Primeiramente, é de se destacar que o crime de descaminho encontra-se previsto junto ao artigo 334 do Código Penal, o qual passou a ter nova redação a partir da Lei n.º 13.008/2014, quando a figura do descaminho passou a ser tratada separada do de contrabando. A partir de tal alteração legislativa, se tem a seguinte previsão legal para a configuração da prática de descaminho:
Veja que o artigo de lei acaba por entender que a prática de tal modalidade delituosa decorre de ato do agente, destinado ao não pagamento de tributo que seria incidente sobre mercadoria que entra ou sai do país. Salienta-se que a principal distinção para o crime de contrabando relaciona-se à licitude da mercadoria, vez que o descaminho se configura quando a mercadoria é lícita, e contrabando quando ilícita. Nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt:
Diante do já apresentado acima, se tem que o crime de descaminho corresponde a ato praticado por particular que acaba por não pagar o devido tributo, introduzindo mercadoria em território nacional. Trata-se, a bem da verdade, de um ato praticado por muitos brasileiros, que, em decorrência da alta carga tributária existente em território brasileiro, tem, em países vizinhos, principalmente no Paraguai, a possibilidade de aquisição de bens (eletrônicos, vestuário, etc.) por valores deveras inferiores aos praticados no Brasil. Ainda, o sujeito ativo de tal prática delituosa pode ser qualquer pessoa, conforme leciona a doutrina:
Por sua vez, o sujeito passivo é o Estado, conforme lição de Cezar Roberto Bitencourt: Sujeito passivo é o Estado, representado pela União, Estados-membros, Distrito Federal ou Municípios, e especialmente o erário público e a Receita Federal, que são fraudados em sua integridade orçamentário-fiscal.[4] Feitas tais considerações introdutórias, torna-se importante mencionar que o legislador previu a possibilidade de que outras condutas venham a incorrer na mesma pena, porém, tais situações não fazem parte do presente estudo, o qual possui intuito de apresentar breves considerações ao descaminho, pelo que, em que pese necessário mencionar a existência de tanto, indica-se que não será adentrado a tal mérito. Assim, em que pese já constatado no presente estudo, ainda que de maneira singela, os elementos essenciais à configuração de tal prática delituosa, se tem que, em tais casos, o Poder Judiciário tem mantido posicionamento no sentido de permitir a aplicação do princípio da insignificância em determinadas situações de descaminho. Vale destacar que o princípio da insignificância é de suma importância na seara penal, enquanto ultima ratio, pois além de se analisar que, em que pese se tenha a ocorrência de uma prática delituosa (conduta típica, antijurídica e culpável), se tem que, a depender do valor pecuniário envolto ao – no caso – descaminho, o processo se tornaria muito mais custoso do que a prática em si. Ademais, acerca do princípio da insignificância, vale trazer os ensinamentos de Fernando GALVÃO[5]:
No que se refere à possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos crimes que tratam de descaminho, além da mera menção ao cunho econômico, se tem que o Poder Judiciário, para balizar acerca de até onde se poderia aplicar tal princípio, acaba por levar em consideração o valor que seria devido a título de tributo se a inserção da mercadoria em território nacional fosse feita de maneira lícita. Tal valor que seria devido a título de tributo é importante para apuração da eventual aplicação do princípio da insignificância vez que a Lei n.º 10.522/02 acaba por estabelecer que execuções fiscais de valores inferiores ao estabelecido (Artigo 20 de tal normativa prevê o valor de R$ 10.000,00, porém, com valor de R$ 20.000,00 previsto pela Portaria n.º 75 e 130 de 2012 do Ministério da Fazenda) sejam arquivadas ou sequer sejam ajuizadas. Assim, se levaria ao entendimento de que, se o Estado não possui interesse em receber tributos de valores inferiores ao previsto acima, não haveria motivo para o Estado buscar punir alguém pela inserção de mercadoria em território nacional sem pagamento de tributo sendo que este sequer viria a ser cobrado pelo Estado. Neste sentido, poderia ser mencionado o seguinte julgado do STF, o qual muito bem retrata acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de descaminho: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que, por se tratar de normas mais benéficas ao réu, devem ser imediatamente aplicadas, consoante o disposto no art. 5º, XL, da Carta Magna. II – Ordem concedida para restabelecer a sentença de primeiro grau, que reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu sumariamente o ora paciente com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal.[6] Entendo que a aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, seguindo os parâmetros da legislação supra, cumulado com a portaria do Ministério da Fazenda, relacionados à cobrança de tributos, mostra-se justo, principalmente pelo próprio fato de que, assim, se geraria uma mínima segurança jurídica para casos de descaminho onde os valores de tributos não recolhidos mostram-se ínfimos, com a ressalva de que em se tratando de valores fechados – até R$ 20.000,00 por exemplo – uma situação que envolvesse, por exemplo, a incidência do teto previsto para possível aplicação do princípio, mais um centavo, poderia ensejar uma ação penal, enquanto que uma situação no valor exato ao “teto” nada geraria ao agente. Diante disso, entendo que, por mais que se tenha justa a fixação de patamares para aplicação do princípio da insignificância, não se podem haver critérios tão engessados, de modo a possibilitar que as situações venham a ser definidas de maneira justa. Além do julgado acima exposto, importante se faz trazer os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância:
Posto isto, em que pese o fato de se adquirir um determinado produto em território estrangeiro e trazê-lo para território nacional sem recolher o devido tributo possa vir a caracterizar o crime de descaminho, não se tem razoável que o agente venha a ser processado por situações ínfimas, sendo que, analisando-se paralelamente o fato de que o Estado sequer ocupa-se de cobrar devedores de tributos até determinada monta, não se teria razoável pleitear a condenação de qualquer agente que venha a praticar descaminho em valor ínfimo, pelo que, se tem pelo posicionamento favorável à aplicabilidade do princípio da insignificância em casos de descaminho. Guilherme Zorzi Rosa Advogado Especialista em Direito Empresarial REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: - BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição.. Saraiva, 8/2015. - CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 361), 6ª edição. Saraiva, 1/2016. - Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm - Acesso em 23/08/2018. - GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, 5ª Edição.. Saraiva, 12/2012 - HC 122213, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2014 PUBLIC 12-06-2014 [1]Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm- Acesso em 23/08/2018. [2]BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição.. Saraiva, 8/2015, Cit. p. 1.469. [3]CAMPOS, Pedro de. Direito penal aplicado: parte especial do código penal (arts. 121 a 361), 6ª edição.. Saraiva, 1/2016. Cit. p. 782. [4]BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição.. Saraiva, 8/2015, Cit. p. 1.469 [5]GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral, 5ª Edição.. Saraiva, 12/2012. Pág. 305. [6]HC 122213, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2014 PUBLIC 12-06-2014. [7]BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado, 9ª edição.. Saraiva, 8/2015, Cit. p. 1.482. Comments are closed.
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