Se por um lado costuma se apontar para algumas apostas de roteiros antigos que ainda não se concretizaram, tais como os carros voadores que inundariam o espaço aéreo ou ainda as viagens interplanetárias, demonstrando assim que muitas perspectivas do passado, vistas em filmes e livros, equivocaram-se em suas projeções, por outro, há de se atentar para o fato de que muito daquilo que ainda se costuma ver como ficcional já se faz presente de maneira concreta, cujo espírito da outrora ficção científica passa a ocupar o campo da realidade.
O direito está preparado para lidar com as inovações tecnológicas? Se já se tem uma dificuldade que permeia o direito no trato com os problemas atuais, os quais afligem a humanidade como um todo há tempos, o que dizer dos resultados concretos obtidos com o avanço da ciência? Carla Ferreira Gonçalves e Joaquim Humberto Coelho de Oliveira tratam de algumas questões que dizem respeito ao direito e ficção científica. A partir de obras de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Philip K. Dick, os autores tratam dos limites entre humanos e não humanos, analisando as repercussões tidas para com a eventual atribuição de personalidade jurídica a máquinas e ciborgues. As preocupações se dão para com um direito biônico, afinal, a inteligência artificial está a polvorosa, resultando em efeitos visíveis a todo o instante. Num tom hipotético-concreto, os autores sustentam que numa perspectiva conceitual sobre a inteligência artificial e seus reflexos jurídicos acabariam por resultar num estabelecimento “sobre o direito à personalidade jurídica do robô a desconfiança de ser mais uma peça do discurso da inteligência artificial, carreando todo o seu dispositivo conceitual”, de modo que a conclusão se dá no sentido de, “como o pressuposto de tudo isso é a negação do próprio corpo, essas evocações jurídicas prometeriam aperfeiçoar os direitos a ponto de prestar mais um serviço a esse descaso”[1]. O ponto é que ao mesmo tempo em que a coisa aparece como algo distante, fruto apenas das narrativas ficcionais presentes nos livros e filmes que tratam de sociedades futurísticas, isso tudo na realidade já está acontecendo – e numa velocidade além da comumente imaginada. Há todo um movimento que trata no campo fático daquelas questões que costumam ser vistas nos filmes. Repita-se: no campo fático, ou seja, para além de projeções futuras e planos teóricos, já existe muita coisa produzida no plano atual que vem surtindo surpreendentes efeitos. O deep learning, por exemplo, é um moderno campo de aprendizado de máquina que, lastreado em uma série de algoritmos, visa estabelecer modelos de abstrações profundas de dados. A questão toda é um tanto quanto complexa e sua explicação detalhada foge da abordagem aqui proposta (bem como do conhecimento desse autor). O que interessa para fins da presente exposição é apontar que já existem máquinas trabalhando num nível de aprendizado profundo, as quais vão além de “apenas” protagonizar comandos preestabelecidos: já estão aprendendo a aprender. Sobre o tema, Arnon Bruno Ventrilho dos Santos explica que:
Máquinas pensantes, arriscaria dizer, ainda mais considerando quando Arnon Bruno explica que o raciocínio por trás da questão é aparentemente simples: “é o mesmo processo que nosso cérebro segue na tomada de qualquer tipo de decisão. O aprimoramento dessa técnica, onde diversos desses neurônios são ligados em séries e em camadas diferentes é o que é chamado de ‘Deep Learning’. Trata-se, portanto, de um algoritmo bioinspirado”[3]. E quais os reflexos disso tudo que acabarão sendo sentidos no campo jurídico? Todos os possíveis. O debate, quando ocorre, geralmente é visto no campo filosófico: questões éticas que envolvem avanços científicos e acabam causando espanto na humanidade, por exemplo. A necessária preocupação do direito para com as questões envoltas a tais avanços é consequência lógica e devida. Na literatura encontramos um exemplo notório de uma espécie de regulamentação da robótica. Tratam-se das leis de Asimov, ou as três leis da robótica, as quais preveem:
A preocupação de Asimov se dava para com a possibilidade de coexistência do humanos e máquinas inteligentes. A questão aqui posta é saber se esse tipo de preocupação reside hoje apenas no campo ficcional ou se há um debate jurídico concreto sobre o tema. Apenas para encerrar com outro exemplo atual e concreto da preocupação aqui trazida, tem-se o caso dos drones, essas máquinas que cada vez mais vem sendo utilizadas em guerras. Essas máquinas que ferem sem a possibilidade de o ofensor ser ferido. Essas máquinas não tripuladas que matam e destroem sumariamente. Essas máquinas que não dão chance de defesa. Enfim, essas máquinas que estão longe de ser apenas um sonho da ficção científica – já foram, mas hoje estão atuais e presentes. Grégoire Chamayou é um filósofo que lança suas preocupações sobre a questão dos drones, debruçando-se em um estudo onde faz uma abordagem que passa por diversas perspectivas filosóficas: ética, jurídica, militar e política. Diante de seus apontamentos expositivos e críticos, o autor alerta que “ao contrário do que sugerem os roteiros de ficção científica, o perigo não é que os robôs comecem a desobedecer; é justo o inverso: que nunca desobedeçam”[4]. A ficção científica, pelo menos parte dela, vem deixando cada vez mais de ser ficção. Que o direito esteja atento para as mudanças que estão por vir. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Referências: [1] GONÇALVES, Carla Ferreira; OLIVEIRA, Joaquim Humberto Coelho de. Direito e Ficção Científica: os limites entre humanos e não-humanos e a atribuição de personalidade jurídica a máquinas e ciborgues. In: HOGEMANN, Edna Raquel; ARRUDA, Érica Maia C. Encontro Entre Direito e Narrativa Literária. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 212 [2] SANTOS, Arnon Bruno Ventrilho dos. Inteligência Artificial: Como computadores superaram humanos na identificação de padrões? Disponível em: <http://pontocritico.net.br/artigo/inteligencia-artificial>. Acesso em: 21/08/2017. [3] SANTOS, Arnon Bruno Ventrilho dos. Inteligência Artificial: Como computadores superaram humanos na identificação de padrões? Disponível em: <http://pontocritico.net.br/artigo/inteligencia-artificial>. Acesso em: 21/08/2017. [4] CHAMAYOU, Grégoire. Teoria do Drone. São Paulo: Cosac Naify, 2015. p. 204 Comments are closed.
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