“Como a Lógica ceifando a névoa da Ignorância, pensei, plenamente consciente da presença ilustre a meu lado. Ainda assim, meu estômago se revoltou ante aquela visão. Forcei-me a olhar, mas teria voltado as costas caso o dever não me obrigasse a examinar a prova com todo o cuidado que fosse capaz de reunir”. Como uma pessoa admiradora de obras de ficção histórica, não poderia deixar a curiosidade faminta ao relancear sobre a obra de Michael Gregorio, intitulada de “Crítica da Razão Criminosa”. De imediato, o título pareceu familiar em algum sentido e algumas páginas após, as dúvidas se suprimiram com o aparecimento do ilustre Immanuel Kant no enredo. De imediato, o pensamento fora de “temos um filósofo e temos uma série de crimes: - ok, esta leitura será sensacional”. A imposição da filosofia e dos pensamentos de Kant está fortemente empregada no livro. A história, enveredada a partir de uma série de crimes em que o então professor Immanuel Kant está obstinado a desvendar, colocam em prática seus métodos dedutivos e extremamente racionais. Contudo, o filósofo, numa premissa de confirmar suas deduções criminais, necessita da ajuda de um antigo aluno, o magistrado Hanno Stiffeniis, para que este siga a investigação, já que o intuito maior de Kant não é a elucidação dos crimes em si, mas o estudo da mente de um serial killer com a consequente publicação do que ele achava se tratar da sua real obra prima: a Crítica da Razão Criminosa, uma obra para confrontar sua obra de maior sucesso, a Crítica da Razão Pura. O ritmo eletrizante e a constante perseguição mórbida, ambientalizam o leitor na Prússia de 1804 com ricos detalhes, fazendo o leitor distinguir os problemas sociais e a tensão existente decorrente do início dos ataques napoleônicos. Em meio às necessidades sociais, os crimes determinam a desestabilização e o caos na sociedade, impondo a extrema insegurança e a desconfiança entre todos. A partir deste cenário, o magistrado se vê em uma situação complexa onde a solução dos crimes é o que move sua curiosidade – e sua natureza um tanto quanto mórbida-, ao passo que Hanno se vê em uma situação em que não sabe exatamente em quem ou no que confiar, colocando em xeque a sobriedade e os métodos utilizados por Kant no estudo criminológico, sem saber exatamente o que motiva o mestre na continuidade de sua obra. Como estudante constante da Ciência do Direito, tal leitura, embora agradável, provocou determinada inquietação ao verificar o papel do magistrado. Ele, que no decorrer do thriller se mostra não apenas o magistrado, mas o investigador, o inquisidor que se utiliza de diversos métodos de confissão, o acusador e por fim o julgador. Tais deliberações não passam despercebidas e por mais que seja o livro que irás ler no final de semana durante um descanso de doutrinas, a mente irreversivelmente se encontrará analisando pequenos conceitos quanto aos sistemas acusatórios e inquisitórios, estabelecendo ligações lógicas e ao final meditando nos “porquês” da utilização de um método em detrimento do outro. Por fim, quanto mais analisar determinados conceitos, mais chegará próximo a determinadas realidades que casualmente vemos na atual justiça que nos ronda. Para além do direito – que após tempos é difícil “achar” o botão liga/desliga- a leitura impregnada de filosofia, racionalidade e ceticismo é de extrema agradabilidade e leveza literária. Apesar de um thriller, a leitura se acha fácil e a curiosidade constantemente proposta pelo autor, faz a obra ser devorada em pouco tempo. Mesmo se tratando de uma obra de ficção histórica, romanceando pensamentos kantianos e misturando o mesmo com os crimes, levar em conta a filosofia e o direito é um bom marco para analisarmos situações atuais - ainda que mínimas- que podemos observar ao nosso redor. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Servidor Público Federal Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial Pós-graduando em Ciência Penais
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