Ab initio, frisa-se que o presente artigo não abarca o tema de modo completo, o que demandaria um extenso escrito, o que contraria o objetivo da presente coluna, sendo deixado de fora do presente escrito a possibilidade da colaboração após o trânsito em julgado da decisão, bem como outros temas que circundam a colaboração premiada e as possíveis críticas ao instituto. Com a colaboração premiada em voga no cenário jurídico, político e social, com as operações deflagradas pela Polícia Federal, juntamente com a atuação do Ministério Público, muitos pensam que a delação, ou colaboração premiada é exclusividade dos crimes econômicos. Porém, a colaboração do investigado ou denunciado no procedimento ou processo não é novidade no cenário jurídico. Não se estenderá no presente artigo sobre a história do instituto da colaboração premiada, fazendo-se referência apenas a um artigo realizado em conjunto com Rosimeire Marques Bueno Lechenakoski. [1] Sendo assim, cabe analisar se a colaboração do investigado/denunciado é possível nos crimes ligados às drogas, previsto atualmente na lei 11.343/06. Iniciamos o presente estudo debruçando-nos sob a lei 10.408/2002, a qual regulava o procedimento aplicável aos crimes de entorpecentes, que eram tratados na lei 6.368/1976 (anterior lei de drogas). Os procedimentos relativos às condutas previstas na lei 6.368/76, passaram a ser regulados de acordo com a lei 10.408/2002:
Com o advento da referida lei, também houve a inserção da figura do réu colaborador, mais precisamente em seu artigo 32, §2º e §3º, com a seguinte redação:
Da análise dos parágrafos do artigo retro citado verifica-se que a lei procurou beneficiar àquele que colabora com a persecução penal, podendo sobrestar o feito, ou conceder ao colaborador desde uma redução de pena- de 1/6 a 2/3 até mesmo o perdão judicial. Os requisitos na época tinham como pressuposto o colaborador trazer aos autos provas que pudessem levar a prisão de organização criminosa ou os coautores que fizessem parte, ou apreensão dos produtos do crime. Destaca-se que o juiz, a requerimento do Ministério Público, a depender do resultado da colaboração realizada, poderia conceder até mesmo uma espécie de perdão judicial, o que isentaria o colaborador de pena. Com o advento da nova lei de drogas (11.343/2006), a figura do réu colaborador foi mantida, sendo positivada no artigo 41 da referida lei, porém com algumas alterações. O perdão judicial não foi repetido na redação da lei, a qual trouxe somente os benefícios de redução de pena conforme artigo 41 da referida lei:
Em uma primeira análise, não se nota diferença entre os requisitos para a concessão do benefício da colaboração, porém, ao realizar uma análise minuciosa, nota-se que houve uma alteração significativa entre o §2º e §3º do artigo 32 da lei 10.408/2002 e a atual lei 11.343/06. No §2º e §3º do artigo 32 da lei 10.408/2002, a redação previa requisitos não cumulativos, pois a expressão utilizada na redação se referia ao colaborador revelar a existência de organização ou coautores, culminando nas respectivas prisões, OU a localização do produto de crime e das substâncias entorpecentes. Não obstante, na redação do artigo 41 da lei 11.343/06, o termo remete a requisitos cumulativos, pois a expressão utilizada é que o colaborador obterá a redução de pena se identificar os demais coautores ou partícipes do crime, E recuperação total ou parcial do produto de crime. À primeira vista, nos parece que há obrigatoriedade no requisito cumulativo, ou seja, que o colaborador além de indicar os demais, também indique a localização dos produtos do crime [2], porém a terminologia e deve ser compreendida como ou, até porque não se pode exigir do colaborador a indicação dos partícipes ou coautores do delito e os produtos do delito, até porque os produtos do crime podem não existir mais, ou a indicação dos produtos de crime, por si só, podem ser suficientes para a concessão do benefício. Conforme leciona CARVALHO e MENDONÇA:
No mesmo sentido, GRECO FILHO e RASSI acerca da terminologia adotada: “O ‘e’ entenda-se por ‘ou’, porque pode não haver produto do crime a recuperar ou somente a recuperação já seja relevante em si mesma” [4]. Assim, a contribuição do colaborador deve ser balizada no caso concreto, podendo ser concedida na hipótese em que o colaborador indique tão somente os coautores ou partícipes, bem como na hipótese em que a indicação do produto do crime por si só seja suficiente. Noutro passo, há de se ressaltar a modificação dos benefícios concedidos com o advento da lei 11.343/06, o perdão judicial deixou de ser positivado, porém também poderá ser aplicado ao colaborador conforme se verá a seguir. Ao se negar o benefício do perdão judicial ao colaborador envolvido no delito de drogas, estaria o tratando com maior rigor do que os demais colaboradores envolvidos em outros delitos. Ainda, com a omissão da lei 11.343/06 no que tange ao perdão judicial, poderia o Magistrado, a depender da contribuição do colaborador e os resultados obtidos, conceder o perdão judicial com fulcro na lei 9.087/99, a qual disciplina o programa de proteção à testemunha, e garantias ao denunciado colaborador. Cumpre salientar, que a lei 9.087/99 é uma lei específica e mais abrangente que as demais até então previstas no ordenamento jurídico, trazendo à baila, a proteção às testemunhas, bem como benefícios ao colaborador, conforme disciplina o artigo 13 da referida lei:
Outrossim, mesmo que se argumente que os crimes envolvendo os entorpecentes, tal qual o tráfico de drogas, esteja no rol de crimes hediondos, não obsta tal aplicação, até porque a lei 9.807/99, também é aplicável à crimes mais graves ao nosso ver, como o homicídio e estupro (também considerados hediondos). Neste mesmo sentido, lecionam CARVALHO e MENDONÇA:
De igual sorte, com a edição da lei 12.850/2013 (Lei das organizações criminosas), houve a positivação do benefício do perdão judicial para o colaborador que tenha efetivamente colaborado com a justiça, mais precisamente no artigo 4º, §2º da referida lei, o qual prevê:
Desta forma, analogicamente, como lei posterior à lei 11.343/06, poderia o Magistrado ao proferir a sentença, conceder o perdão judicial ao verificar que a contribuição do colaborador foi relevante para fins de se recuperar o produto ou proveito do crime, bem como na identificação dos demais coautores com fulcro no artigo 4º, §2º da lei 12.850/2013. Ao nosso ver, negar o benefício do perdão judicial, para aquele que, por exemplo, auxilia a desmantelar uma organização criminosa em torno do tráfico, aliado, inclusive, com a indicação e consequente apreensão de grande quantidade de entorpecentes, que quiçá seria possível sem seu auxílio, seria no mínimo desproporcional tendo em vista a contribuição e o resultado obtido. Destaca-se ainda, que para se obter os benefícios da colaboração, importará que o colaborador confesse a prática dos delitos, bem como não lance mão do direito em permanecer em silêncio, haja vista que para se obter os benefícios deverá indicar os coautores ou partícipes ou a indicação do produto do crime. Cumpre-se analisar que o benefício previsto no artigo 41 da lei 11.343/06, segundo o texto normativo, não está condicionado à personalidade, antecedentes ou à reincidência do colaborador, vez que não expressamente previstas no artigo como condições sine qua non para concessão de redução de pena. Outro fato que não condiciona a obtenção do benefício ou sua possível redução, é a quantidade de entorpecente apreendido com o colaborador, tendo em vista que também não está prevista como condição para concessão dos benefícios. Tal raciocínio também é realizado pelo princípio do non bis in idem, haja vista que o agente com maus antecedentes, ou reincidente, ou com quantidade expressiva de entorpecentes, terá sua pena aumentada na primeira fase da dosimetria conforme o artigo 42 da lei 11.343/06, e sendo assim, utilizar por exemplo, a quantidade de drogas apreendida, para negar-lhe a redução de pena na terceira fase da dosimetria, estaria por utilizar a mesma circunstância de forma negativa ao denunciado. O mesmo raciocínio é utilizado para a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, §4º da lei 11.343/06, conforme entendimento jurisprudencial abaixo elencado:
Neste passo, o colaborador, que contribuir efetivamente para a persecução penal, poderá obter o benefício de redução de pena previsto em lei, devendo esta ser aplicada como causa de diminuição de pena, na terceira fase da dosimetria, ressalvado os casos em que possível a concessão do benefício do perdão judicial. Portanto, por derradeiro, é possível concluir que a colaboração premiada também é possível nos delitos envolvendo entorpecentes e, a depender da contribuição do colaborador, poderá o Magistrado até mesmo conceder o perdão judicial para o delator, bem como a quantidade de drogas apreendida, os antecedentes e a reincidência não obstam a aplicação ou diminuição do benefício a ser concedido ao colaborador em obediência ao princípio non bis in idem. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: [1] LECHENAKOSKI, Bryan Bueno. LECHENAKOSKI, Rosimeire Marques Bueno. A DELAÇÃO PREMIADA ANTES DA LEI 12.850/2013. Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/a-delacao-premiada-antes-da-lei-128502013> [2] Produtos do crime se refere ao dinheiro proveniente do tráfico de entorpecentes, a própria substância entorpecente, embalagens destinadas a separação e venda, bem como os demais produtos que circundam a mercancia de entorpecentes. [3] CARVALHO, Paulo Roberto Galvão. MENDONÇA, Andrey Borges de. Lei de Drogas: Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3 Ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Método. 2012. Pág. 191. [4] GRECO FILHO, Vicente. RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada: Lei 11.343/06. São Paulo: Saraiva. 2007. Pág. 144. [5] CARVALHO, Paulo Roberto Galvão. MENDONÇA, Andrey Borges de. Lei de Drogas: Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. 3 Ed. Rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Método. 2012. Pág. 192. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |