A Constituição Federal brasileira é também denominada como Constituição Cidadã por estabelecer um extenso rol de direitos e garantias aos cidadãos. Tal nomenclatura carrega consigo um grande aporte no que tange a recepção de vários Direitos Humanos ao nosso Ordenamento Jurídico, tornando-os, Direitos Fundamentais.
Neste sentido, a diferenciação entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais consiste em que o primeiro está estabelecido em documentos internacionais, bem como previsto em tratados, mesmo que não inseridos no Ordenamento Jurídico de um determinado país. Quanto ao segundo, refere-se aos direitos correlatos à pessoa humana, inseridos na Constituição de um país, ou seja, são direitos positivados dentro do Ordenamento Jurídico. Outra distinção de cunho importante é conceituar a diferença entre direitos e garantias, pois não há de se confundir um com o outro. Logo, os direitos fundamentais possuem previsão dentro da Constituição Federal, que visa assegurar aos cidadãos os direitos previstos. Em contrapartida, as garantias fundamentais, como diz a própria nomenclatura, são instrumentos garantidores dos direitos tutelados. Sobre a temática, o Professor Flávio Martins esclarece de forma didática tal diferenciação¹:
Partindo desta premissa, um dos Direitos Fundamentais garantidos pela Carta Magna, e que é o tema deste artigo, é o direito à solidão ou o direito de estar só, que está correlatamente interligado ao direito à proteção da intimidade e da vida privada. Num primeiro momento, a palavra solidão remete a sensação de abandono, de se estar só não por opção, mas por não restar outra alternativa, que fora difundida pelos mais variados motivos. Porém, sobre um outro viés, sabe-se que é inerente da natureza humana a necessidade de se estar só por algum momento, de desfrutar da solidão, seja para refletir, descansar ou até mesmo para preservar a própria intimidade. Destarte, tal necessidade é considerada essencial para a manutenção e preservação da dignidade da pessoa humana, sendo tida como Cláusula Pétrea. Neste prisma, o direito à solidão se faz necessário para o surgimento de reflexões, como método para reencontrar a si mesmo. Esse direito está amparado no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal, que preceitua:
Percebe-se, no inciso constitucional supramencionado a existência de Direitos Fundamentais inseridos na primeira parte – “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” – bem como na segunda parte a Garantia Fundamental – “... assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”. Ainda, destaca-se a existência de distinção entre o direito à intimidade e a vida privada. Sobre o tema leciona Flávio Martins²:
Diante disso, extrai-se do direito à intimidade a necessidade do desfruto da solidão, necessidade de não ser incomodado, em algum momento pelos demais, em qualquer sentido, sendo o lugar sagrado de cada ser. É ademais, a constante busca do ser se encontrar através de seus pensamentos e isolamentos, sendo uma necessidade básica vital para o desempenho de uma vida saudável. Em outras palavras, é a inevitabilidade da pessoa se encontrar com ela mesma. Assim, a intimidade se encontra na esfera mais íntima do ser, devendo ser mantida de forma sigilosa e inacessível, devendo ser conhecida tão somente pelo seu detentor. No mesmo sentido, Pontes de Miranda leciona que o direito à intimidade visa³:
Neste seguimento, corrobora-se que o direito à solidão está intimamente conectado com o direito à liberdade, pois não há de se falar daquele sem este. Ter a liberdade para decidir quando se deve estar sozinho, bem como quando estar acompanhado é imprescindível para almejar a felicidade. Ainda neste mesmo caminho, percorre-se que todas as leis foram criadas para estabelecer soluções entre os conflitos, almejando a busca da paz social e felicidade. No entanto, atualmente, com a crescente evolução tecnológica, nem sempre a lei consegue acompanhar tal evolução. Assim, o direito em estudo pode estar em ameaça. Tal afirmativa deve-se pelo fato de que a maioria das pessoas possuem dois tipos de vida – uma é referente a vida real e a outra a vida virtual. Esta, muitas vezes, foge do nosso alcance de controle, onde através de sites e aplicativos, residem informações que podem ser passados a terceiros. Eis então o direito à intimidade e privacidade corrompida e devastada em apenas um “click”. Muitas vezes, as pessoas buscam como refúgio a internet para se isolar do mundo real. Por sua vez, esse isolamento deve ser considerado como uma forma moderna de solidão como espaço necessário inerente da natureza humana. É nesse espaço (de se estar sozinho) que o indivíduo tende a desenvolver e pacificar seus pensamentos e buscar o autoconhecimento. Logo, a internet é um palco perfeito para a violação da privacidade. Diante deste cenário, muitos se aproveitam para invadir ou hackear sistemas e informações de terceiros. Tal violação é considerada uma conduta ilícita, conforme preceitua o Código Penal:
Neste diapasão, cita-se que o direito à privacidade está intrinsecamente vinculado ao direito da personalidade, ou seja, este é considerado uma manifestação primordial daquele. Tal informação torna-se imprescindível de alusão, pois, o direito da personalidade visa resguardar a dignidade humana e proteger os indivíduos de ataques ocasionados por outras pessoas. Diante de tais constatações, José Afonso da Silva leciona:
Logo, a vida privada e a intimidade de cada indivíduo deve ser um lugar intocável de modo agressivo e invasivo, sob o risco da pessoa se bloquear da sua própria rotina, mudando o seu jeito de pensar e de ser, desvirtuando a sua personalidade. Nesse contexto, desvenda-se que o direito em estudo é de suma importância para a dignificação da personalidade de cada indivíduo. Elucidativas são as palavras de Jorge Miranda sobre a importância do direito à personalidade5:
Assim, a Constituição Federal preservou como Direito Fundamental a privacidade, onde a sua violação é criminalizada no Código Penal. No mesmo sentido, protegeu-se o direito à intimidade. Daí extrai-se a importância do direito à solidão ou do direito de estar só. Todavia, resta-se dizer que com o passar do tempo, somado ao avanço da tecnologia, o direito à solidão vem sendo algo quase que impossível de se alcançar em sua plenitude, onde a cada dia, o retiro, seja físico ou espiritual vem sendo considerado como um bem precioso. Aicha de A. Q. Eroud Graduanda em Direito pela Faculdade de Foz do Iguaçu - Fafig REFERÊNCIAS: 1MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 729 2MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 873 3MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva de direito. Tomo 4, Campinas – SP: Bookseller, 2000, p. 209 4SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª edição, rev. e atualizada até a Emenda Constitucional n. 71, de 29.11.2012, Editora Malheiros, pp. 210-211 5MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, Tomo IV, pp 58-59 Comments are closed.
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