1.Breves Considerações Iniciais da Coluna Direito Penal Administrativo
Para este primeiro artigo da coluna de Direito Penal Administrativo, gostaria de tecer breves considerações acerca da temática, de modo a permitir que a abrangência dos futuros escritos, ainda que minimamente, já venham a restar delimitados. Além disso, já inicio tratando do princípio da bagatela/insignificância no crime de peculato. De toda feita, é importante destacar, primeiramente, o entendimento que se tem por “Direito Penal Administrativo”, possibilitando assim uma melhor visão dos temas que podem vir a ser objeto de futuras discussões, visto que, em minha singela visão, é melhor se ter um primeiro texto “introdutório”, trazendo questões básicas, para então adentrar à temática em si. Enfim, pode-se entender que o “Direito Penal Administrativo” remete, em linhas superficiais, à análise de condutas delitivas em prejuízo da administração pública, assim como as condutas delitivas praticadas por agente público em detrimento do cargo exercido, podendo tais condutas ser objeto de punição ou não, a depender do caso concreto. A doutrina acaba não tratando da temática de forma específica (“do direito penal administrativo”), pelo que o estudo da temática paira sobre livros de direito administrativo, direito penal (mais especificamente no que se refere ao disposto no título XI do Código Penal, o qual retrata acerca dos “Crimes Contra a Administração Pública”) processo penal, etc., todavia, acredito que, com o andamento das midiáticas demandas judiciais envolvendo a Administração Pública, certamente haverá cada vez mais adeptos ao estudo da temática, gerando uma maior demanda sobre o direito penal administrativo de maneira específica. Verifica-se que os crimes envoltos ao Direito Penal Administrativo, remetem, àqueles insertos a partir do artigo 334 do Código Penal, assim como em legislação esparsa, como, por exemplo, a Lei n.º 8.666/93, a qual trata acerca de licitações e contratos com a Administração Pública, a lei n.º 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária, etc. A partir disso, percebe-se que a presente coluna possui vasto campo de discussão, passando desde crimes em procedimentos licitatórios, a midiática “Operação Lava-Jato”, crimes praticados por funcionários públicos, além de discussões relativas à Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica – quando envolta em situações afetas à área de estudo do direito penal administrativo. Enfim, em linhas gerais, é disso que a presente coluna irá tratar. Espero que ela venha a ser proveitosa ao leitor em todos os seus aspectos. 2.Do Princípio da Bagatela em Crime de Peculato (Artigo 312 do Código Penal) Antes de adentrar à temática em si, vale abordar julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, relativo à Apelação Criminal n. 2007.37.00.007142-6/MA, acerca da temática proposta, possibilitando uma análise prática acerca do princípio da bagatela/insignificância em crime de peculato:
Para realização de uma análise crítica acerca do acerto, ou desacerto, da decisão supra, é necessário se ter uma análise especificada acerca do que significa o princípio da bagatela, assim como os elementos caracterizadores do crime de peculato. Com relação ao princípio da insignificância, ou da bagatela, este pode ser entendido como uma conduta humana típica (tipicidade formal), antijurídica e culpável, e, portanto, inicialmente considerada criminosa, sobre a qual o bem jurídico tutelado é considerado de pequena monta, e em consequência disso, não merece ser punida pelo estado. Ou seja, não basta que tenha ocorrido uma conduta criminosa, é necessário realizar uma ponderação sobre o que é mais vantajoso não apenas para o Estado, mas para a sociedade como um todo. Indaga-se: vale mais ao Estado criminalizar um furto de um produto de R$ 10,00 (dez reais), movendo toda a estrutura necessária do judiciário para a realização do processo penal, ou investir na punição de crimes realmente relevantes, como homicídios, ou com relação ao crime organizado? Acerca disso, vale trazer, os ensinamentos de Fernando GALVÃO[2], o qual, ao tratar do princípio da insignificância leciona:
Ademais, para grande parte do direito, e especialmente para o Superior Tribunal de Justiça, conforme entendimento trazido no julgamento do AgRg no REsp 1377789 MG 2013/0127099-0, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, não é suficiente que se esteja diante de uma conduta criminosa sobre um bem jurídico de quantia diminuta, se faz necessária a análise de quatro vetores primordiais para a aplicação do princípio da insignificância, quais sejam: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Desta forma, além da análise econômica da conduta delitiva, deve-se considerar aspectos pessoais do agente causador da conduta, de forma a aplicar o princípio da insignificância apenas sobre “crimes” efetivamente insignificantes. Feitas tais considerações, consigna-se que, quanto ao crime de peculato, o próprio artigo 312 do Código Penal é capaz de conceituá-lo como: Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio[3]. Ainda, acerca de tal questão, Leandro PAUSEN[4] doutrina que:
Cuidando-se de crime pluriofensivo, a análise da insignificância torna-se mais complexa, não podendo ter como referência exclusiva o valor do bem. Tem-se, portanto, que o crime de peculato está positivado para proteger o patrimônio público, todavia, calcado também em diversos princípios administrativos, e, especialmente, no princípio da moralidade, não apenas da própria administração pública como ente, mas principalmente de seus funcionários no uso de suas atribuições. Feitas tais breves conceituações acerca do princípio da insignificância e do crime de peculato, podemos passar para uma análise mais crítica acerca do julgado acima, onde houve o entendimento pela inaplicabilidade de tal princípio quando se trata de crime de peculato. Tal julgado é relativamente recente (datado de novembro de 2016), salientando que a discussão acerca dessa temática acabou sendo objeto da súmula 599 do STJ, na qual restou prevista a inaplicabilidade do princípio da insignificância em crimes contra a administração pública, sendo que a publicação desta súmula remete a novembro de 2017, ou seja, é extremamente recente. Veja a Súmula:
Tal entendimento vem em decorrência da suposta “moral administrativa”, tal como se vê do julgado incluído acima, como dos julgados que levaram à criação da súmula supra. Tal moral administrativa - utilizada pelo julgador para balizar a inaplicabilidade do princípio da insignificância em casos de crimes contra a administração pública - remete a qualquer ato contrário a lei ou aos bons costumes, ou a qualquer situação, ainda que detenha licitude. Neste sentido, leciona DI PIETRO:
Seguindo tal linha de raciocínio acerca da moralidade administrativa, verifica-se que nenhuma situação escaparia de uma condenação, vez que um eventual furto de caneta (ou empréstimo sem devolução), poderia ensejar uma condenação de um a quatro anos de reclusão e multa, conforme disposto no artigo 155 do Código Penal, mesmo que os requisitos configuradores da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância estejam presentes. A existência de tal diferenciação, aplicando pena desproporcional a acusado de eventual prática delituosa possivelmente albergada pelo princípio da insignificância em decorrência da existência da figura da Administração Pública, a meu ver, é absurda, vez que, ao invés de trazer “justiça”, gera, a bem da verdade, uma “injustiça”, pois aplica penalidade que, se praticada contra patrimônio particular, restaria sem penalidade alguma, pelo princípio da insignificância. Não pode ocorrer uma tamanha diferenciação de aplicação de pena, relativa a uma mesma prática delituosa. Veja, se um determinado agente pratica determinado delito insignificante, contra particular, resta albergado pelo princípio da insignificância, porém, se o pratica contra a Administração Pública, resta sem o benefício de tal princípio, pela existência da chamada “moralidade administrativa”. Ora, se existe tal moralidade administrativa, porque não existir uma “moralidade privada”, ou então, porque não se manter uma isonomia de tratamento dos acusados? Desta feita, entendo que a súmula 599 do STJ acaba por, ao invés de trazer uma segurança jurídica (pacificando situações semelhantes), culmina em situações de injustiça frente ao tratamento desigual de acusados de quaisquer práticas delituosas que cumpram os requisitos ensejadores do princípio da insignificância, vez que impede a obtenção de tal “benefício” pelo acusado, pela simples figura da Administração Pública, quando, se tivesse cometido o ato contra qualquer pessoa comum, assim o teria. Ora, não há uma congruência, assim como não há uma justiça. Enfim, a súmula existe, porém, entendo que assim não deveria, ou pelo menos, não antes de uma extinção total do princípio da insignificância, passando a um total absolutismo, vez que, ou se tratam com igualdade, ou não se tem direito, não se tem justiça. Para deixar claro, entendo que o princípio da insignificância deveria ser aplicado independentemente da “vítima”, seja administração pública, seja qualquer administrado, desde que presentes os requisitos acima explicitados. No que se refere ao crime de peculato, onde o próprio funcionário público pratica o ato delitivo, entendo da mesma forma, se cumprir os requisitos para aplicação do princípio da insignificância, assim o deve ser. Enfim, em que pese o entendimento que defendo, é necessário cuidado, pois até esquecer de devolver uma caneta pega emprestada em órgão público, ou no caso do funcionário público levar uma caneta para casa (até por esquecê-la no bolso) poderia configurar furto/peculato, caso desconsiderada a figura do erro de tipo, e levar o agente a consequências desproporcionais. Fica a dica. GUILHERME ZORZI ROSA Advogado Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR Referências - BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CÓDIGO PENAL. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em 10 de janeiro de 2018 - GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, 5ª Edição.. Saraiva, 12/2012. Pág. 305. - PAULSEN, Leandro. Crimes federais, 1ª edição.. Editora Saraiva, 2017. Pág. 143. - PIETRO, DI, Maria Zanella. Direito Administrativo, 30ª edição. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530976163/ - Súmula 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=@num=%27599%27 – Acesso em 16/01/2018. - TRF - 1a. Reg. - Ap. Criminal n. 2007.37.00.007142-6 / MA - 4a. T. - ac. unân. - Rel.: Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha - conv.- Fonte: e-DJF1, 22.11.2016 [1] TRF - 1a. Reg. - Ap. Criminal n. 2007.37.00.007142-6 / MA - 4a. T. - ac. unân. - Rel.: Juiz Federal Henrique Gouveia da Cunha - conv.- Fonte: e-DJF1, 22.11.2016 [2] GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, 5ª Edição.. Saraiva, 12/2012. Pág. 305. [3] BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CÓDIGO PENAL. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em 10 de janeiro de 2018. [4] PAULSEN, Leandro. Crimes federais, 1ª edição.. Editora Saraiva, 2017. [Minha Biblioteca]. Pág. 143. [5] PIETRO, DI, Maria Zanella. Direito Administrativo, 30ª edição. [Minha Biblioteca]. Retirado de https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530976163/ Comments are closed.
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