Artigo de Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo no sala de aula criminal, falando sobre o estelionato sentimental e suas implicações jurídicas, vale a leitura! ''Desde o ano de 2019, o Projeto de Lei nº 6.444/2019 tramita na Câmara dos Deputados e busca tipificar o estelionato sentimental, justificando-se pelo fato de estar aumentando os casos de estelionato por proveito de uma vulnerabilidade emocional e amorosa, rompendo fatores de confiança, honestidade e fidelidade de um para o outro[8]. O texto aguarda votação na CCJ e, se aprovado, segue para votação na Câmara dos Deputados e posteriormente para o Senado''. Por Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo O relacionamento amoroso é tido como um dos maiores e também mais antigos anseios da humanidade, o filósofo grego Aristóteles já sustentava que o homem é um animal social, que não é capaz de viver sozinho[1].
No entanto, é necessário cautela na busca pelo “parceiro ideal”, pois nem todas as pessoas estão dispostas a viver um romance, algumas pretendem aproveitar-se da vulnerabilidade sentimental do outro e, então, aplicar-lhe um golpe. O golpe do estelionato sentimental consiste na utilização de manobras ardis para conquistar a vítima e conseguir obter vantagem financeira, simulando sentimento e aproveitando-se de alguma fragilidade desta. A referida prática pode ser empregada de forma presencial ou virtual, sendo que as mulheres são as principais vítimas. É mister destacar que o estelionato afetivo atinge o princípio da boa-fé objetiva, que deve estar presente em todos os relacionamentos, onde é possível notar um abuso econômico ou até mesmo chantagem emocional e, portanto, lesões ao patrimônio da vítima. Para tanto, o estelionato sentimental não se caracteriza como um mero agrado ou uma ajuda financeira, pois reflete em reiterada ação de abusar da situação emocional do parceiro para valer-se de vantagem econômica[2]. Para concretizar a empreitada criminosa o golpista utiliza-se de artimanhas para conquistar a vítima. Primeiro, ele mostra que está em busca de um relacionamento sério, decorrido certo tempo, quando já existe uma relação de confiança ele entre e a vítima, aparecem os problemas financeiros. Nessa etapa, o estelionatário pede ajuda financeira para a vítima, consistente em empréstimos de valores expressivos. Dessarte que há uma pressão psicológica para que a vítima ceda aos pedidos, pois o golpista se coloca em posição de vulnerável e promete devolver os valores em momento posterior. Sobre o escólio de Rogério Greco: desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale de fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese lhe seriam indevidas[3]. Elucida-se que o termo estelionato sentimental surgiu no ano de 2015, em um processo[4] que tramitou pela 7ª Vara Cível de Brasília. Nesse caso o réu foi condenado ao pagamento de R$101.537,71 (cento e um mil quinhentos e trinta e sete reais e setenta e um centavos) para sua ex-namorada, à título indenizatório, com o objeto de ressarcir as diversas contas que a mesma teria pago durante o relacionamento, que perdurou por dois anos[5]. Na sentença do processo supracitado, o juiz fundamentou que: Embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar. Registre-se, um caso que ocorreu em que um indivíduo se utilizou do aplicativo de relacionamento conhecido como “Tinder” para aplicar golpes. O sujeito se apresentava para a vítima como um homem educado, culto e disposto a casar, rapidamente conquistava a confiança desta e então revelava a dificuldade financeira que enfrentava no momento. Convencidas da história, as vítimas realizavam empréstimos em favor do golpista, os quais não foram reparados[6]. Menciona-se que o estelionato sentimental não é um tipo penal próprio, aplica-se ao caso as sanções cominadas para o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, verbis: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.” Em análise doutrinária acerca do tipo penal acima mencionado, verifica-se que o bem jurídico tutelado é a inviolabilidade do patrimônio em relação aos atentados praticados mediante fraude, para proveito injusto e, consequentemente, dano alheio. O crime, para ser configurado, precisa de alguns requisitos, tais como: emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; induzimento ou manutenção da vítima em erro; obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio (do enganado ou de terceiros)[7]. Desde o ano de 2019, o Projeto de Lei nº 6.444/2019 tramita na Câmara dos Deputados e busca tipificar o estelionato sentimental, justificando-se pelo fato de estar aumentando os casos de estelionato por proveito de uma vulnerabilidade emocional e amorosa, rompendo fatores de confiança, honestidade e fidelidade de um para o outro[8]. O texto aguarda votação na CCJ e, se aprovado, segue para votação na Câmara dos Deputados e posteriormente para o Senado. Posto isto, verifica-se que o estelionato sentimental se aproveita de princípios da relação amorosa, tornando a vítima vulnerável, para cometer injusto proveito econômico, que extrapolam os limites penais. O abandono da vítima pelo golpista é abordado por Guedes que chama a atenção para o estado de penúria psicológica da mesma, bem como, para o patrimônio lesado, com dividas em seu CPF e sem um direcionamento de como reconstruir sua vida[9]. O chamado “171 do Amor” envolve a vítima em um cárcere de golpes econômicos. A mesma mantém-se com os olhos vendados para a situação, pois acredita-se estar em um conto de fadas. E, quando se libertam, deparam-se com uma destruição emocional e financeira. É neste momento que recorre ao judiciário, na tentativa de amenizar os prejuízos causados ou, então, suportam esse impacto psicológico, por vergonha ou culpa do que aconteceu. Há também que se falar no preconceito que podem vir a enfrentar, pelo fato de ser mulher, em um contexto machista. Por fim, conclui-se que o número de casos envolvendo o estelionato sentimental tem crescido, pois o estelionatário possui a falsa percepção de que não será punido por sua conduta. Se aprovado o Projeto de Lei nº 6.444/2019, que altera o art. 171 do Código Penal, a tendência é que os casos de estelionato afetivo diminuam, eis que haverá reprimenda explícita para quem pratica-lo. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 9° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa Não Somos Invisíveis. E-mail: [email protected] STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 9° período, Centro Universitário Uninter. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. Estagiária no Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] NEVES, Claudia. O relacionamento abusivo pelo estelionato sentimental. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/86546/o-relacionamento-abusivo-pelo-estelionato-sentimental>. Acesso em: 13 dez. 2021. [2] STECKELBERG, Thiago Brito. SANTOS, Patrícia Nunes dos. Estelionato sentimental: a exploração econômica no curso do namoro. 2020. Disponível em: <http://repositorio.aee.edu.br/jspui/bitstream/aee/18012/1/2020_TCC_%20Patr%c3%adcia.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2021. [3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 14. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017. [4] Autos nº 0012574-32.2013.8.07.0001. [5] SANTOS, Fabio Celestino dos. ESTELIONATO SENTIMENTAL - QUANDO O AMOR PAGA A CONTA. Disponível em: <https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/atualidades/estelionato-sentimental-quando-amor-paga-conta.htm>. Acesso em: 13 dez. 2021. [6] SPAGNOL, Débora. "Estelionato sentimental": crime ou abuso de confiança? Disponível em: < https://deboraspagnol.jusbrasil.com.br/artigos/417697597/estelionato-sentimental-crime-ou-abuso-de-confianca>. Acesso em: 14 dez. 2021. [7] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 3: crimes contra o patrimônio até́ crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. 15. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. [8] RIBEIRO, Júlio Cesar. PL 6444/2019. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2234092>. Acesso em: 15 dez. 2021. [9] GUEDES, Gabriela de Souza Becari. Estelionato sentimental: reparação de danos cabíveis em razão do estelionato de afeto. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/openpdf/phptDiV1W.pdf/consult/phptDiV1W.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2021.
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