Quando pequeno certa vez perguntei a meu pai porque haviam tantas homenagens a pessoas que já haviam falecido. A explicação foi de que elas em vida tinham realizado contribuições significativas, que mereciam ser recordadas. Não me parecia uma homenagem realmente digna, no caso de alguns, simplesmente dar o nome de uma rua ou construir uma estátua num jardinete isolado, fadada a ser utilizada como pousada para pássaros mais do que para lembrança dos homenageados. Enfim, esse é o costume.
Uma dúvida, porém, persistia. Por que só eram homenageados quando falecidos? Meu pai, iniciando-me na compreensão da sociedade (papel complexo diante do qual os pais precisam se certificar de fazer o seu melhor) disse que as homenagens não são comuns em vida porque as pessoas muitas vezes praticam, em data posterior às condecorações recebidas, atos que trazem desonra a seu nome e sua família. Para evitar ter de destruir as estátuas ou trocar as plaquinhas espera-se pela certeza do descanso final para se ter certeza de que a homenagem é adequada. Não fiquei nada contente com a explicação mas deixei o assunto se encerrar por ali. Enfim, todo esse introito foi feito apenas para dizer que não aprecio homenagens póstumas. Prefiro, quando possível obviamente, prestar meu reconhecimento aos viventes. Assim, reservo minha coluna desta semana para tecer uma singela homenagem ao querido amigo Paulo Silas Taporosky Filho. Como sinto verdadeira ojeriza pela rasgação de seda hipócrita e vazia que se faz presente em muitas destas homenagens, nas quais se tempera uma verborragia elogiosa com algumas pitadas de sarcasmo, passarei longe desse modelo. Escreverei brevemente algumas observações diretas para expressar minha admiração pela pessoa e pelo livro recentemente lançado pelo colega. Vamos lá. Paulo Silas é jovem. Não completou sua terceira década de vida. Já é pai e marido. Pai coruja, daqueles que sorriem solto e gostoso quando o assunto é o filho e suas traquinagens. Também é filho. Do tipo cuidadoso, preocupado. A faceta de personalidade do Silas que me anima a escrever estas linhas é o fato dele demonstrar caraterísticas que, de onde posso enxergar, estão se rareando em nossa sociedade. Uma delas é o comprometimento com o estudo e com a divulgação de conhecimento de uma forma que alie qualidade com acessibilidade. Além de ávido leitor, Silas é também profícuo escritor. Multifacetado escritor. Discorre sobre direito penal, processo penal, literatura, cinema, filosofia, psicologia e afins. Não lembro do Silas ter dito não a um projeto acadêmico. Também não lembro de tê-lo ouvido levantar de pronto, diante destes projetos, a questão fatídica dos homens de nossos tempos: quanto eu vou ganhar com isso? Não lembro igualmente de ter ouvido o Silas reclamar das intempéries da vida. Quase sempre que o ouvi desabafar algo foi mediante insistência de minha parte. Agora, de tudo o que poderia ser dito com sinceridade o que mais quero destacar é o fato dele ter conseguido realizar seus projetos, com reconhecimento dos maiores juristas de nosso país inclusive, sem um pingo de arrogância. Sua postura humilde, reservada em relação a suas conquistas é um bálsamo num mundo onde egos excitados são a regra. Enquanto mantiver essa postura não tenho dúvida de que ele alçará os mais altos voos que um genuíno “acadêmico” pode desejar alcançar. Feitos estes comentários quero tecer breves observações sobre a obra que o Silas recentemente lançou e que já possui tantos leitores espalhados pelo Brasil: Direito pela Literatura: algumas abordagens. O livro é uma reunião de textos de sua autoria trazendo o direito para um diálogo com a literatura, com o intuito principal de arrancar o direito de sua armadura arcaica repleta de excessivo formalismo, rituais, símbolos de poder, segregações linguísticas e afastamento suntuoso da população. Quebrar essa barreira parece ser o grande mote acadêmico do Silas. Ousada proposta, sem dúvida. Será ele bem sucedido? A depender do primeiro livro pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que sim. Com o desejo de evitar spoilers destacarei apenas meu capítulo favorito: O Estigma do Condenado em “Os Miseráveis”. Poucas pessoas conseguiram, como Victor Hugo conseguiu, demonstrar a realidade dos “rótulos sociais” (estigmas) de modo mais visceral e humano. Silas aborda isso e nos faz pensar em nossas hipocrisias diante dos egressos do sistema carcerário. Hipocrisia de um discurso de ressocialização, que só poderia ocorrer às avessas, como se quiséssemos demonstrar aos selecionados pelo sistema penal o que não é uma sociedade, procurando com isso produzir nestes o desejo da vida em sociedade. Paradoxo vertiginoso, mas a realidade é que só se pode entender neste sentido o “objetivo ressocializador” da pena. Não fica difícil entender porque é tão absurdamente falho. Hipocrisia também no que Silas define como o “intragável ato de virar os olhos quando defronte de um ex-detento”. Hipocrisia emanada nos brocardos viciantes e viciados, como quando se diz que “quem já fez, faz de novo”. Silas não deixa de fazer seu apelo sincero diante deste retrato: “Repensemos. Avancemos. Lembremo-nos de Jean Valjean...”. Sim, Silas. Obrigado por nos lembrar. Obrigado por nos escrever. Continue sua bela jornada e sabe lá onde ainda nos encontraremos. Sei disso: você estará lendo e escrevendo, para o deleite de todos nós. Paulo Roberto Incott Jr Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia Comments are closed.
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