1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
HC 133273 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 18/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-257 DIVULG 01-12-2016 PUBLIC 02-12-2016 Ementa do julgado: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DESAFORAMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDADA DÚVIDA DA PARCIALIDADE DOS JURADOS. DIVULGAÇÃO DOS FATOS PELA MÍDIA. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS ANÔMALAS. 1. A rotineira veiculação de notícias sobre fatos criminosos por intermédio da imprensa, sobretudo com as facilidades atuais de propagação da notícia, não é capaz de, somente pela notoriedade assumida pelo caso, tornar o corpo de jurados tendencioso, mas decorre de situações concretas extremamente anormais. 2. No caso, à míngua de motivos concretos a sustentar a quebra da parcialidade dos jurados, é de se reconhecer que o Tribunal de Justiça local atuou dentro dos limites estabelecidos na norma processual penal (CPP, art. 427). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. 2 O CASO R.J.G. foi denunciado e pronunciado pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incs. I e IV, do Código Penal, por duas vezes. Por conta da repercussão midiática de seu caso, requereu desaforamento, que foi indeferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; contra esta decisão impetrou habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu da ação. A ementa do julgado no Tribunal da cidadania: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DESAFORAMENTO. DÚVIDA QUANTO À PARCIALIDADE DOS JURADOS. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. Nos termos do art. 427 do Código de Processo Penal, se o interesse da ordem pública o reclamar ou se houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não subsistam tais motivos, com preferência daquela mais próxima. 2. A eventual repercussão que o delito tenha causado na localidade e a costumeira movimentação dos parentes da vítima constituem atitudes normais em crimes de grande gravidade - notadamente em casos como este, em que a vítima era um adolescente que, à época, tinha apenas 14 anos de idade -, de modo que não justificam, por si sós, o desaforamento do julgamento. 3. A simples presunção de que os jurados poderiam ter sido influenciados por ampla divulgação do caso pela mídia e a mera suspeita acerca da parcialidade dos jurados não justificam a adoção dessa medida excepcional. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 210.693/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 03/12/2015) Por fim, impetrou habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, o qual foi distribuído ao Ministro Teori Zavascki, que negou seguimento ao remédio. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O Ministro Teori Zavascki destacou que, em regra, a fixação de competência deve ser feita pelo local em que se consumou o crime, mas que em casos julgados pelo Tribunal do Júri, tal regra pode vir a ceder em situações específicas. Quanto ao desaforamento para garantir a imparcialidade dos jurados, destacou que não basta a “simples” divulgação dos casos pela mídia: A simples cobertura jornalística a crime, também atribuído ao acusado requerente, é insuficiente para justificar o desaforamento. Consoante magistério do saudoso Hermínio Alberto Marques Porto, a mídia não está legitimada a expressar inequívoca opinião da sociedade, sob pena de estarmos “num mundo de apáticos e submissos” (Júri, pág. 193, RT, 1980). Assim não fosse, seria impossível o julgamento dos casos de repercussão e cobertura nacional pela mídia. Citou, ainda, doutrina de Nucci e julgado do Supremo Tribunal Federal que cuidou de caso análogo (RHC 118.615/DF), no qual os Ministros afirmaram que a divulgação de casos pela mídia não reflete no ânimo dos jurados. De forma muito sucinta, estes foram os fundamentos. 4 PROBLEMATIZAÇÃO Inicialmente, importante destacar uma situação fática do julgado que não condiz com a afirmação feita pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e corroborada pelos Tribunais superiores de que ocorreu uma "simples cobertura jornalística". Isso porque, ao buscar o nome do paciente no site "google" diversas reportagens anteriores e posteriores ao julgamento dos autos aparecem[1], várias com conteúdo extenso e incriminador. Como se sabe, o procedimento do Júri é bifásico, formado, em primeiro lugar, por uma instrução preliminar e, após, por um juízo de culpa. Na primeira fase, o Juiz de Direito é responsável por apreciar as provas para decidir se o acusado deve ser submetidos ou não ao Tribunal do Júri, i.e., se deve ser pronunciado. Caso o seja, e quando preclusa a decisão de pronúncia, inicia-se o rito do Tribunal do Júri, do qual fazem parte 25 jurados, dos quais sete comporão o conselho de sentença, e um Juiz de Direito, o qual, como regra, não decide sobre o mérito, mas tão somente com relação às penas a serem fixadas em caso de condenação. Para que o acusado tenha direito a julgamento justo, o Código de Processo Penal elenca algumas possibilidades de desaforamento, decisão que retira o julgamento do seu foro de julgamento natural e o remete ao de outro local que possa resguardar o devido processo legal: Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. No que interessa ao problema do artigo, cabe ver a hipótese de desaforamento por imparcialidade do júri. Há diversos doutrinadores que ao explanarem tal situação citam como exemplo a exploração mídiática do caso. Vejamos: LOPES JR. Afirma "em geral, tal situação decorre do mimetismo midiático"[2]; REBOUÇAS cita "a difusão desenfreada de notícias desvirtuadas pela imprensa sobre quem teria sido o autor do fato"[3]. HAMILTON traz casos midiáticos de pequenas e grandes comunidades:
E bem destaca HAMILTON que o problema não está em serem os acusados os reais autores do fato, mas sim no prévio juízo de condenação feito pelos jurados, os quais, por serem leigos e julgarem com base em suas íntimas convicções estão mais sujeitos aos clamores da mídia. Como se sabe, há muitos anos existem os tribunais midiáticos, que tomam o lugar do Poder Judiciário em condenações sem processo. Conforme leciona FAVA "a mídia fomenta apenas e tão somente o espírito de linchamento, vulnerando todo e qualquer direito fundamental [...] quando se mistura justiça com o fantástico show da mídia, essa defesa deixa de existir"[5]. Mais do que em qualquer outra época, hoje a mídia determina a opinião pública, o que deve ser debatido, o que deve ser esquecido, etc. As pessoas existem por meio dos valores estampados na grande mídia. CARABINE destaca que "o advento da pós modernidade significou que está ficando cada vez mais impossível distinguir entre imagem de mídia e realidade social"[6]. Assim, resta uma pergunta cuja resposta demanda muita discussão: Em casos midiáticos é possível realizar um desaforamento como forma de proteção do acusado? Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS CARABINE, Eamonn. Crime e mídia. In: Criminologias Alternativas. Org. Pat Carlen e Leandro Ayres França. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017. FAVA, Andréa Penteado. O poder Punitivo da mídia e a ponderação de valores constitucionais: uma análise do caso Escola Base. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Cândido Mendes, 2005. HAMILTON, Sérgio Demoro.Estudos de Processo Penal, 4ª Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 2. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. REBOUÇAS, Sérgio. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2017. [1] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,suspeita-de-dois-grupos-de-exterminio-em-ribeirao-preto,20040422p12825; http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u130683.shtml; http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,delegado-investigadores-e-perito-indiciados-por-homicidio,20040416p12689; http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,delegado-investigadores-e-perito-indiciados-por-homicidio,20040416p12689 [2] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol.2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 306. [3] REBOUÇAS, Sérgio. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 1141. [4] HAMILTON, Sérgio Demoro. Estudos de Processo Penal, 4ª Série. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 17. [5] FAVA, Andréa Penteado. O poder Punitivo da mídia e a ponderação de valores constitucionais: uma análise do caso Escola Base. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Universidade Cândido Mendes, 2005. p. 89. [6] CARABINE, Eamonn. Crime e mídia. In: Criminologias Alternativas. Org. Pat Carlen e Leandro Ayres França. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017. p. 285. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |