Artigo do colunista Iuri Machado no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Toda o debate acerca da possível perda de imparcialidade pode vir a ser sanado com a instituição do Juiz das Garantias, figura processual que vem causando grande e indevida perplexidade, tendo sido alvo de inúmeras ADIs[5]. Não se pretende fazer um estudo acerca do mesmo, mas tão somente apontar que sua instituição no Brasil tem como finalidade melhorar a imparcialidade dos julgadores. Não há nenhuma afirmativa (defesa de doutrinadores) no sentido de que os magistrados erraram durante anos, que foram parciais por todos os anos pós Constituição Federal, tal qual exposto pela presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros[6], mas sim impedir que possa haver erros em virtude de parcialidade, que, sim, podem existir e não ser detectadas pelas partes processuais''. Por Iuri Victor Romero Machado Para ler a parte 2 do artigo, acesse: www.salacriminal.com/home/e-possivel-falar-em-imparcialidade-do-juiz-que-homologa-acordo-de-colaboracao-premiada-e-julga-o-merito-parte-2.
6 A PARCIALIDADE JUDICIAL PÓS HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO: JUIZ DAS GARANTIAS COMO APRIMORAMENTO DA IMPARCIALIDADE Consoante exposto até o momento, para as cortes internacionais não basta que o juiz tenha participado da fase pré-processual para que seja considerado impedido de julgar o mérito do processo, senão se faz necessário que tenha tomado decisões acerca da autoria do fato criminoso, tenha valorado as provas, tenha agido como juiz instrutor (que investiga de ofício), dentre outras hipóteses. De tal modo, de início, pode-se afirmar que todas as decisões proferidas e que excedam na linguagem fazem com que o julgador se torne imparcial, sendo impedido de julgar o mérito do processo, conforme aponta Badaró: É possível, também, que algumas decisões que, abstratamente consideradas, não pudessem gerar dúvidas sobre a imparcialidade objetiva, a concreta e específica fundamentação da decisão indique que houve um claro e efetivo prejulgamento. Se o juiz na motivação da decisão fizer afirmativas categóricas sobre a existência do crime ou a autoria delitiva, com expressões tais como “está cabalmente comprovado que houve ofensa à honra”, “não há dúvida alguma que foi o acusado o autor do roubo”, “a legítima defesa deve ser totalmente excluída” etc..., em tais situações haverá uma antecipação do julgamento, com um juízo prévio de culpabilidade, que permitirá ao acusado legitimamente suspeitar da imparcialidade do julgador.[1] Do mesmo modo, tem-se que o art. 156 do Código de Processo Penal é causa de impedimento para o julgamento do mérito, porquanto a imparcialidade objetiva restará maculada. Outrossim, quanto aos acordos de colaboração premiada, deve-se atentar para alguns detalhes da legislação: o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu[2]; nenhuma medida cautelar, recebimento da denúncia ou sentença pode ser proferida com base exclusiva na palavra do colaborador[3];o juiz deve analisar regularidade e legalidade do acordo e na sentença apreciar sua eficácia[4]. Muito embora se afirme que na fase de homologação o juiz não precisa valorar o teor do acordo, tal afirmativa não condiz com a realidade, afinal como não valorar o teor da confissão do colaborador, que segundo o Supremo Tribunal Federal é meio de prova? Por exemplo, para decretar uma medida cautelar de busca, a confissão do colaborador não deve ser valorada, ou o juiz dará uma carta em branca ao colaborador decretando qualquer medida invasiva de direitos fundamentais só com base no que foi afirmado por ele? Mesmo que sejam realizadas investigações pelos órgãos de persecução para angariar elementos de informação que corroborem as palavras do colaborador, parece razoável que o juiz valore o que foi confessado em conjunto com o que foi delatado, não? Continuando o raciocínio, se o colaborador X afirmasse que em coautoria com Y teriam cometido crimes e que os produtos dos crimes estariam protegidos em uma propriedade de Y, ao decretar a busca e ser obtido êxito na apreensão, não estaria o juiz já vinculado com uma parte do que foi acordado? A confissão e delação em conjunto com meios de prova diversos, os quais são obrigatórios por lei, e que sejam exitosos não acarretariam em uma vinculação do julgador ao prêmio? E, se há tal vinculação, como não ocorrer prejuízo aos demais corréus? Se houve êxito, o juiz deve conceder o prêmio e condenar demais corréus? Se é certo que existem êxitos parciais, também é certo que nas hipóteses em que a colaboração foi firmada antes do recebimento da denúncia, tais êxitos já seriam de conhecimento do julgador, em prejuízo dos corréus e a pergunta continuaria sendo a mesma formulada por último. O acordo de colaboração premiada não pode prever a condenação criminal dos corréus, mas sim meios para que esta seja atingida. E, estes meios já são de conhecimento do juiz quando do recebimento da denúncia. Conforme procura se demonstrar, o direito subjetivo ao prêmio homologado por um juiz é incompatível com sua necessária imparcialidade quando do julgamento do mérito. Não se pode confundir a homologação do acordo de colaboração com tudo que a acompanha e decorre dela, afinal a colaboração não se encerra na confissão e delação, esta é meio de prova e deve, necessariamente, vir acompanhada de outros meios de prova ou indicar como chegar a eles. Tem-se que é possível constatar possível parcialidade do julgador que tenha homologado o acordo, muito embora não se tenha proferido, de forma expressa, uma decisão acerca da provável culpa dos acusados, na medida em que sua vinculação ao que foi homologado, valorando-se a confissão com os demais meios de prova, macula sua imparcialidade objetiva. Toda o debate acerca da possível perda de imparcialidade pode vir a ser sanado com a instituição do Juiz das Garantias, figura processual que vem causando grande e indevida perplexidade, tendo sido alvo de inúmeras ADIs[5]. Não se pretende fazer um estudo acerca do mesmo, mas tão somente apontar que sua instituição no Brasil tem como finalidade melhorar a imparcialidade dos julgadores. Não há nenhuma afirmativa (defesa de doutrinadores) no sentido de que os magistrados erraram durante anos, que foram parciais por todos os anos pós Constituição Federal, tal qual exposto pela presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros[6], mas sim impedir que possa haver erros em virtude de parcialidade, que, sim, podem existir e não ser detectadas pelas partes processuais. Pode-se não concordar com seus fundamentos, com sua instituição, mas não se pode taxá-lo de inconstitucional, como bem leciona Pacelli[7]: Em primeiro lugar, nada tem de inconstitucional a previsão legislativa que cria causa específica de impedimento do magistrado, ao fundamento da existência de risco fundado de antecipação de juízo em fase anterior ao exercício da ampla defesa. Isso existe mundo afora. Não é preciso tanto barulho por isso. Apesar de não ser uma figura essencial para um processo democrático, tal qual se verifica dos julgados das cortes internacionais, a delimitação da competência para atuação na fase pré-processual, conforme disposto no art. 3º-C[8], fará com que todos os atos de investigação (todos os elementos de informação) não sejam apreciados pelo julgador do mérito, evitando, assim, que este possa vir a ser contaminado por tudo aquilo que foi essencial para formação da opinio delicti por parte do Ministério Público. Ainda, impedirá que o juiz que tenha homologado o acordo e recebido a denúncia possa vir a ser tornar parcial para julgar demais corréus. 7 CONCLUSÃO No decorrer do artigo, procurou-se demonstrar que a proteção da imparcialidade é essencial para um processo penal democrático, sendo o direito ao julgamento por um juiz imparcial o princípio unificador de um sistema acusatório. Conforme pode se constatar, o Supremo Tribunal Federal entende que o acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção de prova e que a confissão/delação é um meio de prova, sendo que nenhum recebimento de denúncia pode ser proferido sem que existam outros meios de prova, razão pela qual, quando desta decisão, o julgador já está vinculado com o prêmio ao colaborador. Pode-se constatar que a imparcialidade é resguardada dos mais diversos modos pelas cortes internacionais, sendo correto afirmar que o fato de o juiz ter atuado na fase pré-processual não o impede, por si só, de julgar o mérito do processo, razão pela qual se constata que o juiz das garantias não é uma figura essencial para um sistema acusatório. Nada obstante, sua instituição no Brasil poderá melhorar a imparcialidade do julgador, afastando-o da fase investigativa, impedindo-o de ter contato com os elementos informativos produzidos, melhorando assim a prestação jurisdicional. As indagações feitas no artigo podem e devem ser melhoradas e aprofundadas no resguardo de uma justa prestação jurisdicional nos processos decorrentes de acordos de colaboração premiada nos quais o colaborador atingiu seus objetivos na indicação de provas. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Mauro Fonseca. Juiz das Garantias. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2015. BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. _____. Direito ao julgamento por um juiz imparcial: como assegurar a imparcialidade objetiva no juiz nos sistemas em que não há a função do juiz das garantias. Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/ano-2011-direito-ao-julgamento-por-juiz-imparcial-como-assegurar-a-imparcialidade-objetiva-no-juiz-nos-sistemas-em-que-nao-ha-a-funcao-do-juiz-de-garantias.html>. Acesso em 28/04/2020. CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica vol. I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso Palamara Iribarne Vs. ChileSentencia de 22 de noviembre de 2005. _____. Voto Razonado Del Juez Sergio Garcia Ramirez En La Sentencia Sobre El Caso Fermin Ramirez Vs. Guatemala, Del 18 De Junio De2005. European Court Of Human Rights court (CHAMBER) Case Of Piersack V. Belgium (Application No. 8692/79). _____ (CHAMBER) Case Of De Cubber V. Belgium (Application No. 9186/80). _____ (PLENARY) Case Of Hauschildt V. Denmark (Application No. 10486/83). FAYET, Fábio Agnet. Ânimo persecutório do magistrado: a quebra do dever de imparcialidade e sucessivas decisões contrárias ao direito à prova defensiva. Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/revista/index.php/RBDPP/article/view/143>. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues. Organizações Criminosas e Técnicas Especiais de Investigação. , Salvador: JusPodivm, 2015. GUIMARÃES, Rodrigo Regnier Chemim. O conceito de “sistema” e sua importância para a reforma do processo penal. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/colunistas/rodrigo-chemim-guimaraes/o-conceito-de-sistema-e-sua-importancia-para-a-reforma-do-processo-penal-d8d6yw585dmsewuumi3muljt9/>. Acesso em 26/04/2020. _____. Reforma do Código de Processo Penal: de qual “sistema acusatório” estamos falando? Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/colunistas/rodrigo-chemim-guimaraes/reforma-do-codigo-de-processo-penal-de-qual-sistema-acusatorio-estamos-falando-bqxmzx2pddfjj4kdxowmyg585/?ref=link-interno-materia>. Acesso em 26/04/2020. PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2020. Iuri Victor Romero Machado. Advogado. Professor de Direito Penal e Processo Penal em cursos preparatórios. Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal. NOTAS: [1] Disponível em: <http://www.badaroadvogados.com.br/ano-2011-direito-ao-julgamento-por-juiz-imparcial-como-assegurar-a-imparcialidade-objetiva-no-juiz-nos-sistemas-em-que-nao-ha-a-funcao-do-juiz-de-garantias.html>. Acesso em 27/04/2020. [2] Art. 3º-C § 3º No acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados. [3] § 16. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador: I - medidas cautelares reais ou pessoais; II - recebimento de denúncia ou queixa-crime; III - sentença condenatória. [4] § 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. [5] ADI 6298, ADI 6299, ADI 6300, ADI 6305. [6] Disponível em: <https://www.amb.com.br/em-entrevista-folha-de-s-paulo-renata-gil-afirma-que-juiz-das-garantias-fere-constituicao/?doing_wp_cron=1588157558.1613020896911621093750>. Acesso em 29/04/2020. [7] PACELLI, Eugênio. Juiz das garantias: muito barulho por nem tanto. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-dez-28/eugenio-pacelli-juiz-garantias-barulho-nem-tanto>. Acesso em: 28/04/2010. [8] ‘Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
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