Dentre os requisitos existentes aptos a justificar a medida excepcional que é a prisão preventiva, têm-se aqueles que quando de fato observados e existentes seriam idôneos, enquanto existem outros que padecem de uma concretude semântica suficiente para que sua utilização seja legítima. Os requisitos da “conveniência da instrução criminal” e da “asseguração da aplicação da lei penal”, por exemplo, se situam dentre os quais é possível se estabelecer uma correlação específica e congruente entre a seara fática existente em determinado contexto devidamente vinculada à necessidade processual de aplicação da gravosa medida que é a prisão preventiva. É dizer que tais requisitos encontram amparo fidedigno quando aplicados de forma escorreita. O artigo 312 do Código de Processo Penal trata justamente desses critérios a serem observados (requisitos que necessitam estar presentes)quando da necessidade de decretação da prisão preventiva:
Tem-se assim que para além das críticas cabíveis ao requisito da ordem pública[1], o mesmo poderia se dizer do requisito “garantia da ordem econômica”, pois, afinal de contas, o que seria a ordem econômica? Em que nível esta ordem econômica estaria em risco a fim de se fazer necessária a prisão de um indivíduo para protegê-la? Sobre a questão aqui pontuada, Aury Lopes Jr. assim evidencia:
De fato, a questão “ordem econômica” aparece tutelada na Constituição Federal, no Título VII, que trata justamente da Ordem Econômica e Financeira. Tem-se assim: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Ainda em observância ao disposto acima, tratar de matéria penal é deveras delicado quando o assunto é “ordem econômica”, justamente pela gama constitucional envolvendo o objeto. Algumas leis esparsas (como a atual Lei Antitruste 12. 529/2011- art. 36 e ss. e a Lei 8.137/90) tutelam justamente a questão da ordem econômica tanto em sentido administrativo, como em sentido criminal, dando o amparo legislativo necessário para a regulamentação constitucional. O que se discute aqui, não é a questão da legalidade de condenações sobre estes crimes, nem tão pouco realizar um discurso crítico acerca dos crimes econômicos. O intuito é a dissertação quanto à aplicação desta fundamentação no tocante à prisão preventiva. Para realizarmos um paralelo além do já disposto sobre a ordem econômica, há a necessidade de indagarmos o que vem a ser a tal “ordem econômica”, ou ao menos, de toda a sorte, tentarmos estabelecer uma conexão doutrinária mínima acerca do tema. Luiz Régis Prado nos traz um conceito acerca do tema:
Como anteriormente dito, não nos presta no presente escrito dissertar acerca da legalidade ou assertiva legislativa de sancionar crimes que tenham por base a ordem econômica, mesmo porque, sem dúvidas, os crimes tidos como “delitos econômicos” de uma maneira geral são sim nocivos à sociedade. Deve-se punir a quem de fato a lei imputa uma sanção, mas “como punir” (?) e “quando punir” (?) são perguntas que devem ser sempre estudadas e criticadas para um aperfeiçoamento do próprio Direito. Assim, nos revela uma terceira linha de raciocínio para debate: por que decretar a prisão preventiva com base em “ordem econômica” e/ou se a prisão preventiva é correta e assertiva para tal finalidade. Pontuando aqui o ensinamento de Pacelli, verifica-se:
Verifica-se aqui a crítica no sentido de que, de fato, utilizar o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal pelo fundamento da ordem econômica parece ser deficiente de amparo inteligível,pois, sob a ótica de ameaça à sociedade, a questão da “ordem econômica” poderia muito bem ser suprimida, dando lugar a outro (e questionável) fundamento para tanto. Quais seriam as hipóteses de aplicação de uma prisão preventiva sob o fundamento de tal requisito? Um banqueiro, um empresário, ou ainda um investidor, por exemplo, caso constatado em sede de cognição sumária que tal sujeito estivesse praticando crimes contra a ordem econômica, deveria ser mantido preso cautelarmente a fim de cessar sua empreitada criminosa? Perceba que se a resposta for “sim”, a medida estaria amparada naquilo que Aury Lopes Jr. denomina de “exercício de futurologia”, pois se partiria de uma premissa cujo resultado supostamente esperado é inverificável, pois como provar que o preso, caso solto, praticaria novos crimes? Avançando, mesmo se fosse o caso de considerar como válido o argumento utilizado para a prisão hipotética, convenhamos que a conduta delituosa deveria ser exorbitantemente absurda a ponto de abalar de modo concreto a ordem econômica, ou seja, a aplicação de tal requisito se situa mais num campo abstrato (pois dificilmente alcançado no campo fático) do que no nível de aplicação do cotidiano forense. Tanto é assim que dificilmente se vê a aplicação de tal parte do dispositivo como fundamento na prática. Alexandre Morais da Rosa[5] pontua com relação ao requisito da ordem econômica que este deve “se vincular à conduta imputada/apurada e não em aspectos genéricos, sua gravidade e potencialidade coletiva decorrente da manutenção da liberdade do agente”, ou seja, não podendo se pautar em critérios de ordem genérica, num exercício de mera retórica. Deste modo, temos que por mais que seja incomum a utilização do requisito “garantia da ordem econômica” como fundamento da prisão preventiva na prática forense (cuja ausência de maiores exemplos em julgados pode ser explicada por várias e pelas mais variadas razões), há de se atentar para a (in)congruência do termo, pois está presente no ordenamento jurídico e à disposição do julgador para que seja usado como amparo de uma decisão que determine a prisão preventiva de alguém. Atentemo-nos, portanto, fugindo sempre dos discursos irrefletidos que se baseiam na retórica, os quais que por mais possam ser persuasivos, não se pautam em pilares concretos sob a égide constitucional vigente. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Pós-graduando em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR Pós- graduando em Ciências Penais [1] Já também abordado aqui no “Sala de Aula Criminal”: http://www.salacriminal.com/home/desvirtuando-as-regras-do-jogo-as-adivinhacoes-em-a-torre-negra-de-stephen-king-e-a-ordem-publica-no-processo-penal [2]LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.p. 855. [3]PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 5ª. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 39-40. [4] PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. 18. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 555. [5]ROSA, Alexandre Morais da.Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ªEd. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 310 Comments are closed.
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