Tomo como ponto de partida do presente escrito o artigo do amigo Iverson Kech Ferreira, intitulado “Tempo de Matar, preconceito e pena de morte: os fins justificam os meios?”, podendo ser conferido aqui. Sugiro a leitura do texto indicado antes de seguir adiante com o presente. “Tempo de Matar” é o romance inaugural de John Grisham. Sucesso de vendas que também foi sucesso de bilheteria na adaptação que a obra ganhou para o cinema. Como é característico das obras do autor, o livro trata de temas ligados à justiça, ao sistema jurídico e à práxis forense. A história possui críticas e reflexões bastante profundas, mas tomemos o seguinte como um resumo bastante singelo da história: numa sociedade racista, homem negro mata por vingança os estupradores de sua filha, fazendo assim a sua própria justiça. Este é o cerne da história, o qual dá o sustentáculo para as diversas ramificações constantes na obra. Não que a narrativa fuja muito disso. O caso, os comentários e acompanhamento do processo pelos moradores da cidade, a coragem de um jovem advogado ao assumir a causa, enfim, o desenrolar das consequências do ocorrido. Entretanto, as reflexões são várias e residem de modo tanto aberto como enublado nas linhas do livro. Foquemos aqui na reflexão que se incute no presente texto. O “fazer justiça com as próprias mãos” é válido num aspecto que não jurídico? Digo para além do sentido legal diante do fato de que nosso ordenamento jurídico impossibilita qualquer tentativa de se fazer valer um direito suposto de modo arbitrário. Com a nomenclatura de exercício arbitrário das próprias razões, o artigo 345 do Código Penal prevê pena de detenção para aquele que “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. Note-se que o texto legal prevê que a pretensão do sujeito mesmo quando “legítima”, ainda assim não permite o “resolver a coisa por conta”. Conforme diz Pierpaolo Cruz Bottini ao comentar o mencionado artigo, “A resistência ao reconhecimento de direito não deve ser enfrentada pelo próprio cidadão, mas ser objeto de pretensão levada a Juízo, que poderá utilizar, em última instância, da violência estatal para realizar a Justiça”. Desnecessário dizer que matar por vingança não se enquadra em tal dispositivo legal. O tipo penal aplicado à conduta do pai da menina estuprada é o de homicídio, que aqui seria aquele constante no artigo 121 do Código Penal. Caberia, portanto, ao Tribunal do Júri realizar o julgamento do indivíduo. Mas e quanto ao questionamento abordado, qual a seria a resposta? Ou quais seriam as respostas? Iverson Kech Ferreira expôs algumas dessas indagações em seu escrito: “os fins são realmente justificados pelos meios? Vale ter vingança quando se sabe que a justiça não enxerga as diferenças sociais, a estratificação social criada por um ideal racista? Deve o acusado ser libertado, mesmo que a lei ressalte a pena de morte nesses casos?”. O questionamento principal que se chega é o de que se os fins justificam os meios. Justificam? Eu questionaria a questão num nível ainda mais profundo que não cabe aqui, mas para a análise proposta com base na obra “Tempo de Matar”, tomemos os “fins” como sendo a justiça sendo aplicada e os “meios” como as formas utilizadas para alcançá-la. Para o pai da garota estuprada, a justiça consiste num sistema de retribuição de pagar pelo mal causado com o próprio mal, devolver na mesma moeda, enfim, em se fazer valer a vingança. Ao concluir que, pelo sistema legal responsável por conduzir o processo dos estupradores, tal tipo de justiça não seria alcançada, o desafortunado da história resolveu agir por conta própria, movido por sentimentos sofríveis que somente aquele que vivenciou tal tipo de tormento poderia explicar, resultando assim na vingança efetivada ao ceifar a vida dos responsáveis pela desgraça de sua filha. Até que ponto pode se dizer que seu ato é justificável? Concluo não com respostas, mas com as mesmas perguntas que Iverson encerrou o seu texto: “E você? Como julgaria o caso, atendendo o estritamente postulado pela lei ou entenderia os fatos anteriores ao assassinato, de uma forma diferente que o magistrado da obra? Ou, questão mais severa ainda. Os fins justificam os meios? Matar para se obter vingança, sabendo que a justiça não cumprirá sua parte no acordo de prender os reais malfeitores, é a solução? Se sim, és favorável ainda a uma pena de morte?”. Pontuo apenas que a violência é cíclica. O Eterno Retorno nietzschiano produz sempre os mesmos efeitos: causas e consequências que se repetem infindamente. Sem que ocorra qualquer tipo de mudança em determinadas posturas adotadas, a história será sempre a mesma. Isso deve ser levado em conta quando das tentativas de respostas para os questionamentos aqui realizados. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura BIBLIOGRAFIA CONSULTADA FERREIRA, Iverson Kech. Tempo de Matar, preconceito e pena de morte> os fins justificam os meios?. ISSN 2446-8150. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/tempo-de-matar/. Acesso em 26/09/2016. GRISHAM, John. Tempo de Matar. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. MACHADO, Costa (Organizador). Código Penal Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 5ª Ed. Barueri: Manole, 2015.
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