Que o modelo penitenciário brasileiro ainda vigente é ineficiente, não temos dúvidas. As estratégias com as quais contamos não oferecem efetivas formas de recuperação ou contribuem para que a criminalidade diminua. Historicamente, o sistema penitenciário no Brasil é baseado em um padrão de exclusão social (NASCIMENTO, 2017), indo contra o intuito original de ressocialização. Entretanto, com o passar do tempo, outras medidas foram sendo desenvolvidas, e já é possível pensar em ideias diferenciadas que auxiliariam tanto na questão de punição quanto de reeducação, criando opções alternativas às conhecidas até então.
De acordo com Souza (2014), foi a partir do ano de 1984 que a política criminal brasileira se desenvolveu em pelo menos sete direções diferentes, contando com a elaboração de leis mais punitivas, incrementação de penas já existentes e redução de garantias processuais dos acusados. Além disso, foram criadas também algumas alternativas ao cárcere e ao processo penal tradicional, assim como novos arranjos institucionais das organizações de repressão penal e segurança pública, tanto de caráter reativo quanto adaptativo (SOUZA, 2104). De fato, foi a partir do século XIX que prisões com celas individuais começaram a aparecer, juntamente com projetos de oficinas de trabalho e uma arquitetura diferenciada, própria para a pena de prisão (NASCIMENTO, 2017). Dessa forma, vemos uma reestruturação física e burocrática que, consequentemente, traz mudanças de visões e comportamentos. Se antes as prisões eram tidas como um local provisório de guarda até o momento do julgamento, agora encontram-se convertidas na principal medida coercitiva, acreditando que a privação da liberdade seria uma maneira mais adequada de reforma e ressocialização de um indivíduo (NASCIMENTO, 2017). Com este tipo de modelo, vemos um caminho sendo criado na direção da recuperação; mas, ao trabalhar com pessoas, devemos sempre ter em mente que nada é tão simples quanto está num papel. Com o aumento da demanda de intervenção jurídica, culminando na judicialização de casos antes não comuns nesta área, o sistema mostra-se incapaz de fornecer auxílio e resolução de maneira satisfatória, em decorrência tanto da morosidade quanto dos custos, levando ainda em consideração a inadequação do tratamento dispensado a tais demandas sociais emergentes (AZEVEDO, PALLAMOLLA, 2014). Juntamente com a percepção da real situação instalada desde então, essa afirmativa demonstra que tais mudanças não foram tão promissoras assim e o efeito social apresentado não era o aguardado, visto que cada vez mais temos pessoas encarceradas e reincidentes. Diante de uma verdadeira “falência” de processo, é evidente que se faz necessário um pensamento diferente, pois novas demandas ocorrem periodicamente, precisando de novas formas de tratamento. Em um contexto em que a grande parte dos conflitos sociais de ordem criminal sequer chega ao sistema de justiça, o que aumenta o sentimento de impunidade e insegurança, também pelo fato de que não dá a devida atenção à vítima e não há como garantir a prevenção de novos casos, vemos sentido na implementação de um novo modelo de administração de conflitos (AZEVEDO, PALLAMOLLA, 2014). Assim, sendo notório que as penas restritivas de liberdade não resultam em efeitos positivos sobre o apenado (NASCIMENTO, 2017), é importante considerar possibilidades que, mesmo “antigas”, muitas vezes ainda não são lembradas. A Lei 9.714/98 discorre sobre as penas alternativas à reclusão, que também são consideradas punitivas, mas que tem um caráter educativo e ressocializador, nas quais o indivíduo não é excluído da sociedade ou do convívio de seus familiares (NASCIMENTO, 2017). Nisso, vemos um avanço no pensamento da tratativa de questões que refletem socialmente, deixando de lado aquela inadequada ideia de simplesmente “varrer a sujeira para de baixo do tapete” (ou para dentro das prisões) e realmente tentar estipular uma prática de recuperação dos danos causados, com o intuito de sensibilizar e evitar a reincidência. Souza (2014) afirma que a implementação e expansão de alternativas penais é transpassada por vários discursos, dentre eles o que objetiva os sujeitos criminalizados e os setoriza como “perigosos” e “sem periculosidade”, sendo que as alternativas ao cárcere seriam aplicadas a estes últimos, pois não demandariam “tratamento penal”, que é como tais alternativas são vistas pela sociedade. Na realidade, não se tratam de alternativas à pena, mas sim a outras possibilidades além da já conhecida restrição de liberdade. Pela lei citada anteriormente, podemos identificar as seguintes opções: prestação pecuniária, prestação de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana; assim, tende-se a promover uma aplicação maior, visando a eficácia das penas alternativas (NASCIMENTO, 2017). Com isso, evidencia-se também a necessidade de um trabalho que acompanhe a evolução e o real efeito dessas “novas” formas de penas. Souza (2014) descreve que o entrelaçamento dos discursos em relação ao tema ajuda também a compreender a emergência da existência de um meio como o monitoramento psicossocial, tendo como objetivo a atuação de técnicos especialistas de comportamento, para o acompanhamento do desenvolvimento do indivíduo condenado. Dessa forma, deve-se identificar o ambiente em que ele está inserido, no que tange à interação entre ambos, visando o cumprimento da pena tanto quanto o melhoramento social, considerando aspectos individuais e coletivos. Apesar do aparente aumento da criminalidade, não será possível desenfreá-lo continuando com o modelo mais comum atualmente, visto que não cumpre com o objetivo primordial de ressocialização. Entretanto, ao pensar de maneira diferente, ampliando as formas de atuação, vemos que muito ainda pode ser feito. Ainda existem alternativas para o sistema prisional brasileiro, e muitas delas já são previstas em lei (NASCIMENTO, 2017), bastando um real e sério investimento no acompanhamento do processo, garantindo que sua eficácia se torne cada vez mais notável. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS NASCIMENTO, Joice R. Falência do sistema prisional no Brasil.2017. Disponível em: <http://repositorio.pgsskroton.com.br/bitstream/123456789/19532/1/JOICE%20RODRIGUES%20DO%20NASCIMENTO.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2018. SOUZA, Guilherme A. D. “Punir menos, punir melhor”: discursos sobre crime e punição na produção de alternativas à prisão no Brasil. Dissertação (Mestrado): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Porto Alegre, 2014. Disponível em: <http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/6879/1/000462231-Texto%2bParcial-0.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2018. AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Alternativas de resolução de conflitos e justiça restaurativa no Brasil. Revista USP, Brasil, n. 101, 2014. Disponível em: <http://www.periodicos.usp.br/revusp/article/view/87825/90746>. Acesso em: 01 jul. 2018. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |