DA ADVOCACIA ADMINISTRATIVA – CONCEITO E ENTENDIMENTO DO STJ ENTRE JANEIRO DE 2017 E ABRIL DE 20185/25/2018
No estudo deste mês, será abordado acerca da conceituação e hipóteses de incidência do disposto no artigo 321 do Código Penal, o qual, em suma, trata da “advocacia administrativa”. Em que pese não concorde - e não goste - da forma como tal prática delituosa é nominada, vez que, em uma análise superficial e leiga, pode levar a entendimentos equivocados, utilizarei do termo previsto no próprio Código Penal (advocacia administrativa), de modo a facilitar o tratamento da temática.
De toda feita, até para aplicação prática da temática, tal como se tem feito na presente coluna de Direto Penal Administrativo, será realizada uma abordagem diferenciada, onde, para embasamento do presente estudo, se fez um recorte junto ao Superior Tribunal de Justiça, onde foi pesquisado o termo “advocacia administrativa”, estabelecendo-se o marco temporal entre 2017 e o mês de abril de 2018. A partir da busca do termo “advocacia administrativa” verifica-se a localização de 10 acórdãos que trataram, em determinado momento, acerca de tal termo, porém, tal questão será objeto de melhor abordagem após a devida conceituação de “advocacia administrativa”. Acerca da temática, prevê o Código Penal: Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.[1] Vislumbra-se que a advocacia administrativa não encontra relevância apenas e tão somente no campo restrito do direito penal material, mas também, e especialmente, na área de estudo do direito administrativo, vez em sua legislação esparsa, acaba por regular o tema, tendo em vista que se trata de conduta em que o sujeito ativo é o funcionário público. Desta forma, de acordo com a Lei nº 8.137/90, consideram-se, também, como crimes praticados por funcionários públicos as condutas elencadas no artigo 3º, especialmente com relação ao tema aqui trazido, qual seja a advocacia administrativa, o disposto no inciso III do referido diploma legal prevê que: Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I): [...] III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.[2] Isso porque, se trata de lei especial, a qual disciplina e define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências, mas que se encontra intimamente ligada ao tema aqui analisado, porém sem excluir o já previsto na legislação geral. Ainda, a Lei nº 8666/93, que trata, em suma, de licitações e contratos com a Administração Pública, também traz consigo uma previsão de advocacia administrativa, conforme se pode observar: Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.[3] Veja-se que, independente da existência de lei específica sobre a “advocacia administrativa”, tem-se que o tema é de especial relevância nos estudos relacionados à seara do direito penal administrativo. Enfim, feitas tais considerações, cumpre passar à definição da prática de advocacia administrativa, a qual, segundo os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt, pode ser assim compreendida:
A partir da análise doutrinária, pode-se verificar que a conduta praticada pelo agente, apta a configurar o crime de advocacia administrativa, não consiste em uma atividade de “advogado”, tal como o termo “advocacia administrativa” em um primeiro momento sugere, mas sim em um ato de funcionário público que “advoga”, ou seja, patrocina, pleiteia em favor de outrem, valendo-se de sua condição – de funcionário público – em interesse de terceiro particular. Um exemplo simples de tal prática seria configurado pelo funcionário público que, ao laborar em determinado setor de análise de defesas/requerimentos administrativos, patrocina interesse de particular, formulando pedido em favor deste, ou seja, acaba por apadrinhar o interesse alheio, independentemente se o pleito seria legítimo ou ilegítimo (o que levaria a aplicação do parágrafo único do artigo 321 do Código Penal). Veja que o verbo nuclear do tipo penal corresponde à palavra “patrocinar” que, no sentido posto pelo legislador, poderia ser considerada sinônimo da palavra “advogar”. Assim, até pela própria visualização da leitura do preceito legal, somada à doutrina supra, tem-se que tal tipo penal corresponde a um crime próprio, pois somente pode ser cometido por funcionário público. Ademais, via de regra, exige um ato comissivo – uma ação - do funcionário público para sua consumação (vale indicar que, excepcionalmente pode ocorrer a partir de um ato omissivo, decorrente da eventual inércia do funcionário público em evitar determinado resultado, quando assim o deveria). Outrossim, a configuração do crime pode se dar, conforme leitura da letra da lei, quando o interesse particular “patrocinado” e/ou “defendido” pelo funcionário público é legítimo (como já visto), bem como quando se trata de interesse ilícito, sendo que, em havendo tal constatação, aplicar-se-á o disposto no parágrafo único do artigo 321 do CP. Assim, resta de fácil visualização a conceituação de tal prática delituosa, cumprindo, conforme já adiantado preambularmente, analisar, ainda que em um recorte superficial, a forma de abordagem de tal tipo penal junto ao Superior Tribunal de Justiça entre os anos de 2017 e 2018 (considerado até o mês de abril de 2018). Para tanto, restou utilizado o termo “advocacia administrativa” no sistema de buscas do tribunal. A partir de tal busca, restaram localizados 10 acórdãos que tratam da temática, cumprindo mencioná-los, em que pese nem todos venham a ser objeto de análise neste estudo, são eles: HC 422.719/SP, HC 412.555/PR, RHC 83.938/RJ, HC 376.927/ES, RHC 82.377/MA, REsp 1658270/MG, RHC 78.885/RJ, RHC 34.119/ES, RHC 78.905/RJ e AgInt no REsp 1432342/SP. Veja que a grande maioria dos julgados – 08 ao todo – remontam a Habeas Corpus, onde não se tem uma discussão relativa ao mérito, pelo que, tais situações restaram desconsideradas de análise, restando apenas 02 julgados para visualização e discussão no presente estudo. Em análise de tais julgados - REsp 1658270/MG e AgInt no REsp 1432342/SP, verifica-se que o AgInt no REsp 1432342/SP acaba por ser compreendido pelo desprovimento do recurso em detrimento da necessidade de reanálise probatória, pelo que incidiria a súmula nº 07 do STJ, fazendo com que não houvesse uma análise específica a respeito de tal tipo penal, pelo que, a decisão de tal recurso, acaba por não garantir subsídio para maiores discussões, restando apenas um julgado com o termo “advocacia administrativa”. Em análise do julgado restante, qual seja, REsp 1658270/MG, verifica-se que, a bem da verdade, trata-se de decisão relacionada a suposta prática de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal), sendo que o acusado de tal crime teria acusado determinado funcionário público de prática de advocacia administrativa, gerando a abertura de sindicância, a qual restou arquivado. A partir disso, tem-se que, no recorte proposto, não houve decisão específica do STJ com relação à temática “advocacia administrativa” entre janeiro de 2017 e abril de 2018, pelo que, entende-se que, em que pese se trate de questão relevante para o mundo jurídico, não existem tantas demandas quanto os relacionados a outras práticas delitivas, inclusive aquelas envoltas a seara do direito penal administrativo. Ademais, a inexistência de análise especificada de tal matéria nos Tribunais Superiores também deve decorrer da possibilidade de transação penal, porém, a presente pesquisa acaba sendo conclusiva, vez que gera conhecimento acerca de quantas vezes, em período aproximado de 1 ano, que o Superior Tribnal de Justiça brasileiro abordou tal temática. De toda feita, para concluir o presente estudo, e até para se permitir a análise de um exemplo prático de ocorrência – ou não – de crime de advocacia administrativa – aborda-se o a situação ensejadora do crime de denunciação caluniosa analisada pelo STJ, acima indicado, onde, em sua base, remonta a situação que versava sobre advocacia administrativa. Em análise do caso (autos n.º 0065114-58.2012.8.13.0637, proveniente da Comarca de São Lourenço – Minas Gerais), verifica-se que a situação originou-se de um processo de família, sendo que, um juiz substituto, em período de férias do juiz titular, sentenciou em determinado processo. Uma das partes do processo, estranhando a “celeridade” empregada (tal questão restou constatada, conforme previsto em sentença, através do interrogatório do acusado), acabou por requerer a abertura de sindicância junto a Corregedoria Geral de Justiça contra o magistrado, argumentando o exercício de advocacia administrativa, acusando a suposta existência de amizade do magistrado com o advogado da outra parte do processo, o que teria ensejado que o magistrado chamasse o processo à conclusão para decidir no período de férias do juiz titular. Veja que, independentemente do acerto ou desacerto de quaisquer das decisões, bem como das razões envoltas ao caso, tem-se, a partir da suposta acusação intentada pelo posterior acusado de denunciação caluniosa, uma clara situação que, se constatada de maneira efetiva, poderia configurar um ato de advocacia administrativa, vez que, se realmente o magistrado, por ato de amizade, acelera determinado julgamento – em detrimento de outros casos que eventualmente deveriam ser julgados antes – por um critério de favor, “jeitinho”, a quaisquer das partes, comete ato de advocacia administrativa. Da mesma forma agiria, caso, utilizando de seu cargo, buscasse agilidade com outro magistrado. Enfim, verifica-se que a configuração de tal prática delituosa impende uma análise especificada do caso em concreto, com o maior cuidado possível, vez que, tanto uma eventual acusação, como a própria defesa, restam dificultadas ante a subjetividade que envolve à temática, sem contar que, embora prevista em lei, sabe-se que a prática de “advocacia administrativa” ocorrem diuturnamente. De todo modo, eventual prática diuturna não permite uma acusação sem o mínimo embasamento em provas concretas, bem como de uma análise pormenorizada do ocorrido. Guilherme Zorzi Rosa Advogado Especialista em Direito Empresarial Jessica Lana Pohl Advogada Especialista em Direito Processual Civil REFERÊNCIAS: - AgInt no REsp 1432342/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 06/04/2017 - BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição. Saraiva, 8/2015. [Minha Biblioteca]. E-book. - Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 24.mai.2018. - Lei n.º 8.137/90. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8137.htm - Acesso em 24.mai.2018. - Lei n.º 8.666/93. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8666cons.htm- Acesso em 24.mai.2018. - HC 422.719/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 25/04/2018 - HC 412.555/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017 - RHC 83.938/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 22/11/2017 - HC 376.927/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 25/10/2017 - RHC 82.377/MA, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 18/10/2017 - REsp 1658270/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 09/10/2017 - RHC 78.885/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017 - RHC 34.119/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 24/05/2017 - RHC 78.905/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/04/2017, DJe 26/04/2017 [1]Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 24.mai.2018. [2]Lei n.º 8.137/90. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8137.htm - Acesso em 24.mai.2018. [3]Lei n.º 8.666/93. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8666cons.htm - Acesso em 24.mai.2018. [4]BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição. Saraiva, 8/2015. [Minha Biblioteca]. E-book. p. 1412. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |