A dificuldade de decidir é evidente. Em todas as esferas da vida humana, a decisão é, muitas vezes, complexa e desconfortante. Isso porque, a atividade cerebral provocada quando deparar-se em posição de escolha, decisão, julgamento, é árdua e minuciosa, principalmente àquelas não incorporadas pelo nosso “modo automático”.
O cérebro é dividido em Sistemas Cerebrais, didaticamente apelidados de Sistema 1 e 2, consistentes em um “conjunto de princípios e regras que se ordenam de modo articulado, interligado e que interagem, via sujeitos, para formação de um todo complexo”[1] que resulta em operações, procedimentos e método próprio de atuação e influência da e na vida humana, e, por conseguinte, no processo de tomada de decisão e na decisão em si. Respectivamente, o primeiro Sistema trata-se de operações automáticas e rápidas com pouco ou nenhum esforço, nenhuma percepção de controle voluntário[2], enquanto as atividades e mecanismos operacionais do segundo Sistema, caracterizam-se por “serem analíticos, deliberativos, amparados em regras normativas, bem como por exigirem alocação de atenção – a ponto de serem interrompidos se houver desvio de atenção”[3] e nesse sentido, “é o único que pode seguir regras, comparar objetos com base em diversos atributos e fazer escolhas deliberadas a partir de opções”[4]. Em âmbito jurídico, perpassa-se pela mesma dificuldade e complexidade, ou até mais, frente a própria atividade de decidir aliada ao conhecimento técnico e as mais diversas variáveis com potencial poder de manter ou modificar os resultados finais[5]. No entanto, apresento o ponto que confere à obra “Vieses da Justiça” de Paola Biachi e Alexandre Morais da Rosa, o seu brilhantismo: as decisões judiciais também podem entrar para o “piloto automático” do magistrado, ou seja, ser tomada sob o domínio do Sistema 1, mesmo que sem saber, sem querer ou sem querer saber. E somente sabendo da ocorrência disso, a defesa pode trabalhar de duas formas: mantendo, propositalmente, a atuação do Sistema 1 (estratégia positiva), ou seja, tornando o julgamento da ação, baseado na tese defensiva, mais confortável do que a condenação acusatória ou dificultando a atuação do Sistema 1 e “acordando” o Sistema 2 (estratégia negativa). Assim como andar de bicicleta, dirigir, ler, calcular, andar, são tarefas que ao executá-las pela primeira vez, e durante o processo de aprendizagem, demandaram um grande esforço cerebral, com alto consumo de energia, pois comandadas pelo segundo Sistema. De modo que quando o processo de aprendizagem foi concluído (aprendizagem e não aprimoramento), essas e várias outras atividades tornam-se, via de regra, fáceis de serem realizadas, passando a demandar do cérebro humano pouca energia, pouco esforço. Quase não se sente mais trabalho cognitivo, ou seja, tornaram-se (quase) automáticas. O ato de decidir judicialmente, portanto, quando reiterado, através da utilização das heurísticas, atalhos cognitivos que possibilitam a tomada de decisão sem ter que levar em consideração toda a informação relevante, confiando, então, em um limitado conjunto de sugestões que ajudam a decidir, resulta em vieses (erros) previsíveis e sistemáticos, os quais levam a decisões sub-optimizadas[6]. Notável o perigo involuntário e biológico que se materializa para todo o ordenamento jurídico penal, visto que, criando padrões e buscando conforto cognitivo, questões relevantes ao caso concreto podem não ser apreciadas como deveriam, por inconscientemente, estar se tratando de forma igual o que nunca será igual, e por consequência, julgando ações penais diferentes (podendo ter os mesmos tipos penais em análise – pois evidente que não é isso que as diferenciam) de maneira igual. Após o Sistema 1 adotar um atalho cognitivo e, assim, “mitigar o esforço mental necessário para a solução de um problema complexo, o Sistema 2 possui a aptidão de rejeitar ou modificar a resposta alcançada, mas, muitas vezes, acaba por endossá-la, o que resulta em visões distorcidas da realidade”[7]. Vários são estes atalhos e erros sistemáticos que podem influenciar e condicionar decisões. Os principais abarcados pela obra em questão são: Heurísticas da Disponibilidade, da Referência ou Ancoragem, Afeto, Correlação Ilusória e Vieses Confirmatório, Retrospectivo e Egocêntrico. Afinal, como utilizá-los a favor da defesa? Como saber se a estratégia de jogo deve ser positiva ou negativa? Os conceitos dos atalhos e erros citados acima, o modo como a defesa pode articular e jogar eles a seu favor, acompanhados de exemplos serão trazidos nas próximas duas colunas: a primeira falará sobre as heurísticas e a segunda englobará os vieses. Assim, este artigo teve como propósito, apresentar a majestosa obra “Vieses da Justiça”, bem como recomendar de maneira incisiva sua leitura, pois não apenas apresenta a parte teórica, trazida da neurociência e da psicologia, como mostra maneiras de o julgador policiar-se e desvencilhar-se destes caminhos cognitivos, em prol de um processo penal mais consciente, democrático, legítimo. E portanto, os artigos em sequência, com esse mesmo toque prático, vêm, de modo a demonstrar como estes atalhos cognitivos poderão tornar-se estratégias defensivas. Mais do que conhecer quem irá julgar a causa, utilizar sua linguagem, seu marco teórico, é preciso entender como todo julgador toma sua decisão, identificar qual heurística ou viés poderá ser, sutilmente e silenciosamente, afastado ou mantido, irá diferenciar um jogador de outro: aquele que joga daquele que defende. A opção é sua. Andressa Tomazini Pós Graduanda em Direito Penal e Processo Penal Aplicado Pós Graduanda em Direito Tributário pela Escola Brasileira de Direito Conselheira Científica das Revistas: Artigos Jurídicos e Direito em Debate e Direito, Cultura e Processo. Referência Bibliográfica KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 29. WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 33-34. ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016. PEER, Eyal; GAMLIEL, Eyal. Heuristics and Biases in Judicial Decisions. Court Review. Vol. 49, issue 2. Disponível em: <http://aja.ncsc.dni.us/publications/courtrv/cr49-2/CR49-2Peer.pdf>. Acesso em: dez. 2017, p 117. Traduzido em: WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. [1] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 36. [1] KANT, Emmanuel. Crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. [2] KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 29. [3] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 33-34. [4] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 34. [5] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016. [6] PEER, Eyal; GAMLIEL, Eyal. Heuristics and Biases in Judicial Decisions. Court Review. Vol. 49, issue 2. Disponível em: <http://aja.ncsc.dni.us/publications/courtrv/cr49-2/CR49-2Peer.pdf>. Acesso em: dez. 2017, p 117. Traduzido em: WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. [7] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 36. Comments are closed.
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