Continuando com o raciocínio do último artigo que escrevi para Sala de Aula Criminal (As Consequências do Subjetivismo de um Magistrado na vida do réu), cada vez mais se constata que passar em um concurso público não é garantia de ser um bom juiz, ou um bom promotor de justiça, assim como passar no exame de ordem não é sinônimo de ser um bom advogado. A execução penal é uma matéria a parte, na maioria das vezes não é tratada na faculdade de direito com afinco, e na prática se revela complicada, principalmente quando o réu possui um vasto relatório oráculo, motivo pelo qual,inúmeros advogados, os criminalistas mesmo, não atuam corriqueiramente nessa área, até porque, sendo a maioria dos presos “pobres”, pode-se afirmar que a advocacia na execução penal não traz um grande retorno financeiro. Na execução penal, se de fato o Ministério Público fiscalizasse a lei, os incidentes de execução (progressão de regime, livramento condicional, saída temporária e remissão de pena), seriam instaurados a pedido do membro do parquet, ou ainda, de ofício pelo juiz de direito, sim, se tudo funcionasse direitinho. Ocorre que, milhares de presos que já conquistaram o requisito objetivo para obtenção de progressão de regime ou livramento condicional, continuam reclusos em regime fechado. Os motivos? Inúmeros. Falta de atualização do RESE (Relatório da situação processual executória); falta de compulsar os autos por inteiro, e não apenas apreciar a última manifestação, o último movimento, a última folha; falta de advogados que dominem o assunto, saibam analisar um relatório, saibam fazer contas da pena, saibam defender com afinco os interesses do seu cliente, e por último, mas muito importante , erro no enquadramento da pena nas frações corretas para fins de incidentes da execução. Não digo tudo isso somente porque advogo nessa área, pelo contrário, os maiores absurdos e irregularidades que presenciei, foram durante os 2 anos em que fui estagiária de pós – graduação na VEP de Curitiba. Quem erra? Todos. O cartório que por vezes confecciona o relatório de modo escracho, o Ministério Público e o juiz que não se atentam ao erro. Quem paga? O réu, o preso, o reeducando, o sentenciado. Wellington, 34 anos. Condenado por tráfico de drogas a 8anos e 9 meses e posse ilegal de arma de fogo a 2 anos e 4 meses, em concurso material. Wellington possui outra condenação por posse de arma, cuja pena fora fixada em 2 anos, regime aberto. É reincidente, mas não em crime hediondo, não está respondendo a outro processo, não possui outras condenações. Wellington está preso há 5 anos e 2 meses. Wellington diante dessa situação e sem advogado entrou em contato comigo e disse assim: W: Doutora preciso diminuir minha cadeia, fuienquadrado “nos 3/5”, ta certo isso? Eu: Preciso analisar seu processo pra ver se está ou não correto. Compulsando os autos, analisando o relatório RESA e o oráculo de Wellington logo vi a irregularidade sem tamanho daquele processo executório. Wellington foi de fato enquadrado “nos 3/5” como ele disse, mas quem assim o fez ignorou completamente o que diz a Lei de Execuções Penais, a jurisprudência, ou errou mesmo. Só que nesse caso o erro é igual ao cárcere, a privação de liberdade, a mitigação de direitos individuais, a mitigação da dignidade da pessoa humana. Sim o preso ainda possui direitos, e por milhares de operadores da justiça não pensarem assim é que vivemos diante de inúmeros erros, ou posições completamente subjetivas e pessoais que prejudicam diretamente a vida de um ser humano. Somente a título de curiosidade, já presenciei o indeferimento de um pedido de saída temporária, somente porque o preso iria para mesma praia que o juiz de direito, ele preenchia todos os requisitos para tanto. O mais absurdo é que ninguém tenha verificado isso. Wellington teria que cumprir 3 anos e 6 meses do tráfico (hediondo equiparado – 2/5) e 6 meses e 24 dias do crime comum (1/6). No relatório ao invés de 3 anos e 6 meses, está 5 anos e 3 meses (3/5). Nunca é demais lembrar: • 1/6 – condenado primário ou reincidente em caso de crimes comuns praticados a qualquer tempo ou em caso de crimes hediondos ou equiparados praticados antes de 29/03/2007 (Lei 11.464/07). • 2/5 – condenado primário por crime hediondo ou equiparado praticado a partir de 29/03/2007. • 3/5 – condenado reincidente por crime hediondo ou equiparado praticado a partir de 29/03/2007. Resultado disso? Wellington está preso em regime fechado por 1 ano a mais do que deveria. Já teria condições objetivas de estar no semiaberto. Ninguém viu isso, a última manifestação do Ministério Público nos autos é de março desse ano (ele já estava no direito), o último despacho da juíza é de agosto desse ano (ele já estava no direito). Wellington ficou por todo esse tempo com seu direito aprisionado junto com ele na Casa de Custódia de São José, onde o reeducando cumpre pena, sim ele está em um estabelecimento penal destinado a presos provisórios, mas isso é uma conversa para outro momento. Mariana Cantú Advogada
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