Vamos labutando no direito criminal, e sob um olhar crítico, perguntamo-nos qual o motivo de determinados comportamentos em sala de audiência, sem se questionar porque é feito daquela forma.
A cada dia, a dogmática processual penal vem sendo desprezada, não há análise da vigência e validade de determinados artigos, e não é feito um crivo constitucional e convencional para aplicação dos artigos ao caso concreto. No dia-a-dia forense, preocupa-se, única e exclusivamente, por motivo pessoal, em usar a lei pura e seca para justificar determinadas incompetências ou esconder a falta de preparo por parte de alguns operadores (juízes, promotores de justiça/procuradores da república, advogados, defensores públicos, servidores e etc.). Aprendemos, desde o início, no curso de Direito, sobre princípios, principalmente aqueles insculpidos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil (CF). O que vamos analisar é o mais conhecido e, contrário senso, o mais desrespeitado princípio, nos dias de hoje: o “contraditório e ampla defesa”[1], presente no artigo 5º, inciso LV, da CF. Nosso objeto de estudo é, portanto, o princípio do contraditório. Para isto, não podemos nos furtar de verificar o que descreve a doutrina italiana, corporificada no magistério de Elio Fazzalari e Nicola Picardo, em que afirmam que:
Em relação à ampla defesa, vejamos o que traz o artigo XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos[2]e o artigo 8º. 2. d, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos[3]. O que se extrai desses mandamentos é que o princípio da ampla defesa compreende a autodefesa e a defesa técnica. Esta é exercida por profissional habilitado/técnico, enquanto aquela é o direito de o acusado se defender diretamente. No ordenamento jurídico pátrio brasileiro, entende-se esse subprincípio como o direito de audiência e o direito de se fazer presente nos atos processuais. Enfatizamos, entretanto, que é o direito de estar presente em todo o processo, não podendo ser restringido. Caso haja essa limitação, estamos diante de uma nulidade absoluta. A Constituição traz o princípio da ampla defesa como um direito fundamental, cláusula pétrea. Não cabe outra interpretação. Caso a formalidade processual não seja cumprida, não há necessidade de se comprovar prejuízo. Tem-se que encerrar o discurso no processo penal de que, na grande maioria das vezes, temos nulidades relativas quando se trata de decidir em favor da defesa, principalmente. Com isto, temos que fazer uma leitura constitucional e convencional do artigo 217 do Código de Processo Penal (CPP). Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferênciae, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Pergunta-se: por que retirar o réu? Como fica então o mandamento constitucional e convencional sobre o principio do contraditório e da ampla defesa? Quando o acusado é retirado da sala de audiência tem-se uma nulidade absoluta? Respondendo a todas essas indagações entendemos que existe uma afronta a ditames constitucionais e convencionais, pois temos uma lei vigente, mas não válida. Caso o procedimento não seja cumprido a rigor, temos uma nulidade absoluta, quiçá, uma prova ilícita. A partir do momento que o Estado não tem o aparato suficiente, como, por exemplo, o sistema de videoconferência, para realização das oitivas das testemunhas, não pode o acusado ser tolhido do direito de estar presente em todos os atos processuais. Mas alguns podem levantar a seguinte bandeira: o defensor está presente! Mas o direito de estar em audiência e em todos os atos é do acusado. Como forma de análise comparativa, o Código de Processo Penal de Portugal traz, em seu artigo 132[4], os direitos e deveres da testemunha, e não aponta, em nenhum momento, a saída do arguido (réu), caso a testemunha se sinta constrangida em depor. Doutrina Paulo Pinto de Albuquerque[5], juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sobre o dever de depor de cara totalmente descoberta. Para ele, é dever da testemunha depor de cara totalmente descoberta, não sendo possível, inclusive, avocar motivos religiosos para tal esquiva, com exceção dos casos de necessidade médica. Afirma que, caso isto não aconteça, atinge de forma grave o juízo do julgador sobre a espontaneidade e veracidade dos seus depoimentos. Desta forma, o direito ao contraditório e à ampla defesa é um direito humano, e nem o magistrado pode estripar este direito, pois a partir do momento que se tem a determinação da retirada do réu da sala de audiência, ocorre a perda de um direito fundamental. Jorge Miranda nos ensina que “por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material”. Assim, entendemos que a retirada do acusado da sala de audiência, tendo como pressuposto o constrangimento da testemunha ou qualquer outro motivo relacionado a ela, fere de morte o principio do contraditório, cristalizado como direito fundamental, cláusula pétrea. A referida conduta vai de encontro a um direito humano, não podendo ser eliminado da esfera dos direitos do cidadão. A prova colhida neste contexto deve ser declarada ilícita, e deve ser declarada a nulidade absoluta, ao invés da relativa, pelo não cumprimento das normas estabelecidas. Processo penal constitucional respeitado é processo justo. Convido-os para termos uma visão mais dogmática dentro do processo penal, no contexto atual. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RRConselheiro Estadual da Associação Brasileira dos Advogados Criminais em Roraima (ABRACRIM/RR) Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS) Referências 1. ALBUQUERQUE, Paulo Sérgio Pinto de. Comentários do Código de Processo Penal : à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. – 4ª. ed. – Lisboa : Universidade Católica Editora, 2011. 2. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Brasília, DF, out 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 jun. 2018. 3. BRASIL.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Brasília, DF, Out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 jun. 2018 4. Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 20 jun. 2018 5. Coordenadores Eduardo Arruda Alvim, George Salomão Leite e Lenio Streck. Curso de Direito Constitucional. 1. ed. – Florianópolis : Tirant lo Blanch, 2018. 6. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018 7. MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017. [1] Artigo 5º, inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. [2]Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em quetodas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. (grifo nosso) [3]direito do acusado de defender-se pessoalmenteou de ser assistido por um defensorde sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor (grifo nosso) 1 - Salvo quando a lei dispuser de forma diferente, incumbem à testemunha os deveres de: a) Se apresentar, no tempo e no lugar devidos, à autoridade por quem tiver sido legitimamente convocada ou notificada, mantendo-se à sua disposição até ser por ela desobrigada; b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária; c) Obedecer às indicações que legitimamente lhe forem dadas quanto à forma de prestar depoimento; d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas. 2 - A testemunha não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que das respostas resulta a sua responsabilização penal. 3 - Para o efeito de ser notificada, a testemunha pode indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha. 4 - Sempre que deva prestar depoimento, ainda que no decurso de acto vedado ao público, a testemunha pode fazer-se acompanhar de advogado, que a informa, quando entender necessário, dos direitos que lhe assistem, sem intervir na inquirição. 5 - Não pode acompanhar testemunha, nos termos do número anterior, o advogado que seja defensor de arguido no processo. [5]ALBUQUERQUE, Paulo Sérgio Pinto de. Comentários do Código de Processo Penal : à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. – 4ª. ed. – Lisboa : Universidade Católica Editora, 2011. p. 368. Comments are closed.
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