Na era da mercantilização do ensino jurídico, é preciso refletir em demasia sobre algumas questões do ensino, é sobre isso que trata o artigo do colunista Khalil Vieira Proença Aquim, vale a leitura! ''Nessa publicidade agressiva com fins supostamente educacionais, fazem o que o Código de Ética veda na publicidade da advocacia: mencionam assuntos e demandas sob seu patrocínio (“com experiência em mais de X operações”), emprego de expressões de auto-engrandecimento (“modelo de habeas corpus que vai soltar qualquer preso”) divulgações de valores (“fechei um contrato de X mil reais”), sem falar nas violações aos princípios deontológicos da advocacia, de sobriedade, seriedade e não mercantilização''. Por Khalil Vieira Proença Aquim O mercado jurídico vem passando por significativas transformações nos últimos anos. A partir do exponencial aumento no número de faculdades de direito, o Brasil hoje conta com já mais de um milhão de advogados e pelo menos o dobro de bacharéis. Alia-se a isso, é claro, uma revolução tecnológica que já há alguns anos se alertava, e muito vem acelerando a partir do contexto pandêmico.
Sem tentar simplificar um cenário bastante complexo na advocacia, mas em termos curtos já se pode desenhar e compreender o que diagnósticos promovidos por algumas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil realizados recentemente tem demonstrado: a grande maioria dos advogados não tem os almejados vultuosos honorários, e grande parte deles tem outra profissão como complemento de renda. O exemplo fácil está no Big Brother Brasil: a advogada Juliette trabalha também como maquiadora. Como em toda crise há oportunidade – e oportunistas –, um novo nicho de mercado vem sendo cada vez mais comum, com enormes divulgações em redes sociais: advogados que ensinam outros advogados a ficarem ricos na advocacia. “Vou te ensinar o que a faculdade não ensina”. A frase tem um fundamento sério. As instituições de ensino em geral, infelizmente, não preparam para o mercado de trabalho. Preparam para provas e concursos, por verem nas aprovações de seus alunos um medidor de excelência na qualidade de ensino, e por saberem que, para a grande maioria dos estudantes, o objetivo é o concurso público. Entre a aprovação no Exame de Ordem e eventual concurso, porém, há os primeiros três anos de atividade jurídica, quando costuma bater o desespero. Para os mais experientes, pode parecer até pueril, mas a enorme maioria dos recém formados não sabe como realizar as primeiras tratativas com cliente, como elaborar um contrato, como atuar em uma prisão em flagrante, como se preparar e como se portar em uma audiência, entre outras dúvidas do exercício da atividade da advocacia que se aprendem, no mais das vezes, com a própria prática. Ponto de dúvida contínua e de erros grosseiros, muitas vezes dolosos, é a publicidade na advocacia. Em que pese haja uma zona cinzenta de interpretações, especialmente com relação à publicidade digital, as diretrizes estão postas no Código de Ética e Disciplina nos artigos 39 a 47[1], bem como no Provimento n° 94/2000 do Conselho Federal da OAB. Ali há, entre diretrizes, algumas vedações expressas. O art. 4° do Provimento 94/2000, por exemplo, tem a seguinte redação: Art. 4º - Não são permitidos ao advogado em qualquer publicidade relativa à advocacia: a) menção a clientes ou a assuntos profissionais e a demandas sob seu patrocínio; b) referência, direta ou indireta, a qualquer cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido; c) emprego de orações ou expressões persuasivas, de auto-engrandecimento ou de comparação; d) divulgação de valores dos serviços, sua gratuidade ou forma de pagamento; e) oferta de serviços em relação a casos concretos e qualquer convocação para postulação de interesses nas vias judiciais ou administrativas; f) veiculação do exercício da advocacia em conjunto com outra atividade; g) informações sobre as dimensões, qualidades ou estrutura do escritório; h) informações errôneas ou enganosas; i) promessa de resultados ou indução do resultado com dispensa de pagamento de honorários; j) menção a título acadêmico não reconhecido; k) emprego de fotografias e ilustrações, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia; l) utilização de meios promocionais típicos de atividade mercantil. Para atender essa demanda, a Ordem dos Advogados do Brasil há muitos anos já conta com uma Escola Superior de Advocacia, tanto nos âmbitos nacional como nas esferas estaduais, onde fornece cursos de capacitação das mais diversas áreas. Há, também, tanto no Conselho Federal quanto nos Conselhos Estaduais, comissões de apoio à advocacia iniciante, que prestam serviço imprescindível no amparo dos novos profissionais. O amparo institucional, porém, não supre toda a demanda reprimida de uma advocacia que inicia a profissão com imediatista ansiedade de em dois anos já estar com carreira sólida e honorários vultuosos. Spoiler: não supre porque (pasmem!) honorários vultuosos e carreira sólida não chegam em dois anos. É necessário trilhar um caminho até lá. Mas nossa geração sofre com uma série de males, dentre os quais a ansiedade e o imediatismo, que, combinados com as ilusões vendidas em redes sociais, geram uma falsa sensação de fracasso em quem mal começa a carreira, e se vê seduzido pelo canto das sereias que dizem “vou te ensinar a ficar rico na advocacia”. Os nomes que dão aos cursos são os mais variados. Claro, quem conhece de publicidade e propaganda bem sabe que o branding, o nome que se dá ao produto, tem importância substancial. “Mude sua advocacia com nossa mentoria”. Nessa publicidade agressiva com fins supostamente educacionais, fazem o que o Código de Ética veda na publicidade da advocacia: mencionam assuntos e demandas sob seu patrocínio (“com experiência em mais de X operações”), emprego de expressões de auto-engrandecimento (“modelo de habeas corpus que vai soltar qualquer preso”) divulgações de valores (“fechei um contrato de X mil reais”), sem falar nas violações aos princípios deontológicos da advocacia, de sobriedade, seriedade e não mercantilização. Poderia ser discutido o fato de que há, na esfera da OAB, comissões estaduais e nacional de Ensino Jurídico, tendo por escopo, segundo a Resolução n° 06/2000, “(...) unir esforços com os Conselhos Seccionais no processo de melhoria da qualidade do ensino jurídico”, e que tal ensino jurídico seria além do institucional/formal, de modo que a Ordem deveria se manifestar e regular, de alguma forma, este novo mercado. Poderia ser discutido o fato de que os profissionais que realizam tais práticas, ao serem advogados que realizam tal forma de publicidade agressiva, violam o Código de Ética por não restringir (e nem ser possível restringir) o alcance de suas publicações, fazendo publicidade indireta para captação de clientes, de modo que os Tribunais de Ética e Disciplina deveriam puni-los nos termos do Estatuto da Advocacia. Mas o objetivo deste texto é outro. Afinal, há cursos e cursos, mentorias e mentorias. Como diria o prof. João Régis Teixeira, há Advogados e advogados. Como poder, seja como cliente seja como aluno, distingui-los? Primeiramente, conheça o advogado/professor. Com a internet em nossas mãos, há muito tempo não há mais dificuldade em conhecer o profissional. Há buscadores de processos nas esferas estadual e federal, bem como perante os Tribunais Superiores, que permitem ver se o profissional é tão atuante como se diz. Há formas de buscar a atuação em entidades de classe e associações profissionais sólidas. Há plataformas de buscas acadêmicas para verificar se o profissional é graduado, pós-graduado, mestre, doutor. Conhecer o histórico do advogado/professor não é garantia, evidentemente, de um curso bom. Todos sabemos que há profissionais excelentes que não transmitem sua qualidade no magistério, enquanto há docentes brilhantes que não conseguem ter o mínimo êxito na atuação prática. Mas conhecer as credenciais – o conhecido jogou onde? – permite ao menos saber que é um curso sério. Isso não quer dizer, por evidente, que alguém recém graduado não possa lecionar algo. Pelo contrário, há recém-graduados que, por estudar com leis novas, conseguem ensinar aos mais calejados novas interpretações e novos entendimentos. Há, por outro lado, grandes profissionais com vasta experiência de vida e de carreira, mas sem currículo acadêmico. Ensinam, com maestria, pela experiência. São saberes distintos, complementares, que não se excluem em nenhuma medida. No entanto, é necessário saber o ponto de partida e a forma com que esse ensino pretende se dar. Muito cuidado com o recém-formado que vende um curso de prática de tribunal do júri, afirmando na publicidade que “já atuou em mais de mil júris”. Muito cuidado com o advogado que tem apenas meia dúzia de ações nos tribunais superiores e quer vender “modelo de habeas corpus vencedor no STF”. Muito cuidado com professor cujo currículo ostenta inúmeros trabalhos e pesquisas apenas na área do direito civil, e vende curso para ensinar “a ser o melhor criminalista, como eu”. Atente-se para perceber que “algo de errado não está certo”. Isso faz lembrar de um dos maiores Professores que tive o privilégio de conhecer. E, nesses tempos, mais uma vez reforça-se o exemplo de legado e de ser humano do prof. René Ariel Dotti, que recentemente nos deixou. Dono de um currículo impressionante, tendo mudado o curso da história jurídica nacional, seja por suas lutas no período da ditadura, suas contribuições em tantas reformas legislativas, suas tantas obras jurídicas, suas contribuições internacionais. Ainda assim, quando iria proferir palestra, pedia para ser anunciado apenas como “advogado e professor”. Num mundo de aparências, ele foi essência, e tanto ensinou para os que puderam com ele aprender. A advocacia não é profissão de fácil enriquecimento. É a arte de insistir, nas palavras de Gurjão[2]. A advocacia não é profissão de covardes, e a frase de Sobral Pinto tem sentido muito maior do que mera reprodução em comemorações do Dia da Advocacia. Conhecer a história de Sobral, bem como de grandes advogados, é importante para reforçar que o dinheiro não é o objeto do múnus público que exercemos. Os honorários vultuosos uma hora vem, é claro, mas não são o início nem o objetivo de tudo. Aos novos profissionais, portanto, muito cuidado com o canto das sereias. As promessas de ganho fácil, de riqueza instantânea. Os cuidados para não serem vítimas de estelionatos clássicos são os mesmos com os aproveitadores supostamente educacionais. O sambista ensinou há décadas: “laranja madura/ na beira da estrada/ tá bichada, Zé/ ou tem marimbondo no pé”. Ou, aos que preferem os funks atuais, o golpe tá aí, cai quem quer. Khalil Vieira Proença Aquim Professor de Direito Penal da Faculdade Inspirar; Especialista em Direito e Processo Penal; Membro do Conselho Estadual da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas – Apacrimi (gestão 2019/2021); Presidente da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR (gestão 2016/2018); Membro da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR (gestão 2016/2018). NOTAS: [1] Ressaltem-se dentre as vedações expressas no CED, os artigos 40 e 42: Art. 40. Os meios utilizados para a publicidade profissional hão de ser compatíveis com a diretriz estabelecida no artigo anterior, sendo vedados: I – a veiculação da publicidade por meio de rádio, cinema e televisão; II – o uso de outdoors, painéis luminosos ou formas assemelhadas de publicidade; III – as inscrições em muros, paredes, veículos, elevadores ou em qualquer espaço público; IV – a divulgação de serviços de advocacia juntamente com a de outras atividades ou a indicação de vínculos entre uns e outras;9 V – o fornecimento de dados de contato, como endereço e telefone, em colunas ou artigos literários, culturais, acadêmicos ou jurídicos, publicados na imprensa, bem assim quando de eventual participação em programas de rádio ou televisão, ou em veiculação de matérias pela internet, sendo permitida a referência a e-mail; VI – a utilização de mala direta, a distribuição de panfletos ou formas assemelhadas de publicidade, com o intuito de captação de clientela. Parágrafo único. Exclusivamente para fins de identificação dos escritórios de advocacia, é permitida a utilização de placas, painéis luminosos e inscrições em suas fachadas, desde que respeitadas as diretrizes previstas no artigo 39. Art. 42. É vedado ao advogado: I - responder com habitualidade a consulta sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social; II - debater, em qualquer meio de comunicação, causa sob o patrocínio de outro advogado; III - abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega; IV - divulgar ou deixar que sejam divulgadas listas de clientes e demandas; V - insinuar-se para reportagens e declarações públicas. [2] “Presidentes: um olhar especial sobre a jovem advocacia” – org. Luiz Gabriel Batista Neves. Ed. ESA. Salvador, Bahia. 2015. Pág. 56.
2 Comments
Regina Elisemar Custódio Maia
3/23/2021 01:38:56 pm
Parabéns pelas reflexões abordadas no artigo. Que sirva para muitos como reflexão e ponto tomada de decisões ponderadas.
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Fabíola braga
3/23/2021 08:25:59 pm
Gostei muito
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