1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
REsp 1557461/SC, Rel. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 15/03/2018 Ementa do julgado: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DE PENAS. SUPERVENIÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. TERMO A QUO PARA CONCESSÃO DE NOVOS BENEFÍCIOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. ACÓRDÃO MANTIDO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A superveniência de nova condenação no curso da execução penal enseja a unificação das reprimendas impostas ao reeducando. Caso o quantum obtido após o somatório torne incabível o regime atual, está o condenado sujeito a regressão a regime de cumprimento de pena mais gravoso, consoante inteligência dos arts. 111, parágrafo único, e 118, II, da Lei de Execução Penal. 2. A alteração da data-base para concessão de novos benefícios executórios, em razão da unificação das penas, não encontra respaldo legal. Portanto, a desconsideração do período de cumprimento de pena desde a última prisão ou desde a última infração disciplinar, seja por delito ocorrido antes do início da execução da pena, seja por crime praticado depois e já apontado como falta disciplinar grave, configura excesso de execução. 3. Caso o crime cometido no curso da execução tenha sido registrado como infração disciplinar, seus efeitos já repercutiram no bojo do cumprimento da pena, pois, segundo a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, a prática de falta grave interrompe a data-base para concessão de novos benefícios executórios, à exceção do livramento condicional, da comutação de penas e do indulto. Portanto, a superveniência do trânsito em julgado da sentença condenatória não poderia servir de parâmetro para análise do mérito do apenado, sob pena de flagrante bis in idem. 4. O delito praticado antes do início da execução da pena não constitui parâmetro idôneo de avaliação do mérito do apenado, porquanto evento anterior ao início do resgate das reprimendas impostas não desmerece hodiernamente o comportamento do sentenciado. As condenações por fatos pretéritos não se prestam a macular a avaliação do comportamento do sentenciado, visto que estranhas ao processo de resgate da pena. 5. Recurso não provido. 2 O CASO Cuida-se de Recurso Especial interposto pelo Ministério Púbico do Estado de Santa Catarina contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do mesmo Estado. Dos autos consta que o recorrido foi preso em flagrante no dia 29/04/2010 pela prática de diversos crimes e, ao final, condenado à pena de nove anos de reclusão a ser cumprida em regime inicial fechado. Desta condenação foi expedida guia de recolhimento de execução provisória. Posteriormente, o recorrido foi condenado pela prática de uma adulteração de veículo automotor, por fato ocorrido em 02/01/2006, à pena de três anos reclusão a ser cumprida em regime inicial aberto, pena transitada em julgado no dia 29/06/2011. Por fim, foi condenado pelo crime de receptação, por fato ocorrido em 07/07/2008, ocorrendo o trânsito em julgado no dia 31/08/2012. Quando da unificação das penas, o juiz singular manteve o regime fechado e, também, a data-base para fins de progressão de regime como sendo a de sua última prisão em flagrante e que gerou a primeira guia de recolhimento de pena. O Ministério Público catarinense interpôs agravo em execução, o qual foi conhecido e desprovido, nos seguintes termos: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO QUE DEFERIU BENEFÍCIO DE PROGRESSÃO DE REGIME A APENADO. INCONFORMISMO QUANTO AO MARCO INICIAL PARA A CONTAGEM DO PERÍODO NECESSÁRIO AO DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. INDIVÍDUO QUE, NO DECORRER DA EXECUÇÃO PENAL, SOFREU OUTRA CONDENAÇÃO PENAL POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. SUPERVENIENTE UNIFICAÇÃO DAS PENAS QUE NÃO ALTEROU O REGIME DE CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA. HIPÓTESE QUE INVIABILIZA A FIXAÇÃO DA DATA-BASE NA DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA ÚLTIMA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Considera-se como marco inicial para o cômputo do prazo previsto no artigo 112 da Lei de Execução Penal a data do trânsito em julgado da última condenação na hipótese em que o somatório de penas agrava o regime de cumprimento, contudo, em não havendo referida alteração, mantém-se como marco a data da última prisão" Inconformado, foi interposto o Recurso Especial que se estuda, alegando-se contrariedade aos artigos 111, parágrafo único, e 118, inciso II, ambos da Lei de Execuções Penais, por não ter sido alterada a data-base para fins de benefícios legais. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO De início, o Ministro Cruz destacou que das redações dos artigos[1] aos que se alegava contrariedade não se infere que é obrigatória a alteração da data-base para concessão de novos benefícios. Por ausência de previsão legal para que seja alterada a data-base, afirmou que sua alteração acarreta ofensa ao princípio da legalidade: Por conseguinte, deduz-se da exposição supra que a alteração do termo a quo referente à concessão de novos benefícios no bojo da execução da pena constitui afronta ao princípio da legalidade e ofensa à individualização da pena, motivos pelos quais se faz necessária a preservação do marco interruptivo anterior à unificação das penas, pois a alteração da data-base não é consectário imediato do somatório das reprimendas impostas ao sentenciado. No entanto, ainda que assim não fosse, o reinício do marco temporal permanece sem guarida se analisados seus efeitos na avaliação do comportamento do reeducando Além da ausência de previsão legal, destacou que a prática de crime no curso da execução penal implica em falta grave, que independe do trânsito em julgado para o reconhecimento. Assim, considerar que quando da prática do crime se pode alterar a data-base pela prática de falta grave e, após, quando do trânsito em julgado de sentença condenatória se pode alterar mais uma vez a pena-base, caracteriza bis in idem.: No entanto, caso o reeducando venha a ser condenado pela prática do delito cometido no curso da execução, a superveniência do trânsito em julgado da sentença condenatória, segundo a jurisprudência desta Egrégia Corte, acarretará a unificação das penas a ele impostas e, novamente, a alteração da data-base para concessão de novos benefícios, o que já havia ocorrido apenas diante da prática da falta grave. Assim sendo, o apenado seria punido novamente, em um verdadeiro bis in idem, visto que o mesmo evento, a saber, a prática de fato definido como crime doloso, proporcionaria, por duas vezes, a alteração da data-base para concessão de novos benefícios, de maneira a ocasionar flagrante constrangimento ilegal. O Ministro esclareceu que crimes praticados antes do início do cumprimento de pena não podem agravar sua situação prisional fazendo com que o início da data base seja alterado, isto porque não se pode avaliar o mérito no cumprimento de pena do condenado: Assim, um delito cometido antes de iniciar-se o cumprimento da pena não possui o condão de subsidiar a análise do desenvolvimento da conduta do condenado e, por conseguinte, não deve ser utilizado como critério para que se proceda ao desprezo do período de pena cumprido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, em face do reinício do marco temporal relativo aos benefícios executórios. Por fim, o Ministro pontuou que com a unificação da pena e o, consequente, aumento do quantum a cumprir já se tem a reprimenda necessária ao condenado, configurando excesso de execução a alteração da data base. Dos votos que acompanharam o Ministro Relator, importante destacar o proferido pelo Ministro Fonseca, o qual destacou que a impossibilidade de alteração da data base já era defendida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Nélson Jobim, acrescentando que: Reitero, portanto, que a data do trânsito em julgado ou data em que se procedeu à unificação não tem nenhuma repercussão sobre a execução penal, uma vez que esta se pauta pelo critério objetivo, tempo de pena cumprido em determinado regime, e subjetivo, comportamento do apenado durante referido período de tempo. Se a unificação apenas mantém o apenado no regime em que ele já se encontra, não há porque se descontar o tempo de pena já cumprido e se iniciar novo cômputo do critério objetivo, porquanto, reitero, a unificação ou a soma das penas não reflete no comportamento do reeducando mais apenas no parâmetro objetivo concernente ao total da pena. São os fundamentos da decisão. 4 PROBLEMATIZAÇÃO Um caso prático pode demonstrar como os tribunais brasileiros estão agindo e, contra a lei, prejudicando a situação dos presos: 1) Caso: DETENTA foi condenada pela Juíza de Direito da 5ª Vara Criminal de Curitiba à pena de 10 anos 4 meses e 13 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, por ter cometido três roubos majorados, sendo o 1º fato dia 16/06/2012, 2º fato dia 20 de agosto de 2012 e 3º fato dia 31 de outubro de 2012, sendo reconhecida a continuidade delitiva. Iniciou o cumprimento de sua pena. Posteriormente, foi juntada nova guia de recolhimento definitiva, da qual se constata que a DETENTA foi condenada pelo Juiz de Direito da 12ª Vara Criminal de Curitiba à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial semiaberto, por ter praticado um roubo no dia 06 de novembro de 2012, com trânsito em julgado no dia 21 de setembro de 2015 De acordo com a jurisprudência que prevalecia até o julgamento do Recurso Especial que se estuda, a DETENTA teria sua situação prisional severamente prejudicada. Isso porque no Caso, a data-base seria alterada do dia 16/06/2012 para o dia 21 de setembro de 2015. Quais as consequências práticas de tais alterações? À época do novo trânsito em julgado, a DETENTA teria cumprido 3 anos, 3 meses e 5 de sua reprimenda, já tendo alcançado o regime semiaberto. Com a unificação da pena e sem a alteração da data base, não precisaria regressar ao regime fechado, vez que sua pena seria unificada (ignorando-se seu direito ao reconhecimento da continuidade delitiva) em 15 anos, 8 meses e 13 dias, o que gera uma progressão ao regime semiaberto com o cumprimento de 2 anos, 7 meses e 12 dias. Por outro lado, com a unificação da pena e a alteração da data-base, sua pena seria unificada nos mesmos 15 anos, 8 meses e 13 dias, porém seria regredida de regime, devendo cumprir 2 anos e 26 dias para voltar ao semiaberto. Diferença significativa para uma pessoa enclausurada. Ao agir assim, ignorando o princípio da legalidade, também, se ignora que todas as decisões a serem tomadas em sede de Execução Penal devem estar voltadas aos fins constitucionais e legais, vez que o cumprimento da pena tem como objetivo “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (art. 1º da LEP). Além de toda motivação expostas nos votos vencedores, deve-se destacar que a demora a demora no processamento e na condenação decorre, em grande parte das vezes, por culpa do Estado e não dos detentos. E, se a demora na tramitação do inquérito policial e do processo criminal não podem ser atribuídas ao condenado, é certo que não existe nenhuma pretensão de justiça com alteração da data-base. Entendimento contrário possibilitaria e seria um incentivo ao Estado para que demorasse na persecução dos fatos criminosos de pessoas que cumprem pena. A respeito da alteração da data-base, veja-se que o Juiz Eduardo Fagundes se manifestou em recente reportagem da Gazeta do Povo[2]: Vários magistrados, como o titular da 1ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, Eduardo Fagundes, fixam a data-base a partir do dia em que o segundo crime foi cometido. Em muitos casos, ao esperar todos os recursos terminarem, explica Fagundes, um condenado a seis anos, que poderia receber o benefício de progressão de regime após um ano de prisão [um sexto da pena, conforme determina a Lei de Execuções Penais], poderá recebê-lo apenas após dois ou três anos devido a lentidão do Judiciário. O defensor público Alexandre Gonçalves Kassama, também contrário a data-base após fim de recursos, argumenta que essa possibilidade pode gerar “quase um salvo conduto” para o preso fazer o que quiser até o final dos recursos. Seria um efeito contrário do que pretendem os que defendem a interpretação mais rigorosa. A Defensoria Pública do Paraná entrou com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal questionando essa interpretação para casos de três presas da região da capital. Mas as consequências, segundo Fagundes, são ainda piores. Segundo ele, a espera pelo trânsito em julgado gera demora em concessão de benefícios, ou seja, menos presos saem dos presídios. Fagundes diz acreditar que, em um sistema superlotado, conceder de forma célere o direito de progressão aos detentos, além de cumprir a lei, é uma forma de resolver a situação carcerária. Como bem ressaltou o e. Juiz, a interpretação que entende por alterar a data-base pode ter efeitos muito piores num Sistema Penal, que já teve seu estado de coisas declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Com o entendimento de que o tempo de pena cumprido de fato não vale para fins de cômputo do lapso para implemento dos direitos subjetivos insculpidos na LEP, há um aumento de permanência dos sentenciados no cárcere. Esse prolongamento de tempo no cárcere é inexplicável para o condenado que cumpre sua pena. Assim, este fica mais tempo segregado, o que o distancia cada vez mais da sociedade. A missão do direito penal lato sensu é a realização do controle social do intolerável e como bem ressalta BUSATO “o Direito Penal não é o melhor meio de controle social e nem mesmo o mais importante. A escola, a religião, o sistema laboral, as organizações sindicais, os partidos políticos, a educação familiar, as mensagens emitias pelos meios de comunicação, o entorno no qual se desenvolvem as relações sociais etc. São instrumentos informais de controle social que atuam antes da ocorrência do desvio de conduta e inclusive são mais efetivos e mais importantes que o Direito Penal”[3]. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um direito penal democrático, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/interpretacoes-distintas-sobre-contagem-da-pena-elevam-tensao-em-presidios-do-pr-90gobd42fovev4a8nq8axf8l6. Acesso em 24.01.2016. [1] Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime. Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111). [2] Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/interpretacoes-distintas-sobre-contagem-da-pena-elevam-tensao-em-presidios-do-pr-90gobd42fovev4a8nq8axf8l6. Acesso em 24.01.2016. [3] BUSATO, Paulo César. Fundamentos para um direito penal democrático, 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 66. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |