E o menino do Acre, finalmente, apareceu. Talvez agora, depois de tanto tempo, já não seja mais tão fácil lembrar do que aconteceu e como o caso ficou conhecido. Ou, quem sabe, já não tenha mais tanta importância e não chame a mesma atenção. Aliás, nem foi mencionado o nome dele ainda. Pois bem, comecemos do início.
No final de março deste ano, Bruno Borges, um jovem de 25 anos residente do Acre, desapareceu. Ao verificar, sua família deparou-se com um quarto praticamente vazio, com exceção de uma estátua do filósofo Giordano Bruno, de paredes rabiscadas com códigos e com quatorze livros escritos por ele próprio, todos criptografados. O mistério, por si só, já despertaria interesse. Ninguém soube nada de seu paradeiro, a princípio. Consequentemente, a polícia foi acionada para investigar o caso. A cada dia, apareciam mais notícias sobre o que foi encontrado em seu quarto, e menos sobre Bruno, até que alguns de seus amigos falaram que tudo havia sido planejado. Borges, afinal, não tinha sido sequestrado, mas programou a saída de casa, como uma forma de alertar o mundo para a importância do conhecimento. Quatro meses depois, por iniciativa da família, o primeiro de seus livros foi publicado. Depois de algum tempo em que isso ocorreu, Bruno voltou normalmente para casa, pois, conforme ele, sua meta foi alcançada já nos dois primeiros meses, então, começou a se preparar para o retorno (BRASIL, 2017). Em entrevistas anteriores, sua mãe, que é psicóloga, afirmou que nunca detectou traços de qualquer transtorno mental em seu filho. Tomando isso como base, qual seria, então, a meta de Bruno Borges? Sem adentrar na intencionalidade da situação, o mistério envolvendo o sumiço do “menino do Acre” fomentou a curiosidade em relação aos seus livros, fazendo com que este fosse visto por muitos como uma das melhores jogadas de marketing da atualidade. Pesquisando um pouco, os comentários de pessoas que já leram a primeira de suas obras, em sua maioria, não são elogiosos, sendo que a percepção de perda de tempo é uma das mais comuns. E, falando nisso, com toda essa “enxurrada” de informações (tais quais estão frequentemente na mídia), como ficou o tempo disposto para a investigação do caso de seu suposto desaparecimento? Não são encontradas muitas informações de como isso será levado. Bruno reapareceu dia 11 de agosto e, de acordo com o delegado encarregado, seria ouvido em breve. Entretanto, não há mais nada relacionado que nos dê indicação de como o caso será trabalhado. Não que seja algo positivo a mídia divulgar tais tipos de detalhes, mas a história como um todo demandou de tempo e esforço por parte da polícia e que, até agora, não teve um desfecho. Preocupa-se muito mais na suposta estratégia de marketing, que, por sinal, funcionou tão bem que pessoas no Brasil todo buscam por opiniões sobre os livros e sobre a vida pessoal de Bruno e da família. A busca pelo conhecimento, que, em tese, seria o propulsor do plano do jovem, também é descartada, pois não há espaço para uma interpretação crítica acerca do que ocorreu, quando há tanto holofote para coisas superficiais. Esse é apenas um caso que, com certeza, teve mais enfoque que muitos outros, mas que ilustra bem uma das formas que o Brasil enxerga o trabalho da polícia e, posteriormente, do sistema judicial. Não há seriedade e o propósito não é cumprido. E não se trata apenas do olhar de “cima para baixo” e da falta de investimento na área, mas o olhar da população também. Não é de hoje que podem ser percebidas ameaças de “chamar a polícia” ou processar alguém. Não deveriam ser ameaças, já que tem o objetivo de cumprimento da lei. Mas essas expressões acabam sendo utilizadas levianamente, o que comprova a utilização de tais instâncias como algo corriqueiro e banal. Assim também ocorre de uma outra forma, como foi apresentado no caso de Bruno Borges. Onde foi parar o trabalho da polícia? Sabendo dos desdobramentos de seu desaparecimento, o trabalho foi, de fato, necessário? Será que não poderia ter sido utilizado para causas e casos mais significativos? Aguardaremos os próximos capítulos. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BRASIL, Janine. Bruno Borges diz que arriscou a vida e integridade para 'despertar sociedade adoecida’. Disponível em <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/bruno-borges-diz-que-arriscou-a-vida-e-integridade-para-despertar-sociedade-adoecida.ghtml>. Acesso em 19 ago. 2017. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |