Artigo do colunista Iuri Machado sobre a eficácia objetiva da representação: oportunidade ou obrigatoriedade, vale a leitura! ''A legislação processual é omissa quanto à possibilidade de a representação ser ou não ofertada em face de somente um/alguns dos autores de um fato criminoso praticado em concurso de pessoas, diversamente do que ocorre quanto ao exercício ação penal privada, cuja queixa-crime deve ser oferecida necessariamente em face de todos os autores, por força do princípio da indivisibilidade (a ação penal privada tem como princípios regulamentadores a oportunidade, disponibilidade e indivisibilidade), cabendo ao Ministério Público fiscalizar o exercício desta''. Por Iuri Machado 1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
AgRg no REsp 1558569/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/11/2016, DJe 01/12/2016 Ementa do julgado: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ARTS. 303 E 304, AMBOS DA LEI N. 9.503/1997. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONA. INCLUSÃO DE OUTROS ENVOLVIDOS QUE NÃO CONTAVAM NA REPRESENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. PERSECUÇÃO PENAL CONTRA TODOS OS POSSÍVEIS AUTORES DO FATO. LEGALIDADE. EFICÁCIA OBJETIVA DA REPRESENTAÇÃO. DECADÊNCIA PARA REPRESENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A questão controvertida cinge-se a saber se, em decorrência da eficácia objetiva da representação, é possível, na denúncia, o envolvimento de outro agente que não tenha sido apontado desde o início na representação do ofendido. 2. Por eficácia objetiva da representação, entende-se o seguinte: se oferecida a representação contra um dos partícipes ou coautores do crime, o representante do Ministério Público deve oferecer a denúncia contra todos aqueles que praticaram o delito. 3. A eficácia objetiva da representação, interligada ao princípio da indivisibilidade que vige na ação penal pública, confere ao MP a possibilidade de atuar prontamente contra todos os envolvidos, ainda que a representação não tenha abrangido todos os autores da infração. Logo, admissível o aditamento à denúncia pelo Parquet para fins de inclusão de corréu não constante da representação do ofendido. 4. Incabível a incidência da decadência semestral para representação criminal em desfavor do recorrente, sobretudo porque há que se considerar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, que vincula e legitima a atuação do Ministério Público a fim de que, havendo notícia do crime, apure os fatos e promova a ação penal contra todos os envolvidos no fato delituoso. 5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido. 2 O CASO E.C.A. foi denunciado pela prática dos crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, sendo vítima sobrevivente sua companheira (que não ofereceu representação em face do acusado, pelo contrário, o entendia vítima do crime). Após sua reposta à acusação, foi absolvido sumariamente, ante ausência de representação da vítima, decisão reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em recurso do Ministério Público Federal. Interpôs recurso especial, o qual teve seu seguimento negado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, consoante parecer do Ministério Público Federal, segundo o qual “entendeu o Tribunal de origem, na esteira da jurisprudência consolidada por esse e. STJ, que a representação constitui mera condição de procedibilidade e não instrumento de delimitação da imputação” Após interpôs agravo regimental em face de decisão, recurso desprovido. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O relator, Ministro Sebastião Reis Junior, constatou que a discussão do recurso dizia respeito à possibilidade de a denúncia ser ofertada em face de pessoas diversas da que foram alvo de representação pela vítima, conforme, o que se convencionou chamar de eficácia objetiva da representação. Destacou que doutrina e jurisprudência divergem, havendo três posicionamentos para o tema: a) possibilidade: deve-se observar o fenômeno processual eficácia objetiva da representação, ou seja, se o ofendido, por ocasião da representação, vier a omitir um dos autores ou partícipes, pode o Ministério Público incluir na acusação os excluídos, esta a posição do Supremo Tribunal Federal (STF, RTJ 168/272, 88/86); b) impossibilidade: Sergio Demoro defende que: A não-inclusão de um dos autores ou partícipes na representação importaria, assim, na renúncia tácita ao exercício do direito de ação, estendendo-se a todos os demais. Na verdade, faltaria condição exigida em lei para que o Parquet pudesse intentar a ação penal, propiciando a rejeição da inicial (art. 43, III, do CPP). Não pode o órgão ministerial, substituindo-se ao ofendido, acrescentar, mediante aditamento, um nome que ele, ofendido, não deseja ver processado, não importa o motivo. Ação penal não é vingança ou mero capricho do particular; ou todos são processados ou nenhum sê-lo-á (HAMILTON DEMORO, Sergio, Estudos de Processo Penal; 4ª Série. São Paulo: Lumen Iuris, 2012); e c) posição mista: Luiz Flávio Gomes apresenta a seguinte lição: Hipótese de coautoria e representação somente contra um dos coatores: “A” e “B” foram os autores do crime e ambos são conhecidos e acham-se devidamente identificados. O ofendido, entretanto, só ofereceu representação contra um deles. O Ministério Público pode denunciar os dois? Não, porque não há representação contra um deles. Ao Promotor, nesse caso, cabe fiscalizar a indivisibilidade da ação. Como? Ouvindo a vítima e indagando sobre a representação contra ambos. Se o ofendido diz que só quer representar contra um, isso significa renúncia em relação ao outro e havendo renúncia para um dos coautores, estende para todos, isto é, extinção da punibilidade para todos. Caso a vítima reconheça o equívoco e represente também em relação ao outro, cabe ao Ministério Público oferecer denúncia contra todos – desde que haja justa causa em relação a todos (GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997). De acordo com o Ministro, em 2014, a 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça teriam unificado o entendimento pela possibilidade de oferecimento da denúncia, o que ocorreria em virtude do princípio da obrigatoriedade da ação penal, ainda, da indivisibilidade “porque a eficácia objetiva da representação, interligada ao princípio da indivisibilidade que vige na ação penal pública, confere ao Ministério Público a possibilidade de atuar prontamente contra todos os envolvidos, ainda que a representação não tenha abrangido todos os autores da infração”. Assim, por ser impossível ao Ministério Público exercer juízo de discricionariedade acerca de quem deve ser denunciado, aquele deve atuar contra todos. 4 PROBLEMATIZAÇÃO A legislação processual é omissa quanto à possibilidade de a representação ser ou não ofertada em face de somente um/alguns dos autores de um fato criminoso praticado em concurso de pessoas, diversamente do que ocorre quanto ao exercício ação penal privada, cuja queixa-crime deve ser oferecida necessariamente em face de todos os autores, por força do princípio da indivisibilidade (a ação penal privada tem como princípios regulamentadores a oportunidade, disponibilidade e indivisibilidade), cabendo ao Ministério Público fiscalizar o exercício desta. A doutrina, de forma geral, pouca atenção dá ao assunto, sendo poucos os manuais que tratam do mesmo. Ocorre que o assunto pode voltar à tona em virtude da mudança promovida pela Lei Anticrime quanto à espécie de ação penal do crime de estelionato, que passou a ser, em regra, de ação penal pública condicionada. Sabe-se, muitos dos crimes de estelionato são praticados em concurso de pessoas, tais como: golpe do bilhete premiado, do paco, do falso sequestro, do sobrinho, do whatsapp, etc. (Também) Por este motivo, entende-se que o tema deve ser mais questionado. Afinal, nos processos em trâmite (a par da discussão acerca da retroatividade da nova Lei), qual a consequência da vítima não representar em face de todos os autores? Sobre a eficácia objetiva da representação, leciona Renato Brasileiro de LIMA que: feita a representação contra apenas um dos coautores ou partícipes de determinado fato delituoso, esta se estende aos demais agentes, autorizando o Ministério Público a oferecer denúncia em relação a todos os coautores e partícipes envolvidos na prática desse crime (princípio da obrigatoriedade). (2016, p. 250). Percebe-se que o professor, tal qual o STJ, entende que uma vez oferecida a representação em face de um dos autores, operaria o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Ocorre que referido diz respeito ao exercício da ação penal quando presentes todas as condições da ação, sejam as essenciais, sejam as específicas. Não há juízo de discricionariedade quanto ao oferecimento ou não da denúncia (ressalva-se as hipóteses de acordo) quando presentes todas as condições. A representação, sabe-se, é uma condição específica da ação penal, vinculada ao princípio da oportunidade, i.e., a vítima não é obrigada a representar. Consoante lição de Sérgio REBOUÇAS, “a lei exigirá a representação sempre que se identificar relevância do interesse do ofendido na avaliação sobre a pertinência ou não de se movimentara persecução penal” (2017, p. 254). Tal juízo de discricionariedade por parte da vítima decorre de dois fatores, muito bem explicados por Eugênio PACELLI: a) o escândalo do foro, cuja discricionariedade da vítima está ligada à prevenção de novos danos (patrimonial, moral, social, psicológico), “diante de possível repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso” (2020, p. 109); b) a constatação da lesividade da conduta, “se o ofendido não se dispuser a confirmar a lesão em juízo, a ação penal dificilmente chegará a bom termo” (2020, p. 109). Por dizer respeito ao seu exclusivo interesse, somente à vítima cabe a escolha por representar em face de alguém. Assim, a afirmativa de que a representação realizada em face de um dos autores pode se estender aos demais, não pode ser feita sem maiores questionamentos, afinal, não encontra o necessário respaldo no princípio da obrigatoriedade, tal qual quer fazer parecer parte de doutrina e jurisprudência, pois, como afirmado, este decorre da presença de todas as condições da ação penal. Não se retirou da esfera de disponibilidade da vítima o direito de representação, muito menos se relegou esta condição da ação a um segundo plano. Tampouco encontra respaldo no princípio da indivisibilidade, pois este, da mesma forma que a obrigatoriedade, “diz respeito à impossibilidade de limitação discricionária (conveniência e oportunidade), pelo acusador, da extensão objetiva e subjetiva passiva da ação penal nas hipóteses de pluralidade de fatos e/ou de autoria objetiva potencial” (REBOUÇAS, 2017, p. 249), ainda, a jurisprudência tem rejeitado aplicação do princípio da indivisibilidade à ação penal pública ( HC 96.700/PE e outros do STF). Percebe-se que os princípios da obrigatoriedade e da indivisibilidade não resguardam o oferecimento da denúncia em face de autores que não foram alvo de representação, pois “não há como recusar a prevalência do interesse individual do ofendido, ao menos no que se refere à decisão quanto à instauração da ação penal” (PACELLI, 2020, p. 112). De mais a mais, nada autoriza que a interpretação acerca do instituto da representação seja feita de forma a prejudicar os autores do fato. Poderia a vítima oferecer representação somente em face de um dos autores? Não, sob pena de a ação penal se tornar um instrumento de vingança privada, razão pela qual a melhor solução para a omissão legislativa parece ser a intimação da vítima para que se manifeste sobre a representação em face de todos os autores dentro do prazo decadencial, similar ao que defendia Luiz Flávio GOMES, com a única ressalva de que não ocorrerá renúncia caso a vítima expresse sua vontade de não representar em face de todos, pois não há hipótese de renúncia à representação na legislação processual penal (ressalvados o equívoco na utilização do termo pela Lei Maria da Penha e a Lei nº 9.099/95). Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM-PR. REFERÊNCIAS LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2020. REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017.
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