Artigo da colunista Paula Yurie Abiko no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Nesse sentido, no HC nº 165.704, fundamentou-se a decisão e concessão de prisão domiciliar para homens também, quando sejam os únicos responsáveis pelos cuidados do menor ou do deficiente, ampliando a decisão anteriormente mencionada, tornando-se uma decisão de demasiada importância neste período de pandemia global do COVID 19, e reconhecendo que a tutela dos filhos menores de idade cabe aos genitores em totalidade, não apenas as mães''. Por Paula Yurie Abiko O Habeas Corpus nº 165.704/ DF do Supremo Tribunal Federal, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, trouxe uma ampliação muito importante no direito à prisão domiciliar concedido as mães, observado o período de pandemia global do COVID 19. Aduz a ementa na concessão do habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública da União: (..) ‘’Habeas corpus coletivo. Admissibilidade. Lesão a direitos individuais homogêneos. Caracterização do habeas corpus como cláusula pétrea e garantia fundamental. Máxima efetividade do writ. Acesso à justiça. 2. Direito Penal. Processo Penal. Pedido de concessão de prisão domiciliar a pais e responsáveis por crianças menores ou portadoras de deficiência. 3. Doutrina da proteção integral conferida pela Constituição de 1988 às crianças, adolescentes e aos deficientes. Normas internacionais de proteção às pessoas com deficiência que foram incorporadas no Brasil com status de Emenda Constitucional. Consideração dos perniciosos efeitos que decorrem da separação das crianças e deficientes dos seus responsáveis. 4. Previsão legislativa no art. 318, III e VI, do CPP. 5. Situação agravada pela urgência em saúde pública decorrente da propagação do Covid-19 no Brasil. Resolução nº 62/2020 do CNJ. 6. Parecer da PGR pelo conhecimento da ação e concessão da ordem. 7. Extensão dos efeitos do acórdão proferido nos autos do HC 143.641, com o estabelecimento das condicionantes trazidas neste precedente, nos arts. 318, III e VI, do CPP e na Resolução nº 62/2020 do CNJ. Possibilidade de substituição de prisão preventiva pela domiciliar aos pais (homens), desde que seja o único responsável pelos cuidados do menor de 12 (doze) Revisado HC 165704 / DF anos ou de deficiente e não tenha cometido crime com grave violência ou ameaça ou, ainda, contra a sua prole. Substituição de prisão preventiva por domiciliar para outros responsáveis que sejam imprescindíveis aos cuidados do menor de 6 (seis) anos de idade ou deficiente. 8. Concessão do habeas corpus coletivo’’. Nesse sentido, a decisão observou o entendimento já firmado pela Corte, nos casos de mães responsáveis por filhos pequenos ou com alguma enfermidade, necessitando de cuidados, nos termos do que dispõe o artigo 318 do Código de Processo Penal: ‘’Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos’’. Uma decisão fundamental, tendo em vista que o sistema prisional priva as gestantes, parturientes e mães de crianças até 12 anos incompletos ou com deficiência de todos os acompanhamentos e exames, o que tende a agravar a situação de enfermidades. Além disso, também ocorre o afastamento abrupto de mães e filhos, fragilizando a relação familiar e dificultando os vínculos afetivos, que nem sempre conseguem suportar o ônus da guarda. No julgamento do HC 143.641/SP, determinou-se a “substituição da prisão preventiva pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015). No voto elaborado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, foram correlacionadas informações coletadas pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, INFOPEN Mulheres (Brasília: Departamento Penitenciário Nacional – Ministério da Justiça, Junho/2017) para demonstrar a incapacidade do Estado de assegurar direitos fundamentais às mulheres encarceradas, que são privadas de cuidados médicos desde rotineiros até pré-natais e pós-parto: “(...)Nos estabelecimentos femininos, apenas 34% dispõem de cela ou dormitório adequado para gestantes, apenas 32% dispõem de berçário ou centro de referência materno infantil e apenas 5% dispõem de creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19); (...)Nos estabelecimentos mistos, apenas 6% das unidades dispõem de espaço específico para a custódia de gestantes, apenas 3% dispõem de berçário ou centro de referência materno infantil e nenhum dispõe de creche (INFOPEN Mulheres, p. 18-19). (...) A deficiência estrutural do sistema prisional já havia sido afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 347 MC/DF, que reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um estado de coisas inconstitucional, por reiteradas violações aos direitos fundamentais das apenadas, sendo agravadas nos casos de apenadas gestantes ou com filhos pequenos, pela completa falta de estrutura do sistema prisional em acolher essas crianças. Ademais, um dos princípios basilares da Constituição da República é o princípio da pessoalidade, ressaltando que a pena não deverá passar da pessoa do condenado a outrem. 1.DO PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE Conforme ressalta o artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal, ‘’nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido’’. Nesse sentido, soa desarrazoado a permanência de uma criança recém nascida no sistema prisional, observado que com base no princípio da pessoalidade, a pena não deve ser passada para outrem no trâmite do processo criminal. Ainda, um dos princípios do direito penal é o da humanidade da pena, ressalta SEMER (2020, p. 134) nesse sentido: ‘’ Congrega a ideia da pena como anteparo à intervenção do Estado, com o qual o racionalismo da ilustração combateu o arbítrio pré moderno. Tem como matriz não apenas a concepção de limite, como também de previsibilidade em relação à pena’’. Ressaltando também SEMER, (2020, p. 137) que o princípio da humanidade é inserido explicitamente no rol de direitos fundamentais da Constituição Federal, como a proibição do tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III), sendo um princípio basilar da dignidade humana. No tocante as condições de pleno desenvolvimento dessas crianças no sistema carcerário com suas mães, é notório a ausência de ambiente salubre e creches suficientes para a permanência dos recém nascidos, em condições adequadas ao seu desenvolvimento, não sendo propício a permanência no cárcere. A Lei de Execução Penal aduz no artigo 83,§2º[1], que os estabelecimentos penais femininos devem possuir berçários e creches para o desenvolvimento das crianças, para que as mulheres privadas de liberdade possam amamentar e conviver com os seus filhos. Ocorre que o artigo 89 dispõe sobre a idade para a permanência dessas crianças com suas mães, pois na maioria dos presídios brasileiros não há vagas suficientes nas creches, tampouco materiais de higiene adequados como roupas e fraldas, o que acaba contribuindo para a separação das mães com seus filhos, tornando-se um momento demasiado doloroso para as mães e seus filhos. Nesse sentido, ressalta RONCHI (2017, p. 19)[2]: ‘’A política de encarceramento deve ser repensada da forma que é feita, visando um julgamento mais humano, com um reconhecimento da realidade pessoal de quem está no banco dos réus e os reflexos que isso trará em sua vida e, no presente caso, na vida de suas famílias. É necessário que se tente aplicar, sempre que possível, medidas cautelares ou prisões domiciliares, pois a experiência da maternidade no cárcere causa grande sofrimento nas presas: desde o momento da gravidez, passando pelo convívio com os filhos dentro da prisão, o momento da separação e, ainda, no difícil contato posterior à separação entre mãe detenta e filho/família’’. Portanto, é fundamental que as crianças das mães privadas de liberdade possam crescer e desenvolver-se em locais apropriados à sua integridade física e saúde, respeitados os direitos inerentes para suas formações, e resguardados a dignidade da pessoa humana e seus direitos individuais. 2. DIREITO A CONVIVÊNCIA FAMILIAR Importante ressaltar que as mulheres encarceradas encontram-se em situação de alta vulnerabilidade social. As Nações Unidas aprovaram em 2010 as Regras de Bangkok, um marco normativo internacional que deve orientar Estados a priorizarem a aplicação de medidas não privativas de liberdade para mulheres em conflito com a lei. As Regras de Bangkok tratam as especificidades de gênero, devendo ser observadas por todo o sistema de justiça criminal e levando em conta como o cárcere incide sobre a vida destas mulheres e consequentemente na vida de seus filhos menores. O HC nº 165.704 do Supremo Tribunal Federal, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes fora muito importante por reconhecer a importância da mãe permanecer com seus filhos, ampliando a aplicação nos casos concretos, pois o HC nº 143.641 restringia-se as mães. Nesse sentido, no HC nº 165.704, fundamentou-se a decisão e concessão de prisão domiciliar para homens também, quando sejam os únicos responsáveis pelos cuidados do menor ou do deficiente, ampliando a decisão anteriormente mencionada, tornando-se uma decisão de demasiada importância neste período de pandemia global do COVID 19, e reconhecendo que a tutela dos filhos menores de idade cabe aos genitores em totalidade, não apenas as mães. Paula Yurie Abiko Pós graduanda em direito penal e processual penal - ABDCONST. Pós graduanda em Direito Digital (CERS). Graduada em direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE). Membro do Grupo de Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal. Membro do grupo de pesquisas: Trial By Jury e Literatura Shakesperiana. Membro do GEA - grupo de estudos avançados - teoria do delito, (IBCCRIM). Membro do Neurolaw (grupo de pesquisas de Direito Penal e Neurociências – Cnpq). Integrante da comissão de criminologia crítica do canal ciências criminais. Integrante da comissão de Direito & literatura do Canal ciências criminais. REFERÊNCIAS SEMER, Marcelo, Princípios penais no estado democrático de direito, anotado com alterações da lei 13.964.2019, São Paulo, Tirant Lo Blanch, 2020. RONCHI, Isabela Zanette. A Maternidade e o cárcere: uma análise de seus aspectos fundamentais.<http://conteudo.pucrs.br/wp-content/uploads/sites/11/2018/03/isabela_ronchi_20172.pdf>, acesso em 10 de nov. 2020. BRASIL, 2019, Lei nº 7.210 de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>, acesso em 10 de nov. 2020. NOTAS: [1] BRASIL, 2019, Lei nº 7.210 de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>, acesso em10 de nov. 2020. ’’Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva, § 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade’’.
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