PODE O JUIZ, NA SENTENÇA, SE NEGAR A APLICAR O PRÊMIO PREVISTO NO ACORDO DE COLABORAÇÃO QUE JÁ FOI HOMOLOGADO?
Tema de alta indagação jurídica é o famigerado instituto da colaboração premiada, ainda mais em tempos hodiernos de grandes operações policias com grande repercussão nacional. A lei 12850/2013 que regula o instituto da colaboração premiada é lacunosa, deixando de regular diversas situações jurídicas que podem ocorrer na práxis forense, portanto, diante da ausência de previsão legal para as mais variegadas controvérsias, a solução de relevantes questões são relegadas à interpretação dos termos do acordo pelo juízo e pelas partes, a partir dos princípios gerais do direito e analogia. Mas e quando nos deparamos com um caso em que, na sentença, o Juiz se nega a aplicar os termos do acordo de colaboração premiada celebrado entre o Ministério Público e o Colaborador que já foi homologado por decisão passada em julgado, sob a perspectiva de que caberia ao julgador apenas conceder e dimensionar o benefício, partindo da premissa de que o acordo colaborativo não vincula o Juiz, mas sim as partes às propostas acertadas, avocando o Magistrado para si o controle judicial dos termos do acordo em momento posterior ao da homologação? Como resolver tal querela quando a legislação de regência não prevê a saída jurídica para a sua solução? Imaginemos a seguinte hipótese: O cidadão “A” celebra um acordo com o Ministério Público, no bojo do referido pacto são convencionados diversos deveres e direitos para ambas as partes, então o Colaborador “A”, cumprindo o acordado, renuncia ao direito ao silêncio, abre mão de grande parcela de seu patrimônio, e se submete as sanções corporais e demais obrigações previstas no termo de cooperação. Posteriormente a assinatura do acordo colaborativo, o mesmo é levado ao escrutínio judicial e é devidamente homologado pelo juízo competente. Sobrevém, então, a instrução processual, e ao cabo da mesma as partes postulam em seus arrazoados derradeiros os direitos previstos no acordo de colaboração premiada, entretanto, na sentença, o Juiz se nega a aplicar os estritos termos da convenção entre os signatários, alegando que o controle judicial deve se sobrepor sobre o estipulado entre os contraentes. Á partida, tal decisão não se coaduna com os princípios da segurança jurídica, boa fé, estabilidade das relações jurídicas, vez que a imposição na sentença, por parte do Órgão Julgador, de um prêmio diverso do que foi previsto no acordo de colaboração entre as partes, como por exemplo, uma sanção corporal mais severa, ou uma condição mais gravosa como o uso de tornozeleira eletrônica, vai de encontro com o esperado pelas partes quando da celebração do acordo de cooperação. De fato, tanto o Colaborador quanto o parquet (não) podem ser surpreendidos com a alteração a posteriori dos estritos termos do pacto de cooperação por parte do Juiz, vez que tal intervenção judicial pode alterar significativamente cláusulas que foram acordadas exclusivamente entre os signatários, distorcendo todo o equilíbrio contratual e prejudicando os intuitos originários dos contratantes quando da celebração do acordo. Não se olvida que o artigo 4º da lei 12850/2013 efetivamente prevê que o Juiz poderá “a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”, entretanto, como bem se vê, tratam-se de benefícios expressamente previstos em lei, e todos eles visam a premiar o Colaborador que, superando as perspectivas inicialmente previstas quando da assinatura do acordo de colaboração, cooperou eficazmente com as autoridades persecutórias para atingir os fins pretendidos na lei de organizações criminosas, aumentando o seu prêmio. Situação totalmente diversa é quando o julgador estipula um benefício diverso ou impõe uma constrição não prevista no acordo de colaboração premiada ou na legislação atinente, ao arrepio do pacto de cooperação. Outrossim, não se nega que o direito penal negocial é uma novidade no ordenamento jurídico pátrio, mas não se pode negar que na seara cível a realização de avenças entre as partes para a resolução de conflitos já está consolidada na práxis forense há várias décadas, neste espeque, partindo da analogia, encampada pela ensancha do art. 3º do CPP, para se solucionar a controvérsia, pode ser aplicável ao processo penal o artigo 357, § 2º do novel Código de Processo Civil, que prevê que as delimitações consensuais de fato e de direito, convencionadas pelas partes e homologada pelo juízo, vinculam, além das partes, o Juiz, verbis:
Como não fosse o bastante, a decisão de homologação transitada em julgado é considerada um título judicial imutável que detém todos os efeitos a ele inerentes, portanto, uma decisão posterior que queira alterar a eficácia da decisão de homologação anterior, sem lhe anular, deve ser no mínimo objeto de crítica. Neste diapasão, impende obtemperar que é defeso ao juízo interferir no acordo celebrado entre as partes, alterando os termos do que foi pactuado entre o parquet e o Colaborador, sob pena de ofensa ao direito adquirido, à segurança jurídica e à coisa julgada, conforme se depreende dos seguintes excertos:
Os julgados acima transcritos reconhecem que a decisão de homologação transita em julgado e que não há como negar sua eficácia, em face da intangibilidade da coisa julgada e da vedação à reformatio in pejus. Nem se diga que há ofensa ao Princípio da reserva legal ou de jurisdição, pois deve o Magistrado impugnar o acordo de colaboração ao verificar qualquer “irregularidade” e para tanto dispõe de pelo menos dois momentos, muito bem delimitados na Lei 12.850/2013:
Portanto, o exercício pleno da jurisdição pelo Poder Judiciário é consagrado no caso de acordo de colaboração previsto na Lei 12.850/13 em pelo menos dois momentos, obviamente que a qualquer momento o Magistrado pode, verificando o descumprimento do acordo, tomar as providencias cabíveis, todavia, em não sendo o caso de descumprimento do acordo pelo Colaborador, não há espaço para a não aplicação dos estritos termos e benefícios previstos no acordo de colaboração premiada. Entretanto, se quando da decisão homologatória do acordo, o Juízo homologar integralmente os termos do pacto de cooperação, não fazendo qualquer ressalva a respeito, opera-se a preclusão pro iudicato para o Magistrado, não podendo desconsiderar os efeitos do acordo posteriormente. Caso houvesse quaisquer irregularidades no termo de colaboração, tais questões deveriam ser levantadas pelo Magistrado quando da prolação da decisão de homologação, facultando ao Colaborador, diante deste novo quadro de benefícios possíveis, optar por não mais realizar a cooperação com a Justiça, ou seja, interromper a colaboração antes de judicializar seus depoimentos. Com efeito, é inadmissível que (i) o acordo de colaboração premiada seja devidamente homologado sem nenhuma ressalva; (ii) que o Colaborador cumpra com todos os compromissos assumidos no acordo; e (iii) ainda assim, sejam impostas condições mais gravosas, pelo Juiz em sede de sentença, do que as previstas no pacto de cooperação. Neste lanço, sem prejuízo da exata observância ao Princípio da Reserva de Jurisdição, tem-se que, cumprindo o Colaborador sua parte no acordo, o Juiz ao reconhecer expressamente este fato na sentença, também deve cumprir os termos do acordo que foi homologado. O que não se pode admitir é a inovação do Magistrado ao determinar a aplicação de restrição não prevista no acordo ou de não aplicar benefício antevisto no referido pacto cooperativo. Sem embargo, a imposição de condições mais gravosas pelo Magistrado configura verdadeira surpresa para as partes signatárias, que se tivessem sido comunicadas oportunamente das reformas a posteriori que seriam levadas a efeito pelo Órgão Judicial quando da aplicação dos efeitos do acordo de colaboração em sede de sentença, poderia levar, tanto o Colaborador, quanto a Justiça Pública, a não aceitar os termos do acordo, ou a pactuar de forma diversa os direitos e deveres inseridos no bojo do termo de colaboração premiada. A homologação dos exatos termos previstos no acordo, deve revestir de segurança jurídica um negócio jurídico processual personalíssimo, portanto, uma vez cumprido os compromissos por parte do Colaborador, de acordo com o Princípio da Segurança Jurídica e da Boa-Fé nas relações jurídicas, não pode ser imposta ao Cooperador qualquer sanção ou restrição além dos limites previstos no acordo homologado. De maneira nenhuma, conforme já exaustivamente exposto, se pretende limitar a atividade jurisdicional, no entanto, o momento oportuno para o Juiz decidir questões envolvendo o regime de cumprimento e outras questões incidentais, como o uso de tornozeleira eletrônica ou o modo de cumprimento da sanção corporal, deve ser realizado oportunamente, ou seja, na decisão de homologação, afastando das relações jurídicas e do processo a incerteza, a insegurança quanto às etapas já superadas, sob pena de ofensa aos mais comezinhos princípios constitucionais. Matteus Beresa de Paula Macedo Acadêmico do 10º período da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. [1]Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. [2]O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto. [3]A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |