Antonio Rodolfo Franco e Felinto Martins Filho no sala de aula criminal, abordando o importante tema da execução da pena no caso Robinho, vale a leitura! ''Uma outra hipótese de homologação de sentença estrangeira encontra-se no art. 100 da Lei nº 13.455/2017 (Lei de Migração), na qual é prevista a possibilidade da transferência da execução da pena respeitados os seguintes requisitos: “I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; II - a sentença tiver transitado em julgado; III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e V - houver tratado ou promessa de reciprocidade”. Por Antonio Rodolfo Franco e Felinto Martins Filho No dia 19 de janeiro, o Judiciário italiano julgou recurso da Defesa do jogador de futebol brasileiro Robinho, confirmando sua condenação e mantendo a pena de 09 (nove) anos aplicada na instância inferior. Para além da discussão sobre se o jogador praticou ou não o crime, o objetivo deste ensaio é propor uma solução acerca da possibilidade de Robinho ter sua pena executada ou sofrer punição do Brasil pelo ato cometido na Itália.
O primeiro ponto a ser enfrentado diz respeito à aplicação da lei penal no espaço. Tratando-se de extraterritorialidade, há duas possibilidades de aplicação da lei penal brasileira a crime cometido fora do nosso país, previstas no Código Penal. O art. 7º do Código dispõe sobre o tema, dividindo a extraterritorialidade em duas espécies: incondicionada (inciso I) e condicionada (inciso II combinado com o §2º). Robinho não praticou os crimes da hipótese do inciso I, portanto não se trata de punibilidade incondicionada. Já em relação ao inciso II, a previsão da alínea “a” determina a punição por crime praticado no estrangeiro nos casos em que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimi-los. Contudo, condiciona-se às hipóteses de seu §2º, entre as quais, como previsto na alínea “c”, estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição. Como visto, não é o caso de Robinho, por esse motivo ele não poderá ser julgado no Brasil pelo fato praticado na Itália. Descartado o julgamento em solo nacional, uma hipótese levantada por diversos juristas foi a da execução no Brasil da condenação italiana. O Código Penal, em seu art. 9º, dispõe que a sentença estrangeira só poderá ser homologada para “obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis” (inciso I) ou para “sujeitá-lo a medida de segurança” (inciso II). For força da taxatividade em matéria penal, não é possível homologação da sentença italiana para cumprimento de pena no Brasil. Uma outra hipótese de homologação de sentença estrangeira encontra-se no art. 100 da Lei nº 13.455/2017 (Lei de Migração), na qual é prevista a possibilidade da transferência da execução da pena respeitados os seguintes requisitos: “I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil; II - a sentença tiver transitado em julgado; III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação; IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e V - houver tratado ou promessa de reciprocidade”. No entanto, o art. 100 prevê uma modalidade de extradição, devendo a expressão referente à nacionalidade ser entendida como hipótese de naturalização, no inciso I. A extradição pode ser solicitada para julgamento ou para execução da pena, mas à evidência, a vedação constitucional abrange ambas as modalidades, sob pena de se fazer tábula rasa ao direito fundamental com mero jogo de palavras. Se o constituinte não permite o julgamento de brasileiro nato por crime praticado no estrangeiro, com maior razão proíbe a execução da pena a ele imposta em outro país. O STJ, no entanto, já aplicou a referida Lei de Migração para permitir a execução da pena de brasileiro nato no Brasil, tratando-se caso julgado em Portugal (Carta Rogatória 15.889). Na decisão, poderia ter incidência inclusive o Decreto 8.049/13, que promulga a Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, mas que se aplica apenas a países de língua Portuguesa, não sendo o caso de Robinho. O precedente, para além das especificidades que o distinguem, não deixa de indicar a possibilidade de uma interpretação favorável à execução da pena no Brasil. Na decisão foi invocada a própria Lei de Migração. O impasse permanece, o que também nos conduz a um segundo ponto. A Lei de Migração, que não é restrita aos países de língua portuguesa, entrou em vigor somente no ano de 2017, posteriormente, portanto, ao crime praticado por Robinho, que o teria cometido em 2013. Para além do conflito constitucional que veda a extradição, abrangendo a redação do art. 100 da Lei de Migração, a nova lei, por sua natureza penal, não poderia ser aplicada retroativamente. O que poderemos esperar de futura decisão? Não nos surpreenderia se o STJ mais uma vez ignorasse a questão constitucional subjacente. Mas e se levado o caso ao Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição? Ora, já em 1930 Jerome Frank observou que “a questão não é sobre se devemos adotar a liberdade das decisões judiciais, mas se nós podemos admitir que já o fazemos”¹. Ali, o pai do realismo norteamericano constatava a discricionariedade epistêmica do direito, e a possibilidade, que não escapa à crítica, de decisões baseadas em conveniência política ou mesmo diplomáticas. A questão divide opiniões e certamente dividirá os tribunais, mas não se deve seguir o pessimismo do famoso juiz da Suprema Corte americana, Oliver Homes, segundo quem o que nós entendemos como direito é nada mais que as profecias sobre o que os tribunais decidirão de fato². Cabe à doutrina e aos juristas práticos o constrangimento epistemológico dos tribunais para que ofereçam uma justificativa convincente de suas decisões, de acordo com o direito vigente, sem que se furtem a responder os problemas apresentados. Ignorar que o art. 100 da Lei de Migração pressupõe a possibilidade de extradição é negar a força normativa do art. 5º, LI. O tema não pode encerrar-se no STJ, sendo viável até mesmo o manejo do remédio heroico de habeas corpus perante o Guardião da Constituição, pois o caso Robinho nos traz, sem dúvidas, uma questão constitucional. Antonio Rodolfo Franco Mestre em Direito Constitucional pela Unifor. Professor da Unichristus. Advogado. Felinto Martins Filho Doutorando e mestre em Direito Constitucional pela Unifor. Vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/CE. Advogado. NOTAS:
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