céticos afirmaram o caráter voluntário da ação desviada. Em primeiro lugar, combateram a ideia de um homem determinado, ressaltando que o homem cria, atua, se determina. É sujeito e não objeto. Também rebateram o status científico do conceito de causa. O que se denominam causas são, em numerosas ocasiões, contingências ou correlações significativas; que haja uma correlação significativa entre a pobreza e a delinquência não significa que a pobreza cause a delinquência. Ademais, assinalaram que há múltiplas causas e que são tão numerosas, tão remotas, tão difíceis de determinar, que isso impede realizar qualquer predição com um mínimo de certeza, é o mesmo que dizer que não sabemos o alcance das causas, quais e como influem. E isso, como dizia Matza (1969:116), não é um problema da escassez de nossos conhecimentos, senão da grandeza do objeto de estudo – o ser humano, que é criador de novas situações e não só criado pelas situações (...) A análise das causas, ademais, não favorece em nada o estudo do comportamento delitivo. Ao contrário, reforça a ideia de que os delitos são apenas comportamentos estranhos, ou seja, o delito comum. Porventura alguém se pergunta das causas de uma sonegação fiscal, de um delito contra o meio ambiente, de um delito contra a segurança no trabalho? Realizar um delito não é uma questão de caráter, senão uma forma de atuar para conseguir determinados fins que se querem. Não tem sentido, portanto, perguntar-se pelas causas.” [10] A diferenciação entre desvio primário e secundário remonta a Edwin Lemert, com a obra ‘Patologia social’ de 1951. Devotava-se atenção, portanto, aos desvios nascidos justamente do encarceramento criminal: a introjeção, pelo suspeito/acusado, da qualidade de desviante. Ver também CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 12 e 173. LARRAURI, Elena. La herencia de la criminología crítica, p. 132. [11] KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2ª ed. Trad. Gizlene Neder. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2004, p. 20-21 e 282. [12] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 3. [13] Adolfo Ceretti aponta essa pluralidade de caminhos como sendo um complicador do exame das questões epistemológicas da Criminologia. CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 57. [14] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 13. [15] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 16. Ver também TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. 2ª ed. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 300-310. [16] ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. Trad. Alvaro Lorencini. São Paulo: Editora Unesp, 1992, p. 16-17; SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 5ª ed. SP: Cortez Editora, 2008, p. 17-40. [17] NIETZSCHE, Friedrich apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 18. Leia-se também: “O método científico, afirma Bicchieri, não é outro que o conjunto de critérios abstratos e formais que definem que coisa é uma teoria ou uma explicação, quando uma teoria é aceitável e quando deve ser rechaçada. Se é neutro e independente das teorias às quais se aplica – como na epistemologia agora considerada – o método científico é também único, válido para todas as disciplinas científicas e também impermeável às suas evoluções.” BICCHIERI apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 43. [18] KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. SP: Perspectiva, 2009, p. 30 e 60. Para Ceretti, “Desta definição se pode destacar o seguinte: o que o investigador controla não é cada teoria em si mesma, senão um complexo de crenças, da qual a teoria parte.” “Um paradigma é um instrumento para afrontar problemas, à vez que orienta e delimita a atividade do cientista sem tornar-se, por isso, um quadro conceitual que possa analisar-se em termos de regras transcendentes ou de prejuízos pessoais considerados como sistemas psicológicos de crenças” CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 59 e 113. Uma definição interessante de paradigma, com explicitação da origem grega do termo encontra na obra AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum: sobre el método. Trad. Flavia Costa e Mercedes Ruvituso. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2008, p. 33. [19] “Paolo Rossi afirma que a imagem positivista de uma ciência que cresce por acumulação de observações parece ter decaído definitivamente na epistemologia contemporânea, enquanto permanece em pé a ideia de um crescimento fundado sobre a constante destruição de teorias, que são substituídas por outras mais verdadeiras e satisfatórias. Esta é a posição defendida, por exemplo, por Popper.” CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 106. [20] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 108. [21] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 111. [22] SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências, p. 17. Em interessante artigo, por sinal, Jesus de Paula Assis sustenta que, no âmbito das Ciências Sociais, não se pode esperar muito da obra de Thomas Kuhn, dada a diversidade de enfoques e de objetos de estudo. ASSIS, Jesus de Paula. Kuhn e as ciências sociais. Disponível na internet: < http://www.scielo.br/pdf/ea/v7n19/04.pdf.> acesso em 01/01/2011. [23] POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Trad. Benedita Bettencourt. Coimbra: Almedina, 2006 e POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 20ª ed. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007. SOKAL, Alan; BRICMONT, Jean. Imposturas intelectuais. 4ª ed. Trad. Max Altman. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, p. 201 e ss. “As pseudociências são entendidas por Popper (1992, p. 180) como sendo as teorias que podem ser verificadas ou confirmadas por um fluxo incessante de provas observacionais, sem que jamais sejam refutadas ou contraditadas pela realidade”, conforme se lê em VALLE, Bortolo; OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Introdução ao pensamento de Karl Popper. Curitiba: Champagnat Editora, 2010, p. 98. [24] Aqui compreendidos como acontecimentos, como eventos, no mesmo sentido empregado no Tratadus de Wittgenstein, conforme WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico. 2ª ed. rev. Tradução de M. S. Lourenço. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 20. [25] POPPER, Karl. Conjecturas e refutações, p. 59. Boaventura menciona que o paradigma racionalista estava fundado nessa pretensão de formular “leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenómenos.” Souza Santos. Um discurso sobre as ciências, p. 29. [26] POPPER, Karl. Obra citada, p. 58. CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 198. [27] Essa assimetria significa, em síntese, que nenhum conjunto finito de confirmações é suficiente para validar um enunciado universal (p.ex., todos os cisnes são brancos), basta uma observação negativa (que se encontre um cisne negro) para se infirmar a premissa universal. David Hume funda sua observação na constatação de que a indução está calcada em certa fé: acredita-se que o amanhã será igual ao passado, o que não pode ser demonstrado logicamente. Do fato de que, até hoje, a água ferveu a 100º C a nível do mar, não se segue que amanhã isso necessariamente continuará a ocorrer. “Ele considerava que não pode haver argumentos lógicos válidos que nos permitam demonstrar que aqueles casos de que não tivemos qualquer experiência se assemelham àqueles de que tivemos (...) Uma tentativa de justificar a prática da indução por um apelo à experiência tem de conduzir a uma regressão infinita. Em consequência, podemos dizer que as teorias nunca podem ser inferidas de enunciados de observação, ou racionalmente justificadas por eles.” POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Trad. Benedita Bettencourt. Coimbra: Almedina, 2006, p. 67. Por seu turno,Wittgenstein sustentava “Que o Sol nascerá amanhã é uma hipótese, não sabemos se nascerá. Não existe uma compulsão que faça uma coisa ter de acontecer pelo facto de outra ter acontecido. Só existe necessidade lógica. A concepção moderna do mundo fundamenta-se na ilusão de que as chamadas leis da natureza são a explicação dos fenômenos da natureza.” WITTGENSTEIN, Ludwig. Tratado lógico-filosófico. 2ª ed. rev. Tradução de M. S. Lourenço. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 136. [28] Recorde-seAnote-se, porém, que, porém, que a questão da causalidade no que toca à Criminologia é questão das mais complexas (abstraindo aqui o tema quanto à irrelevância da etiologia). CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 34. Para muitos teóricos (Sutherland, p.ex.), o reconhecimento da causalidade demandaria a comparação entre duas situações em quase tudo semelhantes, mas com consequências diferentes. O fator que estivesse presente em uma das situações, mas ausente na outra, seria a causa (método da indução por exclusão com diferença, de Stuart Mill). Utiliza-se também, com frequência, o método hipotético de Thyren (exclui-se mentalmente um fator e se afere se, ainda assim, o efeito teria advindo. Mas isso apenas se presta para reconhecer nexos causais já sabidos e não para identificar liames de causa e efeito até então desconhecidos). Ademais, é importante ter em conta a categoria desenvolvida por Vincenzo Ruggiero, a denominada ‘causalidade dos contrários’: “This book rejects generalizations, and embraces variations and differences in a particular way, namely by focusing on the interpretative oscillations which may always occur when we are faced with criminal activity. This implies that each time we subscribe to one cause of crime we may realize that the opposite cause also possesses some reasonable validity. It is what I would like to term the causality of contraries (…) In the following chapters the search for omnipresent social conditions, for an original sin, though sociologically cloaked, in brief, for a primary, universal cause of criminal behavior, will be carefully avoided. How could we do otherwise? If we, for example, identify variables such as financial success, the pursuit of status, or the accumulation of resources as the primary causes of crime, we end up expanding the criminal label to cover all behavior. Success and financial gain, in fact, are also the main motivations of legitimate behavior. On the contrary, if we focus on variables such as lack, deficiency, deficit (of opportunities, socialization, or resources), we end up excluding from de criminal rubric all those illegitimate practices caused by abundance, wealth and excess.” RUGGIERO, Vincenzo. Crime and markets: essays in anti-criminology. Nova Iorque: Oxford University Press, 2011, p. 6 e 7. Cite-se novamente a ‘causalidade dos contrários’ desenvolvida por Vicenzo Ruggiero e já aludida acima. [29] HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, I: racionalidad de la acción y racionalización social. 4ª ed. Tradução de Manuel Jiménez Redondo. Madri: Taurus, 2003, p. 155-169. [30] Anote-se que Karl Popper sustenta que essa seria uma deficiência das análises clínicas promovidas para testar as teorias freudianas e a adlerianas, porquanto, ao interpretar sonhos dos pacientes, o analista estimularia a própria produção de novos sonhos ou a adulteração do seu relato, a fim de confirmar as expectativas do psicanalista: “Há anos, apresentei a expressão efeito de Édipo para descrever a influência de uma teoria, de uma expectativa, ou de uma previsão sobre o acontecimento que por ela é previsto ou descrito. Lembrar-se-ão certamente de que a cadeia causal que conduziu ao parricídio de Édipo teve início na previsão desse acontecimento pelo oráculo. Esse é um tema característico e recorrente de tais mitos, mas que não parece ter atraído o interesse dos psicanalistas, e talvez não por acaso (O problema dos sonhos confirmativos sugeridos pelo psicanalista e discutido por Freud, p.ex., em Gesamelte Schriften, III, 1925, onde ele diz na pág. 314: Se alguém afirmar que a maioria dos sonhos que podem ser utilizados numa psicanálise ... tem origem na sugestão [do psicanalista], nenhuma objecção lhe pode ser colocada do ponto de vista da teoria analítica. Não há, porém, nada nesse facto – acrescenta ele, surpreendentemente – que diminua a fiabilidade das nossas conclusões.)” POPPER. Conjecturas e refutações, p. 61, em nota de rodapé. [31] THOMAS, William apud ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: ICC: Revan, 2008, p. 578. [32] POPPER, Karl. Op. cit., p. 29 e 145. Ver também POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. 3ª ed. Trad. Milton Amado. São Paulo: Edusp, 1987. Apenas cumpre ter o cuidado de notar que o próprio Karl Popper enfatizou que a ciência não teria o trabalho meramente analítico, como parecia conceber Wittgenstein; tanto assim que, refutando o conhecimento aforismo de que ‘sobre aquilo que não se pode dizer, é melhor calar-se’, sustentou que, ao contrário, é justamente quando faltam palavras que surgiriam as questões realmente dignas de serem perscrutadas. Mencione-se POPPER, Karl. Conjecturas e refutações, p. 103. Enfatiza que muitas teorias, que hoje talvez fossem ditas (pelo seu próprio critério) como pseudo-ciências, e, como tal, seriam deixadas de lado por um positivista extremado, são a base do atual conhecimento humano, até mesmo no âmbito do cálculo infinitesimal. [33] O que evidencia, em certa medida, o compromisso de Boaventura com a idéia de paradigma, tal como conceituado por KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. SP: Perspectiva, 2009, p. 221: “Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade [científica] partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma.” [34] SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências, p. 21 e ss. [35] GALILEI, Galileu. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano Tradução, introdução e notas de Pablo Rubén Mariconda. SP: FAPESP, 2001. [36] SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências, p. 29 e ss. [37] Para Durkheim, “é necessário reduzir os factos sociais às suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis.” SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre as ciências, p. 35. [38] MILL, John Stuart. Utilitarianism, on liberty, considerations on representative government. London: Everyman Paperback Classics, 2001. A 1ª edição pela Everyman Library foi divulgada em 1910. Em p. 07 consta “The creed which accepts as the foundation of morals, Utility, or the Greatest Happiness Principle, holds that actions are right in proportion as they tend to promote happiness, wrong as they tend to produce the reverse of happiness. By happiness is intended pleasure, and the absence of pain. By unhappiness is intended privation of pleasure. To give a clear view of the moral standard set up by the theory, much more requires to be said. In particular, what things it includes in the ideas of pain and pleasure; and to what extent this is left an open question. But these supplementary explanations do not affect the theory of life on which this theory of morality is grounded – namely, that pleasure, and freedom from pain, are the only things desirable as ends; and that all desirable things (which are as numerous in the utilitarian as in any other scheme) are desirable either for the pleasure inherent in themselves, or as means to the promotion of pleasure and the prevention of pain”. Confira-se também com SHAPIRO, Ian. The Moral Foundations of Democracy. New Haven: Yale University Press, 2003. [39] Para Thomas Kuhn, as ciências humanas seriam pré-paradigmáticas (conforme SANTOS, Boaventura. Um discurso, p. 17). Em interessante artigo, por sinal, Jesus de Paula Assis sustenta que, no âmbito das Ciências Sociais, não se pode esperar muito da obra de Thomas Kuhn, dada a diversidade de enfoques e de objetos de estudo. ASSIS, Jesus de Paula. Kuhn e as ciências sociais. Disponível na internet: < http://www.scielo.br/pdf/ea/v7n19/04.pdf.> acesso em 05/09/2011. [40] DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. 2ª reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 98. WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Trad. Agustin Wernet. São Paulo: Cortez Editora: Editora da Universidade de Campinas, 1992, p. 402-404. RINGER, Fritz. A metodolodia de Max Weber: unificação das ciências culturais e sociais. Trad. Gilson César Cardoso dos Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2004, p. 97-123. [41] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, p. 15-18. Daí o extremo relevo da obra de Hans-Georg Gadamer para as ciências sociais, na medida em que reabilita a verdade da arte, e atribui considerável peso para a compreensão dos signos, símbolos e alegorias. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 6ª ed. Tradução de Flávio Paulo Meurer. RJ: Vozes, 1997, p. 254 e ss. [42] ADORNO, Theodor W. Epistemología y ciencias sociales. Trad. Vicente Gómes. Madri: Ediciones Cátedra, 2001, p. 9 e 10. Traduzi. [43] Globalização, industrialização da pesquisa, formação de corpos profissionais, hierarquizados, proletarização dos investigadores etc. SANTOS, B.S. Um discurso sobre as ciências, p. 35. Daí que, em certa medida, sua concepção também é atingida pela ácida crítica formulada na obra SOKAL, Alan; BRICMONT, Jean. Imposturas intelectuais. 4ª ed. Trad. Max Altman. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, p. 59 e ss. Cumpre atentar para o fato de que, conquanto possuam razão em algumas das suas observações, Sokal e Bricmont recortam algumas as observações de filósofos pós-modernos ou psicanalistas, retirando-as do contexto (como facilmente se constata, por exemplo, com a crítica que lançam contra a metáfora em que Lacan utiliza números imaginários), o que não é aceitável. . [44] Essa concepção holística – ou melhor: a mútuo influência entre vários ramos de pesquisa científica – é ilustrada pela concepção de sistema, desenvolvida pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy e empregada em vários outros ramos do conhecimento, como a cibernética, informática e até mesmo nas ciências sociais (como se vê na obra de Niklas Luhmann); o mesmo podendo ser dito de conceitos como autopoiesis (biólogos Maturana e Varella), crossing/diferenciação (matemático G. Spencer-Brown) etc. [45] Imagine-se um gato, em uma caixa, com um material radioativo com probabilidade de 50% de emitir uma partícula atômica que, acaso liberada, ativará um veneno mortal. A caixa está fechada. Quem a vê, não tem como saber se o gato está vivo ou morto (probabilidade de 50% para cada alternativa). Para a física quântica, segundo Schrödinger, isso equivaleria a meio-vivo, meio-morto. Mas percebe-se facilmente que se trata de um problema que confunde a realidade com a percepção da realidade. [46] No que toca às partículas elementares, como elétrons, não haveria como precisar, ao mesmo tempo, a posição e a velocidade. A intervenção do investigador, para identificar a posição, e.g., alteraria a posição da partícula, e vice-versa. Também aqui, trata-se de uma questão epistemológica associada à precariedade do instrumental de pesquisa. [47] Essa também é a análise de Norbert Elias, quando sustenta que o reconhecimento do caráter funcional do conceito de sociedade – que define como um conjunto de relações humanas – “É mais um aspecto a partir do qual se podem facilmente derrubar as cercas artificiais que hoje erigimos no pensamento, dividindo os seres humanos em várias áreas de controle:. os campos, por exemplo, dos psicólogos, dos historiadores e dos sociólogos. As estruturas da psique humana, as estruturas da sociedade humana e as estruturas da história humana são indissociavelmente complementares, só podendo ser estudadas em conjunto. Elas não existem e se movem na realidade com o grau de isolamento presumido pelas pesquisas atuais. Formam, ao lado de outras estruturas, o objeto de uma única ciência humana.” ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Trad. Vera Ribeiro. RJ: Zahar, 1994, p. 38. [48] Daí a importância da obra de FOUCAULT, preocupado com a identificação das pudendo origo (origens vergonhosas) das instituições sociais, conforme se lê em DREYFUS, Hubert L. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. 2ª ed. Trad. Vera Portocarrero e Gilda Gomes Carneiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 143. [49] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 115. [50] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 116. [51] “The invisibility of the structure of social reality also creates a problem for the analyst. We cannot just describe how it seems to us form an internal phenomenological point of view, because money, property, marriages, lawyers, and bathtubs do not seem to have a complex structure. They just are what they are, or so it seems. Nor can we describe them form the external behaviorist point of view, because de description of the overt behavior of people dealing with money, property etc, misses de underlying structures that make the behavior possible. Nor, in turn, can we describe those structures as sets of unconscious computational rules, as is done by contemporary cognitive science and linguistics, because it is incoherent to postulate an unconscious following of rules that is inaccessible in principle to consciousness. And besides, computation is one of those observer-relative, functional phenomena we are seeking to explain.” SEARLE, John R. The construction of social reality. London: Penguin Books, 1995, p. 5. [52] DILTHEY apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 124. A isso corresponde a distinção weberiana entre a pretensa neutralidade axiológica do cientista (Wertfrei) – pelo qual o cientista deveria se esforçar para eliminar todas as pressuposições ideológicas que conformariam seu objeto de pesquisa – com a categoria da ‘relação com valores’ (Wertbeziung), pela qual a própria seleção do objeto de estudo já denotaria certa carga axiológica. Por outro lado, Weber reconhecia que a conduta humana apenas poderia ser compreendida mediante a atribuição de sentido (confronto com uma norma de conduta que fosse internalizada pelo agente). Por fim, cumpre não perder de vista a distinção entre ciências nomográficas e ideográficas, formulada por Windelband: “A antítese introduzida por Windelband entre o procedimento ideográfico e o procedimento nomotético se consubstancia sobre a contraposição do método. O primeiro se resolve em uma descrição de eventos simples (o que não significa irrepetíveis) que pode ser tal, inclusive, unicamente para os interesses e os meios do investigador; o segundo tende a formular proposições gerais ou leis.” Como sabido, Weber tentou conciliar esses dois aspectos, sustentando que sociologia estudaria tanto as singularidades sociais, quanto também as suas uniformidades. [53] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 136. Popper alegava que Adorno teria aplicado, no âmbito da sociologia, toda sorte de relativismo, sem indicar um critério para demarcar asserções verdadeiras. [54] Opinião de ADORNO, conforme síntese de CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 137. [55] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 137. [56] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 142. [57] CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 142. [58] HABERMAS apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 148, em nota de rodapé. Para Ceretti, p.ex., a obra de Quinney está impregnada de pressupostos habermasianos (Obra cit., p. 158). [59] HEIDEGGER, Martin apud CERETTI, Adolfo. Obra citada, p. 286-287, nota de rodapé. Na edição brasileira, confira-se HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schubak. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 213-215. Leia-se também RESWEBER, Jean-Paul. O pensamento de Martin Heidegger. Trad. João Agostinho A. Santos. Coimbra: Coimbra Editora, 1979, p. 111-118. [60] GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 6ª ed. Tradução de Flávio Paulo Meurer. RJ: Vozes, 1997, p. 341-396. Comments are closed.
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