Poucos dias após o Ministro do STF Celso de Melo deferir liminar em favor do Goleiro Bruno, para permitir que este aguarde o julgamento do seu Recurso de Apelação em Liberdade, o Goleiro Edinho (filho de Pelé), também por decisão liminar, foi posto em liberdade, concedia pelo Ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro. Na semana em que dois atletas chamaram a atenção nas páginas policiais dos noticiários[1][2], foi possível extrair lições de como funciona (ou deveria funcionar) a Constituição Federal e o Código de Processo Penal na prática. No caso do Goleiro Bruno, a liberdade foi concedia em razão do excesso de prazo para julgamento do Recurso de Apelação (mais de 03 anos) e também pela fundamentação sobre a impossibilidade de recorrer em liberdade não estar embasada de acordo com os requisitos do Art. 312 CPP[3]. E no caso do Goleiro Edinho, por qual motivo ele foi posto em liberdade, apenas 06 dias após sua prisão? Para poder compreender os motivos que ensejaram a liberdade é necessário entender por qual motivo o Goleiro Edinho foi preso. - O goleiro Edinho foi preso preventivamente (1ª prisão) em junho de 2.005[4], durante o curso do Inquérito que apurava seu envolvimento em crimes de lavagem de dinheiro e associação ao tráfico. Em 17.12.05, em decisão liminar proferida pelo Ministro do STF Cezar Peluso, no HC 90.325/SP, o mandado de prisão preventiva foi revogado. - Na fase de instrução processual, de acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, o Goleiro Edinho, juntamente com outras pessoas, teria cometido vários crimes de lavagem de dinheiro, assim capitulados: Art. 1º[5], incisos I[6] e VII[7]; no art. 1º § 2º[8]incisos I[9] e II[10]; Art. 1º, § 2º, incisos I e II,art. 1º, § 4º[11], todos daLei n. 9.613/1998, combinado com o Art. 29[12] (concurso de pessoas) do Código Penal, todos em concurso material previsto no Art. 69 também do Código Penal. - Ao final da instrução, o Goleiro Edinho foi condenado à pena de 33 anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado, e teve assegurado seu direito de recorrer em liberdade na sentença, pois respondeu à instrução processual solto. - Contra a sentença condenatória, a defesa opôs Embargos de Declaração, para informar ao Juízo de piso o extravio do passaporte do Goleiro[13]. - No julgamento dos Embargos de Declaração, o Juízo de piso não conheceu o recurso, porém decretou a prisão preventiva (2ª prisão), fundamentado a medida na necessidade de assegurar a aplicação da Lei penal. - Com a nova prisão de Edinho, a defesa impetrou HC perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e, em decisão de liminar, foi concedido alvará de soltura. - Enquanto isso, ainda na 1ª instância, o Juízo de piso não recebeu o Recurso de Apelação, ao argumento de que este teria sido interposto fora do prazo, pois o não conhecimento dos Embargos de Declaração não interromperia a contagem e por esse motivo além de determinar o trânsito em julgado, novamente decretou a prisão (3ª prisão), agora para início do cumprimento da pena. - Outro HC foi impetrado e no mérito o TJSP concedeu ordem para anular o despacho no qual o Juízo de piso determinou o trânsito em julgado, pois o não conhecimento dos Embargos de Declaração interrompe a contagem do prazo de interposição do Recurso de Apelação, e por fim foi expedido alvará de soltura, para assegurar o direito de recorrer em liberdade, conforme estabelecido na sentença. - Com o fim da conturbada instrução processual na primeira instância, os autos foram encaminhados ao Tribunal para o início da fase recursal. - No julgamento do Recurso de Apelação, que ocorreu em 23.02.17, a pena foi reduzida de 33 anos e 04 meses para 12 anos, 04 meses e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado, e ao final do acórdão foi determinada a expedição de mandado de prisão para início da execução provisória da pena, com base na atual posição do STF no HC 126.292/SP[14]. - O mandado de prisão para início da execução provisória da pena foi cumprido antes mesmo da publicação do acórdão (4ª prisão). - Como a ordem de prisão imposta pelo Colegiado da 14ª Câmara Criminal do TJSP, a defesa impetrou HC perante do Superior Tribunal de Justiça, e em decisão liminar, publicada em 03.03.17, proferida pelo Ministro Antônio Saldanha Palheiro, o Goleiro Edinho foi novamente libertado. Mas se a prisão foi decretada como base no entendimento majoritário do STF, formulado a partir do julgamento do HC 126.292/SP, que passou a permitir a execução provisória da pena, como foi possível a liberdade do Goleiro Edinho poucos dias após a sua prisão? A resposta é muito simples, isto porque a prisão para início da execução provisória da pena, quando possível[15], não pode ser decretada de forma automática e sem a confirmação do acórdão. Eis a decisão liminar:
Por mais que o entendimento majoritário do STF permita que a pena seja executada de forma provisória, a determinação da prisão jamais poderá ser executada de forma automática, ou seja, é necessário aguardar a confirmação do acórdão da Apelação (com o encerramento do 2º grau de jurisdição). No caso do Goleiro Edinho, ele foi preso antes mesmo da publicação do acórdão, o que se traduz em grave constrangimento ilegal. Assim, a aplicação antecipada e equivocada de um entendimento jurisprudencial[17] acarretou na liberdade do Goleiro Edinho. E qual é a (possível) relação entre o caso dos Goleiros? Conforme esclarecido anteriormente[18], o Goleiro foi Bruno foi solto por dois motivos, quais sejam: desarrazoada demora em julgar o recurso de Apelação e fundamentação inidônea para impedir que recorresse em liberdade. Portanto, futuramente, após o julgamento do recurso de Apelação do Goleiro Bruno, caso, eventualmente, sua condenação seja mantida, ou reduzida, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais não poderá aplicar o entendimento majoritário do STF, estabelecido no HC 126.292/SP, antes da confirmação do acórdão. Em resposta ao questionamento inicial, foi correta a decisão liminar, pois a prisão para início da execução provisória da pena não pode ser aplicada antes que a jurisdição da 2ª instância esteja encerrada. Thiago Pontarolli Advogado Criminal [1] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/02/preso-desde-2010-ex-goleiro-bruno-e-solto-gracas-liminar-do-supremo.html [2]http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2017/03/ex-goleiro-edinho-e-libertado-apos-cinco-dias-na-cadeia-nada-mais-justo.html [3] STF – HC 139.612, Marco Aurélio, decisão liminar, DP 01.03.17. [4] http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/ex-goleiro-do-santos-filho-de-pele-e-condenado-33-anos-de-prisao.html [5] Art. 1oOcultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. [6] I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; [7] VII - praticado por organização criminosa [8] § 2oIncorre, ainda, na mesma pena quem: [9] I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; [10] II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. [11] § 4º A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa. [12] Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. [13] Citado conforme mencionado no relatório da decisão liminar do HC 389.732. [14] STF - CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO PROFERIDO EM GRAU DE APELAÇÃO, AINDA QUE SUJEITO A RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINÁRIO, NÃO COMPROMETE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA AFIRMADO PELO ARTIGO 5º, INCISO LVII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 2. HABEAS CORPUS DENEGADO [15] http://www.salacriminal.com/home/a-execucao-provisoria-da-pena-e-uma-medida-obrigatoria [16] STJ – HC 389.732 - Antônio Saldanha Palheiro, 6ª Tª, decisão liminar publicada em 03.03.17. [17] Importe frisar que não existe Lei sobre “execução provisória da pena”. Por esse motivo, sua aplicação sempre feita com base no entendimento majoritário do STF no HC 126.292/SP. E justamente por se tratar de um entendimento majoritário é que há divergências sobre a sua forma de proceder. [18] http://www.salacriminal.com/home/voce-sabe-por-que-o-goleiro-bruno-foi-solto Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |