Ane Caroline dos Santos Silva no sala de aula criminal, vale a leitura! ''A Lei Maria da Penha, prevê medidas para combater a violência doméstica e traz um rol exemplificativo definido no artigo 2o pelo texto vigente, onde “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”. Por Ane Caroline dos Santos Silva Durante todo período histórico observa-se a discriminação e marginalização das mulheres, pelo simples fato de ser mulher. Para tanto, os movimentos feministas lutam intensamente para que as leis garantem proteção e direitos às mulheres. Estas, vítimas de todas as formas de violência doméstica.
Nesta perspectiva, Almeida ensina que a violência contra a mulher é marcada por questões socioculturais, em que, mulheres contrárias aos padrões estabelecidos na relação homem-mulher, se tornam vítimas de seus companheiros, principais autores das agressões. Ainda traz que a luta do movimento feminista tende a pressionar o Estado para promoção de políticas públicas, para que assim, haja garantia de proteção[1]. Uma das conquistas do movimento de mulheres e de organizações feministas do Brasil foi a Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, a qual, conforme o Conselho Nacional de Justiça, tipifica as situações de violência doméstica, proíbe aplicação de penas pecuniárias, amplia a pena de um para três anos de prisão, bem como, garante serviços de proteção e assistência social às vítimas e seus dependentes[2]. Entende-se por violência doméstica, conforme a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, artigo 5 e incisos, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, no âmbito doméstico, familiar, ou em qualquer relação íntima de afeto[3]. Neste contexto, a mulher com deficiência está mais vulnerável a sofrer com esta violência. Para melhor compreender tais condições, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu preâmbulo, a qual reconhece “que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração”[4]. Ao direcionar os debates acerca da violência contra a mulher, em especial, contra a mulher com deficiência, faz-se mister definir a deficiência. Assim, o Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 2021, artigo 4, considera a pessoa com deficiência aquela que se enquadra em uma das cinco categorias expostas pelos respectivos incisos, sendo, a deficiência física, auditiva, visual, mental e múltipla[5]. Ainda se tratando de vulnerabilidade, a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, considera em seu artigo 5o, parágrafo único, para fins de proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante, em especial, a mulher com deficiência[6]. Há de se destacar que, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, através de dados do Disque 100, informou que houve, no primeiro semestre de 2020, 195.201 denúncias de violência, sendo que, 4.866 se tratavam de vítimas com deficiência, 44,8% mulheres. Evidencia, com o maior índice, a violência psicológica (1.853) e física (1.727). Além disso, a casa onde a vítima reside é o cenário mais frequente da prática criminosa[7]. A Lei Maria da Penha, prevê medidas para combater a violência doméstica e traz um rol exemplificativo definido no artigo 2o pelo texto vigente, onde “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”[8]. Para tanto, o Projeto de Lei 4343/20 inclui a mulher com deficiência no rol exemplificativo constante na Lei Maria da Penha, justificando-se que é de extrema importância dar visibilidade a mulher com deficiência, considerando que elas sofrem com a discriminação e marginalização e acometem mais de 26 milhões de brasileiras[9]. Ante o exposto, o referido Projeto objetiva ampliar o rol exemplificativo, constante na Lei Maria da Penha, de forma a incluir a mulher com deficiência, seja física, mental, sensorial ou intelectual, e assim, garantir a proteção e dar visibilidade a estas mulheres, evitando desigualdades[10]. Em 2019, foi sancionada a Lei n. 13.836, que acrescenta ao artigo 12 da Lei 11.340/06, o inciso IV, a obrigatoriedade de informar “sobre a condição de a ofendida ser pessoa com deficiência e se da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente”[11]. Antes dessa alteração, o Código Penal já trazia no artigo 129, parágrafo 11, o aumento de pena em um terço se o crime for cometido contra pessoa com deficiência[12]. Nesta perspectiva, Passos, Telles e Oliveira lecionam que, em uma análise sociojurídica, a mulher com deficiência, vítima de violência de gênero, ainda se depara com condições de invisibilidade, pois falta jurisprudência, decisões judiciais reiteradas[13]. Em audiência pública, as comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência realizaram na 37ª edição da Pauta Feminina, apoiada pelas procuradorias da Mulher do Senado e da Câmara, em 2017, afirmam que narrativas sociais dominantes, referentes às mulheres com deficiência, facilitam que o corpo da mulher com deficiência seja visto como acessível a todos, bem como seus depoimentos não sejam ouvidos, entendidos e considerados, enfrentando barreiras neste sentido[14]. De acordo com as reflexões trazidas por Constantino, a Lei 11.340/06 cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher e também leva o nome de uma mulher com deficiência. Conforme ela “a vida e resistência de Maria da Penha nos lembra a importância de nossas histórias e a necessidade de buscarmos uma realidade em que a violação de nossos corpos e direitos não seja mais minimizada ou tolerada”[15]. Desta forma, a mulher com deficiência depara-se com uma dupla vulnerabilidade, por ser mulher e ser uma pessoa com deficiência, sendo alvo das diversas formas de violências. Assim, sua situação não deve ser invisível, no que se refere às normas, nem mesmo no que tange a proteção destas mulheres. Suas vozes não devem ser caladas ou até mesmo anuladas. É preciso ouvi-las, partindo do princípio da pessoa com deficiência: “nada sobre nós sem nós”. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 8° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa Não Somos Invisíveis. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] ALMEIDA, Haynara Jocely Lima de. Vulnerabilidade de mulheres com deficiência que sofrem violência. 2011, p. 23. Disponível em: <2011_HaynaraJocelyLimadeAlmeida.pdf (unb.br)> Acesso em 4 de agosto de 2021. [2] Conselho Nacional de Justiça. Lei Maria da Penha. Disponível em: <Lei Maria da Penha - Portal CNJ> Acesso em 5 de agosto de 2021 [3] Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <Lei nº 11.340 (planalto.gov.br)> Acesso em 3 de agosto de 2021. [4] Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, Decreto Legislativo nº 186, de 2008 e o texto da Convenção sobre os direitos das Pessoas com deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. – 5. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. Disponível em: <convencao_direitos_deficiencia_5ed.pdf> Acesso em 4 de agosto de 2021 [5] Decreto 3.298 de 20 de Dezembro de 1999. Disponível em: < D3298 (planalto.gov.br)> Acesso em 5 de agosto de 2021. [6] BRASIL, Lei n. 13.146 de 6 de julho de 2021. Lei Brasileira de Inclusão. Disponível em: <L13146 (planalto.gov.br)> Acesso em 4 de agosto de 2021. [7] BRASIL, 2019. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Disponível em: <Painel mostra dados atualizados sobre violações de direitos humanos — Português (Brasil) (www.gov.br) > Acesso em 4 de agosto de 2021. [8] Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <Lei nº 11.340 (planalto.gov.br)> Acesso em 3 de agosto de 2021. [9] Projeto de Lei 4343/20. Disponível em: < prop_mostrarintegra (camara.leg.br)> Acesso em 4 de agosto de 2021. [10] Projeto de Lei 4343/20. Disponível em: < prop_mostrarintegra (camara.leg.br)> Acesso em 4 de agosto de 2021. [11] Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <Lei nº 11.340 (planalto.gov.br)> Acesso em 3 de agosto de 2021. [12] Decreto-Lei n. 2848 de 7 de setembro de 1940. Disponível em: < DEL2848compilado (planalto.gov.br)> Acesso em 5 de agosto de 2021. [13] PASSOS, Regina Lucia. TELLES, Fernando Salgueiro Passos. OLIVEIRA, Maria Helena Barros de. Da Violência Sexual e outras ofensas contra a mulher com deficiência. 2019, p. 159. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/sdeb/a/L6vgLTHXQD9nFctmYzN8x6f/?format=pdf&lang=pt> Acesso em 4 de agosto de 2021. [14] BRASIL, Senado Federal. Mulheres com deficiência são mais vulneráveis à violência doméstica. 2017. Disponível em: < Mulheres com deficiência são mais vulneráveis à violência doméstica — Portal Institucional do Senado Federal> Acesso em 5 de agosto de 2021. [15] CONSTANTINO, Carolini. Mulheres com Deficiência: garantia de direitos para o exercício da cidadania. 2020, p. 105. Disponível em: < 12359_guia_feminista_helen_keller_mulheres_com_deficiencia_.pdf (mpma.mp.br)> Acesso em 5 de agosto de 2021.
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