Na coluna do estudante, Ane Caroline dos Santos Silva reflete sobre o complexo tema do estupro de vulnerável, vale a leitura! ''A preocupação rotineira confronta com o desejo de viver uma infância longe dos desejos monstruosos de um criminoso. Desde pequenas, mulheres são vítimas de violações, abusos. Até mesmo dentro do próprio lar, estas práticas perversas ocorrem com o objetivo de satisfazer desejos sexuais destes criminosos. Tais atitudes ferem a decência feminina, assim como, a inocência de uma criança, de modo que não há respeito à dignidade sexual. Isso mostra a necessidade de tutela às nossas crianças, principalmente meninas, nesta sociedade problemática em razão de gênero, visando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana''. Por Ane Caroline dos Santos Silva Uma infância roubada pelo medo, devido a atitudes perversas, toma conta de muitas crianças. A violência contra a criança tem sido recorrente e as consequências devastadoras que geram, são de responsabilidade da saúde pública. Este crime reflete não só no corpo físico, mas vai além, atinge a alma destas pequenas vítimas.
Tal fato pode ser comprovado através de números apresentados pelo Ministério Público[1], o qual afirma que em setembro de 2018 foram registrados 66 mil vítimas de estupro, sendo meninas de até 13 anos, maior índice desde 2007. O Direito tem evoluído conforme a sociedade se modifica. Estas alterações podem ser observadas em casos como de estupro de vulnerável e assim, podemos refletir sobre os reflexos que a lei tem perante estes delitos. A violência contra vulnerável sempre se fez presente ao longo da história e agora, esta sendo reprovado por uma sociedade consciente. Porém, ainda há conflitos em relação aos acontecimentos e que precisam ser discutidos. Assim sendo, é inegável a discussão acerca dos efeitos sociais e jurídicos com objetivo de alcançar uma sociedade mais justa. De acordo com o 13o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado em setembro de 2019, 63,8% dos estupros são praticados contra vulneráveis, ou seja, contra menores de 14 anos. Estes são considerados, juridicamente, incapazes de consentir relação sexual. Consoante a estas evidencias, as analises mostram que 81,8% das vítimas são meninas. Outro dado importante relaciona-se com o recorte racial, visto que 50,9% destas meninas são negras. Tais informações deixam transparecer que a vulnerabilidade de meninas é uma característica principal das principais vítimas[2]. Crianças e adolescentes precisam de uma tutela especial do Estado, visto que, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre esta proteção e o Direito Penal a reconhece como vulnerável. Para entender o alcance do termo vulnerabilidade, Nucci atenta para que esta, merecedora de tutela, deve ser compreendida como a fragilidade e incapacidade física e mental da vítima, no que tange o consentimento da prática sexual[3]. Criado pela Lei 12.015/2009, artigo 217-A, do Código Penal dispõe sobre o estupro de vulnerável, quando ocorre pratica de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos:“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); § 2o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); §3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); § 4o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009); § 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)”[4]. Esmiuçando o artigo supracitado temos como sujeito ativo qualquer pessoa, sendo que eventual qualidade do agente perante a vítima, seja ele ascendente, descendente, tutor, entre outros, qualifica o crime. Já o sujeito passivo é qualquer pessoa, desde que menor de 14 anos. Acrescido pela Lei n. 13.718 de 2018, o parágrafo 5o, define que as penas serão aplicadas independentes do consentimento da vítima, sendo este irrelevante, assim como experiência sexual anterior[5]. Nucci expõe a preocupação do legislador, neste tipo de conduta, não só pelo fato da repulsa social, mas também pelo que aquela vem causar na vítima deste tipo de infração, e desta forma, a lesividade do bem jurídico tutelado, a dignidade sexual. “A novel legislação se preocupou, principalmente, com o respeito à dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito, pois não há dúvidas sobre a intensidade da violação que as vítimas dessa espécie de infração sofrem, observando-se a tentativa de combate às diversas espécies de violência sexual, não reguladas de forma eficaz pela legislação anterior”[6]. Bittencourt acrescenta que em caso de crime contra vulnerável não se fala em liberdade sexual, de forma que não há o pleno exercício desta liberdade, característica esta da vulnerabilidade[7]. A Lei 8.072 de 25 de dezembro de 1990, artigo 1, inciso VI, insere o crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal, no rol dos crimes hediondos, a fim de adotar regras rigorosas para autores destes delitos[8]. A discussão a respeito de uma possível gravidez como consequência do estupro deve levar em consideração a saúde física e psicológica dessa criança ou adolescente, as hipóteses constitucionais e legais. Para tanto, o Código Penal, permite o aborto em três casos: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da gestante, anencefalia do feto[9]. “Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro: II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”[10]. Desta forma, quando se fala em aborto decorrente de estupro, a decisão é da mulher ou no caso da menor, seu representante legal. Visto que esta gestação é fruto de uma relação não consentida, abusiva e de consequências devastadoras para a incapaz. O número crescente de casos de estupro mostra a criança e o adolescente numa posição de vulnerabilidade em relação a esta prática. Crianças são mais vulneráveis para a pratica de tais crimes, pelo fato da inocência, fragilidade. Diariamente se notifica a presente violência sexual sofrida por vulneráveis. A preocupação rotineira confronta com o desejo de viver uma infância longe dos desejos monstruosos de um criminoso. Desde pequenas, mulheres são vítimas de violações, abusos. Até mesmo dentro do próprio lar, estas práticas perversas ocorrem com o objetivo de satisfazer desejos sexuais destes criminosos. Tais atitudes ferem a decência feminina, assim como, a inocência de uma criança, de modo que não há respeito à dignidade sexual. Isso mostra a necessidade de tutela às nossas crianças, principalmente meninas, nesta sociedade problemática em razão de gênero, visando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Para tanto, a violência sexual sofrida por uma criança abarcará consequências que carregará por toda vida, gerando traumas significativos. Uma possível consequência consiste em uma gravidez. Não podemos ponderar valores entre a vida desta criança, grávida, e do feto, pois tantos abusos, violências, ferem intensamente a dignidade. Legalmente, o Código Penal autoriza o aborto em caso de estupro, em decorrência da complexidade das reações psicológicas. Ane Caroline dos Santos Silva Acadêmica de Direito (UNINTER); E-mail: [email protected] [1]Disponível em: <http://crianca.mppr.mp.br/2020/03/233/ESTATISTICAS-Estupro-bate-recorde-e-maioria-das-vitimas-sao-meninas-de-ate-13-anos.html>Acesso em 17 de agosto de 2020. [2]Disponível em: < https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf>Acesso em 17 de agosto de 2020. [3]NUCCI, Guilherme de Souza. O crime de estupro sob o prima da lei 12.015/09. 2014.Disponível em: < https://www.guilhermenucci.com.br/artigo/o-crime-de-estupro-sob-o-prisma-da-lei-12-01509>Acesso em 17 de agosto de 2020. [4] Lei 12.015/2009. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm> Acesso em 18 de agosto de 2020. [5] Lei 13718 de 24 de setembro de 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13718.htm> Acesso em 18 de agosto de 2020. [6]NUCCI, Guilherme de Souza. O crime de estupro sob o prima da lei 12.015/09. 2014. Disponível em: < https://www.guilhermenucci.com.br/artigo/o-crime-de-estupro-sob-o-prisma-da-lei-12-01509>Acesso em 17 de agosto de 2020. [7]BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 4: parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra fé publica. 8 ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2014, p.81. [8]Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>Acesso em 17 de agosto de 2020 [9]Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>Acesso em 17 de agosto de 2020 [10] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em 18 de agosto de 2020.
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