Por atuar em alguns processos cujas histórias serão brevemente narradas aqui, não poderei declinar nomes, tampouco situações específicas. Usarei, então, nomes fictícios. Nossa finalidade é trazer a tona as distorções e absurdos que ocorrem diariamente no Poder Judiciário. Deve-se frisar que as críticas aqui ventiladas não estão adstritas ao Poder Judiciário Federal ou Estadual, mas sim ao Poder Judiciário como todo. A rigor, o clientelismo e a seletividade punitivista da Justiça brasileira é mais arraigada do que se pensa. A primeira história verídica que trago a colação é a de “Joãozinho de Deus”. A legislação criminal estabelece dois extremos em relação às drogas ilícitas, a saber: ou o indivíduo é traficante ou usuário. Não existe meio termo no tratamento jurídico-processual para cidadão que é flagrado com drogas. Frise-se que não existem limites legais em relação à quantidade de droga ou apresentação desta. Para determinado delegado ou magistrado, 100 (cem) gramas de maconha podem ser enquadradas como tráfico, ao passo que podem ser também uso. Dito isso, vamos voltar a “Joãozinho de Deus” que estava com cerca de 40 (quarenta) gramas de cocaína quando foi abordado pela polícia. Usando de tortura, “Joãozinho de Deus” disse o que sabia e o que não sabia aos policiais que o abordaram. Durante mais de duas horas de todo tipo de abuso, os homens da lei consumiram quase que a totalidade da cocaína que estava com o “traficante”. Quando se deram conta que a quantidade que sobrava seria enquadrada apenas como uso, os policiais reuniram algumas pedras de crack que tinham para forçar que o flagrante fosse lavrado como tráfico. Frise-se: pedras de crack que pertenciam aos policiais. Após ser enquadrado como tráfico na delegacia, o Poder Judiciário homologou o flagrante e decretou a prisão preventiva de Joãozinho. Durante o curso da instrução processual, o advogado tentou a liberdade por diversas vezes, mas não a conseguiu. O réu teve que aguardar mais de um ano preso para, só então, ser ouvido em audiência e posteriormente absolvido. Quando foi preso, o réu tinha 19 (dezenove) anos, fazia faculdade, trabalhava e não era envolvido com crime organizado. Quando ganhou alvará de soltura e retornou à sociedade, esse mesmo jovem tinha 20 (vinte) anos, detinha em si o estigma social de traficante, já não tinha mais emprego ou profissão e havia sido cooptado por uma organização criminosa. Agora vamos conhecer a vida de “Melissinha Sangue Azul”. Bem nascida, filha de família importante com membros expoentes dentro do Judiciário e da Política, Melissinha sempre teve uma vida fácil habituada com caprichos e mimos dignos de princesa. No mundo mágico dela, não existia a palavra “não”. Tudo era possível para essa doce menina. Com pouca idade e sem experiência, Melissinha logo foi imersa na política e logrou cargos públicos de alto relevo no Executivo e Legislativo. Por anos e anos, essa jovem de sangue azul drenou valores milionários para satisfazer os desejos e vaidades. A fraude na licitação era a regra. A comissão paga aos seus secretários era moeda corrente praticada no seu governo. Contudo, os ilícitos e fraudes tomaram proporções faraônicas a ponto de a mídia nacional começar a noticiar. Contudo, pouco mudou, pois até hoje “Melissinha Sangue Azul” segue ocupando cargos públicos, viajando para Miami e com liminar em Habeas Corpus preventivo já (in)devidamente deferida para evitar qualquer decreto de prisão em seu desfavor. Lucas Bonfim Advogado Criminal Professor universitário Parecerista jurídico
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