Arenas pós-modernas de debate político, as redes sociais se tornaram verdadeiros campos de guerra. Apenas para esclarecer, quando se fala em debate político, quer-se referir a todas as questões pertinentes à vida em sociedade, incluindo as de foro criminal: descriminalização das drogas, redução da idade de imputabilidade, direitos humanos dos presos, impunidade, descaso com as vítimas e tantas outras. Impende esclarecer que o debate das questões criminais é de todo relevante, sobretudo como forma de repensar um sistema punitivo que não funciona adequadamente. Contudo, revela-se preocupante o fato de que, na maioria dos casos, os debatedores se fecham ideologicamente e passam a atacar agressivamente as ideias contrárias. É muito difícil encontrar alguém disposto a absorver as ideias alheias e a perceber que o objetivo final do “opositor” talvez seja idêntico ao seu, diferindo apenas as concepções instrumentais para atingir tal objetivo. Na “guerra” do debate político as pessoas parecem esquecer as razões da oposição de ideias (pensar conjuntamente em soluções) e focam em fazer prevalecer seus respectivos pontos de vista, espécie de micro-exercício de poder. O debate acaba virando uma disputa de egos e, não raramente, se encerram com ofensas pessoais mútuas. A discussão sobre o “objeto” se transforma rapidamente em discussão sobre o “ser”, quando em verdade deveria ser, desde o início, sobre o “abrangente” (ser + objeto). Diante deste contexto beligerante e pouco construtivo, é importante relembrar valiosos “conselhos” – absurdamente atuais, muito embora escritos em 1951 – de KARL JASPERS [1] sobre posturas dialogais nos debates políticos. De acordo com JASPERS, os debatedores devem observar três regras básicas para realizar um debate produtivo: (a) identificar o que exatamente querem e, assim, perceber que agem “inspirados pelo desejo comum da verdade”; (b) respeitar a opinião divergente, vez que, por fundamentos diversos, esta é justificada; (c) compreender que o debate projeta o futuro, o qual é de todo incerto, não invalidando automaticamente, portanto, qualquer das teses apresentadas. Relevante analisar com maior cuidado cada um destes pontos que compõem a reflexão de JASPERS: Em primeiro lugar, as pessoas se equivocam quando acreditam que possuem objetivos diametralmente opostos aos daqueles que se propõem ao debate de determinada questão. Normalmente os objetivos são os mesmos, variando apenas os aspectos instrumentais. Para ilustrar tal ponto é possível refletir a partir da seguinte hipótese: Duas pessoas, ambas preocupadas com o avanço crescente do uso das drogas, se propõem a pensar soluções que viabilizem a reversão deste quadro. Têm portanto, um objetivo comum. Contudo, a primeira acredita que a solução reside em se estabelecer penas mais rigorosas para o tráfico, enquanto a segunda acredita que a única solução viável seja a descriminalização e o investimento em políticas sanitárias e educacionais. O objetivo comum deveria unir as pessoas na composição de ideias e não afastá-las, afinal, a essência que inspira o debate é a mesma. Vale aqui a transcrição de trecho do pensamento de JASPERS:
Em segundo lugar, as pessoas, cada vez mais, parecem indispostas a ouvir opiniões contrárias, querem simplesmente fazer prevalecer suas visões preconcebidas, como se fossem detentoras de um saber inabalável. Tal postura verticalizante é a característica mais evidente dos debates pós-modernos. Os debatedores julgam – como se fossem isentos para tal – a procedência da própria opinião e, por argumentos de autoridade, ignoram ou rebaixam as justificativas da opinião oposta. Em verdade, o debate deveria ser oportunidade de construção conjunta e de percepção de pontos de procedência de cada uma das posições, vez que cada qual tem a sua justificativa, conforme ensina JASPERS:
Em terceiro lugar, o debate é instrumento comunicativo que se propõe à projeção futura, normalmente tendo por ponto de partida a crítica do presente e do passado. Assim, debater política (incluindo política criminal) é pensar em soluções, potencialmente viáveis, para determinados problemas sociais. Agora, na impossibilidade de antever o futuro, o respeito pela diversidade de ideias deve ser ainda maior, vez que a dialética em si se revela como indicativa de novos caminhos, democraticamente construídos. Eis o que diz JASPERS:
Em conclusão, é importante consignar que os inúmeros debates travados nas redes sociais seriam muito mais construtivos se as pessoas estivessem abertas a somar ideias, voltadas às soluções políticas cotidianas, ao invés de guerrear ideologicamente, tentando impor, a qualquer custo, inclusive com violência verbal, as próprias convicções. André Pontarolli Coordenador do Sala de Aula Criminal Mestrando em Direito pela UNINTER Professor de Direito Penal e Criminologia Advogado Criminal Membro da Comissão de Estágio e Exame de Ordem da OAB/PR Membro da ABRACRIM [1] JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. Trad. Leonidas Hegenberg. Cultrix: São Paulo, 2003. p. 62-66. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |