Dando continuidade as reflexões do artigo anterior, primeiro da tríade, o qual perpassou pela construção da existência possível de decisões serem feitas em “modo automático” (ver aqui), neste, falar-se-á sobre o uso das heurísticas ou atalhos cognitivos em prol da tese defensiva, ou seja, como utilizá-las como instrumentos estratégicos dentro do jogo processual, a fim de alcançar maiores ou melhores recompensas.
Como dito anteriormente, analisar o processo penal conforme Teoria dos Jogos[1], não mais como procedimento, mas sim como uma partida, com jogadores, regras, estratégias e recompensas, coloca este operador-jogador um passo a frente, visto que mede sua atuação e calcula seus passos diante das diversas variáveis que sabe se fazerem presentes e que podem mudar, determinar ou manter o resultado final. Ainda, conhecer o árbitro dessa partida, o que ele gosta, sua linguagem, história, trajetória, autores preferidos, aumentam as chances de êxito, bem como saber utilizar as heurísticas a seu favor, tanto de maneira positiva (mantendo a atuação do Sistema 1) ou negativa (dificultando a atuação do Sistema 1), permite e possibilita um manejo mais preciso do processo decisório. Antes de dar início a apresentação das heurísticas e sugerir como podem ser usadas a favor das teses que serão levantadas pela defesa, vale ressaltar que todas elas são passíveis de serem manejadas favoravelmente ao polo defensivo, tanto positiva quanto negativamente. Assim, o que quer se dizer é que só a observação atenta do caso concreto, aliada a análise do comportamento, postura, tendências, padrões e manifestações cognitivas feitas pelo magistrado, é que irá se conseguir saber como deve se proceder o manejo de um ou mais atalhos mentais, visto que uns estarão presentes ou mais presentes do que outros, serão mais adequados e coerentes de serem trabalhados. E classificada como estratégia, devem ser manuseadas e inseridas de maneira silenciosa e secreta, pois não se conta como se joga, ou como se ganha, apenas se joga e apenas se ganha. Começando com a Heurística da Disponibilidade que consiste no “processo de julgar a frequência de um evento ou de uma categoria segundo ‘facilidade com que as ocorrências vêm à mente’”[2]. Em outras palavras, “quanto mais fácil conseguimos imaginar um evento ou uma situação, e quanto mais essa ocorrência nos impressiona emocionalmente, maior a probabilidade de pensarmos nisso como algo objetivamente frequente”[3]. Aqui, portanto, a sugestão fica para a utilização de maneira positiva de tal heurística, ou seja, manter a incidência de tal atalho. A manipulação será no fato que se quer que seja lembrado mais facilmente pelo magistrado. Para isso, investigar e trazer aos autos acontecimentos relacionados com ou que fazem alusão as experiências pessoais do julgador, bem como fotografias, imagens e exemplos conectados ao caso concreto terão uma maior facilidade de acesso pelo cérebro depois. Já a Heurística da Referência ou da Ancoragem diz respeito a “tendência das pessoas a se fiar a um valor particular – o primeiro disponível a elas – para estimar uma quantidade desconhecida, ajustando a partir desse valor. Em outras palavras, esse valor particular funciona como uma âncora – um padrão de referência”[4]. A tendência, logo, é que sejam formadas âncoras em pensamentos, posicionamentos e opiniões originais, primárias, levando o julgador a dar mais peso a informação que é compatível a tal ancoragem cognitiva, visto que demanda menor esforço cognitivo. No caso deste atalho, atuar de maneira negativa, afastando ou dificultando a sua manifestação é uma boa estratégia. No entanto, deve-se fazer sob a linguagem, marco teórico, limites do próprio juiz, a fim de mostrar sob a visão e referencial dele o porquê ele deve filiar-se a outras âncoras, posicionamentos. A Heurística Afetiva reconhece o “protagonismo das emoções no processo de tomada de decisões. Essa heurística manifesta-se quando o julgamento e a decisão são guiados por sentimentos positivos ou negativos associados à representação de objetos e eventos”[5]. Este é o atalho mais relativo dos apresentados aqui, pois, manter ou afastar a sua interferência irá depender de quais sentimentos estão sendo manifestados e se de forma positiva ou não para a defesa. Desta forma, primeiro observa-se se o sentimento é positivo ou não, e então respectivamente, age-se de modo a manter ou afastar este caminho alternativo cerebral. Por último, a Heurística da Correlação Ilusória diz respeito a “tendência de considerarmos que dois eventos são relacionados, a despeito da inexistência de qualquer evidência factual nesse sentido”[6]. Uma vez feita uma correlação positiva, a tendência é a confirmação dessa tal relação, valorando provas que confirmem esta correlação em detrimento daquelas que a negam. Assim, pode-se atuar positivamente, no sentido de, assim como na Heurística da Disponibilidade, manipular quais fatos devem ser relacionados com outros, de maneira lógica, confortável ao cérebro, para que a partir disso, diminua-se o esforço cognitivo empregado, induzindo, assim, a busca de um conjunto probatório confirmatório. Até aqui, espero que o leitor tenha se convencido das vantagens de conhecer a mente humana. No terceiro e último desta tríade, falar-se-á, desta mesma forma, acerca dos vieses da cognição. Até lá. Andressa Tomazini Pós Graduanda em Direito Penal e Processo Penal Aplicado pela Escola Brasileira de Direito Pesquisadora Científica Conselheira Científica das Revistas: Artigos Jurídicos e Direito em Debate e Direito, Cultura e Processo [1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016. [2] KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 165-185. [3] PIATELLI-PALMARINI, Massimo. Inevitable Illusions: How Mistakes of Reason Rule Our Minds. New Yor: John Wiley & Sons, 1994, p. 128. Traduzido em: WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 37. [4] WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 39-40. [5] SLOVIC, Paul. Et al. The Affect Heuristic. In: GILOVICH, Thomas; GRIFFIN, Dale; KAHNEMAN, Daniel (Eds). Heuristics and Biases: The Psychology of Intuitive Judgment. 14. Ed. New York: Cambridge University Press, 2013, pp. 397-420 apud WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 42. [6] CHAPMAN, Loren J. Illusory correlation in observational report. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, vol. 6, n. 1, feb. 1967, p. 151-155. apud WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017. p. 43. Comments are closed.
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