1. REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 63.632. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgado em 25/10/2016. Ementa do julgado:
2. O CASO A autoridade policial representou pela prisão preventiva de J.J.D.J. E de outras 22 pessoas pela prática em tese dos crimes previstos nos artigos 33, caput, 35 c.c artigo 40, inciso I, todos da Lei nº 11.343/06 e artigo 1º da Lei nº 9.613/98. O juiz singular deferiu o pedido. Após o cumprimento do mandado, a defesa do recorrente pleiteou pela revogação da prisão preventiva, o que foi negado. Contra esta decisão foi impetrado Habeas Corpus perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (doravante TRF4), o qual teve a ordem denegada. Por fim, foi interposto o Recurso Ordinário em Habeas Corpus, objeto do presente estudo, que foi desprovido. Em todos os pleitos defensivos, dentre outras teses, foi requerido o relaxamento da prisão ante a não realização de audiência de custódia dos presos. Teses rechaçadas sob o fundamento de que a audiência de custódia só diz respeito as pessoas presas em flagrante e de que sua não realização não gera nulidade da prisão. 3. OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO A decisão tratou de modo muito tímido sobre a nulidade na manutenção da prisão em virtude da não realização da audiência de custódia. Iniciou citando a decisão proferida pelo juiz singular, o qual afirmou que “a audiência de custódia aplica-se exclusivamente para a prisão em flagrante delito”, decisão que foi corroborada quando da negação da ordem de habeas corpus pelo TRF4. Quando do enfrentamento do tema, a Sexta Turma afirmou que “mesmo nas hipótese em que o acusado é preso em flagrante, ato posterior convolado em prisão preventiva, 'a não realização da audiência de custódia não é suficiente, por si só, para ensejar a nulidade da prisão [...]”. De tal modo, negou provimento ao recurso, mantendo a prisão dos pacientes. 4. PROBLEMATIZAÇÃO[1] Inicialmente, cabe ponderar com ANDRADE que “no ano de 2002, o Brasil reconheceu a competência da CIDH, relativa à interpretação ou aplicação da CADH, envolvendo fatos posteriores a 10 de dezembro de 1988. Com isso, os Tribunais nacionais deixaram de ser emissores da última palavra sobre a interpretação atinente à respeitabilidade dos direitos e garantias previstos na CADH [...]”[2]. Desde a ratificação da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados entre Estados, de 1986, promulgada pelo Decreto nº 7030/2009, o Brasil não mais poderia negar aplicação de um tratado internacional, sob a justificativa de que seu ordenamento dispõe de maneira diversa (tal qual ainda ocorre), porquanto a Convenção dispõe no artigo 26 que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé” e no artigo 27, inciso 1, que “um Estado-parte de um tratado não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. O Conselho Nacional de Justiça (doravante CNJ), por meio da Resolução nº 213/2015, regulamentou a denominada audiência de custódia. Tal regulamentação atendeu não só a necessidade de nos adequarmos aos diversos pactos internacionais de direitos humanos, como também à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando do julgamento da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, ocasião em que foi reconhecido o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário. Com relação à necessidade de realização da audiência de custódia a ementa do acórdão da ADPF consignou que “AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão”[3]. Percebe-se, assim, que a justificativa dada pela Sexta Turma de que a não realização da audiência de custódia não leva, por si, ao relaxamento da prisão, não encontra respaldo nos tratados internacionais, nem ao que o STF decidiu quando do julgamento da ADPF. Dentre as disposições da Resolução nº 213, constou o dever de apresentação de toda pessoa presa, em flagrante (art. 1º) ou por mandado de prisão cautelar – preventiva ou temporária – ou definitiva (art. 13), à autoridade judicial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. O CNJ ao estabelecer que a audiência de custódia não se aplica tão só para as prisões em flagrante, devendo ser realizada, também, quando se tratar de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, cumpriu com as determinação da IDH[4]. Isto porque a Convenção Americana de Direitos Humanos (doravante CADH) não faz qualquer limitação no seu artigo 7.5, determinando a apresentação em juízo de toda e qualquer pessoa presa[5]. Como afirmado, o termo inicial para apresentação é o momento em que a pessoa é presa e privada de sua liberdade, tendo o CNJ optado por determinar o prazo de 24 horas[6], sendo a oitiva pessoal do preso pelo juiz um requisito procedimental essencial e indispensável. Em não sendo realizada a oitiva do preso pela autoridade judiciária, como mecanismo de controle de um ato realizado a non iudice, deve ser reconhecida a ilegalidade da prisão. Diversamente do que fez constar o acórdão, a obrigação do controle sucessivo ao prévio juízo (de decretação da prisão) não torna desnecessária a designação de audiência. Neste sentido, BADARÓ se manifestou, ainda antes da Resolução, nos seguintes termos:
Quanto à obrigatoriedade da apresentação, ANDRADE leciona que, dentre outros objetivos[8], a mesma visa a resguardar a contemporaneidade entre data prisão e fatos que a ensejaram e a provisionalidade da mesma:
A despeito do que foi decidido e de existirem doutrinadores defendendo que a custódia deve ser realizada tão só quando da prisão em flagrante[10], os mesmos acabam por ignorar a própria CADH, a interpretação dada pela IDH e a resolução nº 213 do CNJ. Como bem pontua ANDRADE, pode-se até questionar a finalidade a ser atingida com a realização de custódia de presos cautelares, mas não se pode negar o direito que estes têm de comparecer perante o juiz. Toda prisão cautelar cumprida sem que seja realizada a audiência de custódia deve ser relaxada nos termos do art. 5º, caput, inciso LXV, da Constituição Federal e, também, de acordo com a jurisprudência do IDH, a qual já sedimentou que “tanto la Corte Interamericana como la Corte Europea de Derechos Humanos han destacado la importancia que reviste el pronto control judicial de las detenciones. Quien es privado de libertad sin control judicial debe ser liberado o puesto inmediatamente a disposición de un juez”[11]. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mauro Fonseca de; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no Processo Penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. pg. 52. BADARÓ, Gustavo Henrique. Parecer. Disponível em: http://www.academia.edu/9457415/Parecer_-_Pris%C3%A3o_em_flagrante_delito_e_direito_%C3%A0_audi%C3%AAncia_de_cust%C3%B3dia. Acesso 30 mai.2016. MARÇAL, Vinicius; MASSON, Cléber. É possível conciliar a audiência de custódia e a prisão por mandado? Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/02/17/e-possivel-conciliar-a-audiencia-de-custodia-e-a-prisao-por-mandado/. Acesso em 27 jan.2018. [1] O breve estudo focará tão somente na necessidade de realização de audiências de custódia para pessoas presas cautelarmente, muito embora a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tenha falado brevemente sobre a audiência de pessoas presas em flagrante. [2] ANDRADE, Mauro Fonseca de; ALFLEN, Pablo Rodrigo. Audiência de Custódia no Processo Penal brasileiro. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. pg. 52. destacou-se. [3] ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016 [4] A Corte Interamericana no julgamento do Caso de Pessoas Dominicanas e Haitianas Expulsas vs. República Dominicana afirmou que “372. Diferentemente da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (doravante “Convenção Europeia”), a Convenção Americana não estabelece um limite para o exercício da garantia estabelecida no artigo 7.5 da Convenção, com base nos motivos e circunstâncias pelas quais a pessoa é presa ou detida. Por conseguinte, “em virtude do princípio pro persona, esta garantia deve ser executada sempre que exista uma prisão ou uma detenção de uma pessoa devido a sua situação migratória, conforme os princípios do controle judicial e imediação processual”. Este Tribunal considerou que, a fim de constituir um verdadeiro mecanismo de controle diante de detenções ilegais e arbitrárias“. [5] Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. [6] Especificamente com relação ao prazo fixado pelo CNJ, Andrade destaca que pode ter ocorrido precipitação por parte do CNJ: “Uma visita às posições já assumidas pelas Cortes internacionais e pela própria ONU permite concluir que não há nenhum absurdo em se efetiva a apresentação de toda pessoa presa ou detida ao juiz ou outra autoridade em um prazo superior a 24 horas. A jurisprudência da CIDH vê com tranquilidade o fato de esse prazo ser fixado em até 48 horas, ao passo que o TEDH e o Comitê de Direitos Humanos da ONU consideram que tal prazo estará dentro do razoável. Porém, a questão não é simples e merece uma ponderação.”. ob. Citada. p. 71. [7] BADARÓ, Gustavo Henrique. Parecer. Disponível em: http://www.academia.edu/9457415/Parecer_-_Pris%C3%A3o_em_flagrante_delito_e_direito_%C3%A0_audi%C3%AAncia_de_cust%C3%B3dia. Acesso 30 mai.2016. [8] Veja-se protocolos da Resolução nº 213 e fundamentos da ADPF 347. [9] ANDRADE. ob. Citada. p. 59. [10] Veja-se Masson e Marçal:http://genjuridico.com.br/2016/02/17/e-possivel-conciliar-a-audiencia-de-custodia-e-a-prisao-por-mandado/. Acesso em 27 jan.2018. [11] Caso Tibi vs. Ecuador. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_114_esp.pdf. Acesso em 27 jan.2018. Comments are closed.
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