Artigo de Joelson Pereira Alves no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Apesar da fishing expedition possuir uma grande ocorrência prática, que pode ser visualizada, por exemplo, nos mandados de busca e apreensão genéricos e de interceptações telefônicas efetuadas em larga escala e sem uma preocupação com a individualização dos indivíduos investigados, a temática ainda não possui uma análise profunda a respeito de seus efeitos refletidos no mundo acadêmico e jurisprudencial''. Por Joelson Pereira Alves A prática do fishing expedition é conhecida a partir do momento que se inicia uma investigação criminal com base somente em especulações, ou seja, sem nenhum objeto certo e muito menos determinado. A base especulativa é a que rege essa prática, haja vista que é uma mera suposição de ilegalidade que não pode ser afirmada nesse primeiro momento.
De acordo com o escólio do professor Alexandre de Morais da Rosa, “Fishing Expedition ou Pescaria Probatória é a procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem ‘causa provável’, alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém. É a prática relativamente comum de se aproveitar dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. O termo se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade”. (Rosa, 2021). Ao explorar as águas turvas do processo penal, essa técnica pode levar a uma série de problemas, como a obtenção de provas ilícitas e a inversão do ônus da prova. Além disso, a fishing expedition pode contribuir para o aumento da seletividade do sistema penal, prejudicando especialmente as camadas mais vulneráveis da sociedade. O ponto central desse sistema é justamente colher algo que seja ilegal, em um grande mar de possibilidades. Essa técnica investigativa extrapola todas as barreiras dos princípios tanto do processo penal quanto da própria Constituição Federal e, caso seja autorizada em algum caso concreto, pode destruir, de vez, todas as conquistas legais que outrora foram conquistadas com muita dificuldade. Atualmente, diante de tantos casos e situações jurídicas, se percebe que a deflagração “pura e simples” de uma investigação já tem uma imensa capacidade de impactar no estado de dignidade do imputado, de maneira mais intensa nos dias em que vivemos, nos quais a mídia transmite a notícia da instauração de um inquérito policial como se já houvesse ocorrido a condenação transitada em julgado, desse modo, como bem expressa Renato Brasileiro Lima (2020): “Não se pode admitir a instauração de procedimentos investigatórios manifestamente levianos, temerários, desprovidos de um lastro mínimo de indícios da prática de crime. É dizer, se ninguém pode ser submetido indevidamente ao constrangimento ilegal decorrente de um processo criminal leviano e temerário (strepitus judicii), tampouco pode ser desarrazoadamente objeto de investigação indevida (strepitus investigationem). Com efeito, vedadas quais são as denominadas fishing expeditions, não se pode admitir a deflagração de um procedimento investigatório sem um mínimo de indícios acerca da materialidade e/ou autoria de um ilícito''. Apesar da fishing expedition possuir uma grande ocorrência prática, que pode ser visualizada, por exemplo, nos mandados de busca e apreensão genéricos e de interceptações telefônicas efetuadas em larga escala e sem uma preocupação com a individualização dos indivíduos investigados, a temática ainda não possui uma análise profunda a respeito de seus efeitos refletidos no mundo acadêmico e jurisprudencial. Convém observar que, o livro “Fishing expedition e encontro fortuito na busca e na apreensão”, traz, no final do capítulo 2, o resultado de uma ampla pesquisa de jurisprudências nos portais do Supremo Tribunal federal, Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e, por fim, nos Tribunais de Justiça dos Estados. Nessa pesquisa, realizada em junho de 2018, foram encontrados somente no STJ 14 resultados (entre decisões monocráticas e acórdãos) onde o termo estava presente (Silva, Silva e Rosa, 2019). Ressalta-se, todavia, que só cresce o número de casos para análise no STJ. Passando alguns anos e realizada pesquisa similar, observa-se que houve um crescimento considerável. Exemplo claro disso, é o fato de ter sido realizada uma nova pesquisa em janeiro de 2022 nos mesmos termos, e somente no Superior Tribunal de Justiça foram encontradas 68 decisões monocráticas. Analisando por uma lente maior, é interessante ressaltar que não se trata de um número alto, mas é inegável o aumento nas decisões que enfrentam essa ilegalidade, logo, é uma temática que vem ganhando espaço nos últimos anos. O STJ no RHC 99.735/SC, reconheceu a ilegalidade, mesmo com autorização judicial, da conduta de espelhamento via WhatsApp ‘web’ justamente porque possibilita o acesso amplo e irrestrito a toda e qualquer comunicação, inclusive as realizadas antes da mencionada autorização, o que de certa forma atribui inadmissível efeito retroativo a decisão judicial que autoriza métodos ocultos de prova.[1] Percebe-se que, mais do que requisitos para a licitude da busca e apreensão de celulares e o acesso aos dados, sobre o que o STJ já definiu ser necessária a autorização judicial, mesmo nos casos onde a apreensão do telefone ocorra em situação de flagrante.[2] Em um outro recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em uma decisão monocrática, o Relator da ação, o Ministro Sebastião Reis Júnior, rechaçou uma medida e anulou o processo de nº 0208558-76-2017.0.19.0001, que autorizou o uso dos mandados coletivos, sob o argumento de ferir diversos dispositivos legais e constitucionais.[3] Desse modo, é perceptível que nessa visão dos casos citados acima, a interceptação telefônica acontece quando, por exemplo, é necessário realizar alguma investigação e os órgãos responsáveis por tal investigação requerem ao Juiz uma interceptação com quantidade de números indeterminados. Ou seja, lançam uma investigação genérica a fim de que possa ser colhido algum material probatório. No Brasil, as autoridades investigativas devem seguir o devido processo legal e respeitar os direitos constitucionais dos indivíduos, incluindo o direito à privacidade e à proteção contra buscas e apreensões arbitrárias. Como tal, os mandados de busca e apreensão genéricos foram proibidos e as autoridades devem ter um objetivo claro e definido para justificar qualquer busca ou apreensão. No entanto, ainda pode haver casos em que as autoridades investigativas realizem práticas ilegais, como o fishing expedition, que violam os direitos dos indivíduos. É importante que essas práticas sejam denunciadas e que medidas adequadas sejam tomadas para garantir que as autoridades sejam responsabilizadas por qualquer violação da lei. Em geral, é fundamental que a justiça seja feita de acordo com a lei e que as investigações sejam conduzidas de forma ética e legal para garantir a justiça para todas as partes envolvidas. Referências Bibliográficas: LIMA, Renato Brasileiro de, Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, P. 197. ROSA, Alexandre Morais da, Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos, 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390. SILVA, Viviani Ghizoni da; SILVA, Philipe Benoni Melo e; ROSA, Alexandre Morais da. Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e na Apreensão: um dilema oculto no processo penal. 2019, p. 54. STJ. Recurso Ordinário Constitucional 99.735/SC, Sexta Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 27/11/2018. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201801533498&dt_publicacao=28/03/2019>. Acesso em: 12 de outubro de 2022. STJ. RHC 67.379/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 20/10/2016, STJ, RHC n. 92.009/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j 10/04/2018. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: EMais, 2020. STJ. Agravo regimental no Habeas Corpus 435.934/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 20/11/2019. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/RevSTJ/article/viewFile/7815/7931> . Acesso em: 12 de outubro de 2022. Joelson Pereira Alves Graduando no 5º Ano de Direito/UFPR, membro do NUPPE/UFPR e do IBCCRIM/PR. Estagiário do Ministério Público do Estado do Paraná. NOTAS: [1] STJ. Recurso Ordinário Constitucional 99.735/SC, Sexta Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 27/11/2018. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201801533498&dt_publicacao=28/03/2019>. Acesso em: 12 de outubro de 2022. [2] STJ. RHC 67.379/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 20/10/2016, STJ, RHC n. 92.009/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j 10/04/2018. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Florianópolis: EMais, 2020. [3] STJ. Agravo regimental no Habeas Corpus 435.934/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 20/11/2019. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/RevSTJ/article/viewFile/7815/7931> . Acesso em: 12 de outubro de 2022.
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