1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
Supreme Court of the United States. Ohio v. Clark. Condutor do voto Samuel A. Alito. Julgado em 18/06/2015. Ementa do julgado: Respondent Darius Clark sent his girlfriend away to engage in prostitution while he cared for her 3-year-old son L. P. and 18-month-old daughter A. T. When L. P.’s preschool teachers noticed marks on his body, he identified Clark as his abuser. Clark was subsequently tried on multiple counts related to the abuse of both children. At trial, the State introduced L. P.’s statements to his teachers as evidence of Clark’s guilt, but L. P. did not testify. The trial court denied Clark’s motion to exclude the statements under the Sixth Amendment’s Confrontation Clause. A jury convicted Clark on all but one count. The state appellate court reversed the conviction on Confrontation Clause grounds, and the Supreme Court of Ohio affirmed. Held: The introduction of L. P.’s statements at trial did not violate the Confrontation Clause. Pp. 4–12. (a) This Court’s decision in Crawford v. Washington, 541 U. S. 36 , held that the Confrontation Clause generally prohibits the introduction of “testimonial” statements by a nontestifying witness, unless the witness is “unavailable to testify, and the defendant had had a prior opportunity for cross-examination.” A statement qualifies as testimonial if the “primary purpose” of the conversation was to “creat[e] an out-of-court substitute for trial testimony.” Michigan v. Bryant, 562 U. S. 344 . In making that “primary purpose” determination, courts must consider “all of the relevant circumstances.” Ibid. “Where no such primary purpose exists, the admissibility of a statement is the concern of state and federal rules of evidence, not the Confrontation Clause.” Id., at 359. But that does not mean that the Confrontation Clause bars every statement that satisfies the “primary purpose” test. The Court has recognized that the Confrontation Clause does not prohibit the introduction of out-of-court statements that would have been admissible in a criminal case at the time of the founding. See Giles v. California, 554 U. S. 353 –359; Crawford, 541 U. S., at 56, n. 6, 62. Thus, the primary purpose test is a necessary, but not always sufficient, condition for the exclusion of out-of-court statements under the Confrontation Clause. Pp. 4–7. (b) Considering all the relevant circumstances, L. P.’s statements were not testimonial. L. P.’s statements were not made with the primary purpose of creating evidence for Clark’s prosecution. They occurred in the context of an ongoing emergency involving suspected child abuse. L. P.’s teachers asked questions aimed at identifying and ending a threat. They did not inform the child that his answers would be used to arrest or punish his abuser. L. P. never hinted that he intended his statements to be used by the police or prosecutors. And the conversation was informal and spontaneous. L. P.’s age further confirms that the statements in question were not testimonial because statements by very young children will rarely, if ever, implicate the Confrontation Clause. As a historical matter, moreover, there is strong evidence that statements made in circumstances like these were regularly admitted at common law. Finally, although statements to individuals other than law enforcement officers are not categorically outside the Sixth Amendment’s reach, the fact that L. P. was speaking to his teachers is highly relevant. Statements to individuals who are not principally charged with uncovering and prosecuting criminal behavior are significantly less likely to be testimonial than those given to law enforcement officers. Pp. 7–10. (c) Clark’s arguments to the contrary are unpersuasive. Mandatory reporting obligations do not convert a conversation between a concerned teacher and her student into a law enforcement mission aimed at gathering evidence for prosecution. It is irrelevant that the teachers’ questions and their duty to report the matter had the natural tendency to result in Clark’s prosecution. And this Court’s Confrontation Clause decisions do not determine whether a statement is testimonial by examining whether a jury would view the statement as the equivalent of in-court testimony. Instead, the test is whether a statement was given with the “primary purpose of creating an out-of-court substitute for trial testimony.” Bryant, supra, at 358. Here, the answer is clear: L. P.’s statements to his teachers were not testimonial. Pp. 11–12. 137 Ohio St. 3d 346, 2013–Ohio–4731, 999 N. E. 2d 592, reversed and remanded. 2 O CASO Darius Clark, cujo apelido era Dee, vivia com sua companheira, T.T (uma garota de programa que era agenciada por Dark) e os dois filhos da mesma., L.P de três anos de idade e A.T de 18 meses. Em março de 2010, Clark enviou T.T a uma viagem a Washington e se comprometeu a tomar conta das crianças. No dia seguinte, L.P foi a pré-escola e sua professora, Ramona Whitley, percebeu uma lesão no olho esquerdo da criança. Ela inquiriu a criança sobre o que havia ocorrido e a mesma permaneceu em silêncio, então, Ramona chamou sua superior, Jones, a qual perguntou a criança o que havia ocorrido, sendo registrado o seguinte diálogo:
Ao final do dia, quando Clark foi buscar a criança na escola negou qualquer responsabilidade pela lesão no olho da mesma. No dia seguinte, uma assistente social encontrou as crianças na casa da mãe de Clark e as levou ao hospital, onde foram constatadas diversas lesões em ambas as crianças. Clark foi acusado por cinco agressões, duas exposições de crianças à perigo e duas violências domésticas. O menor L.P não ouvido perante a corte, porquanto esta concluiu que o mesmo não teria capacidade suficiente para prestar depoimento, no entanto suas declarações às professoras foram utilizadas como prova. Clark foi condenado a uma pena de 28 anos em primeiro grau, decisão a qual foi anulada pela Supreme Court of Ohio, a qual entendeu que houve ofensa ao direito ao confronto na utilização da declaração de L.P às suas professoras. A condenação acabou por ser restituída pela Supreme Court of the United States. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O julgamento girou ao redor de duas questões, o direito ao confronto e se as declarações prestadas por L.P a suas professoras seria ou não um depoimento válido a ser apreciado pelos jurados. Isso porque sobre a lei de Ohio, menores de dez anos não são obrigados a prestar depoimento quando for constatada sua incapacidade para compreender o ato. A Suprema Corte destacou qual seu entendimento de testemunho, “a solemn declaration or affirmation made for the purpose of establishing or proving some fact. “, o qual foi fixado em Crawford[1]. A partir de tal definição, entre os julgamentos de Crawford e Ohio, foram julgados três outros casos que diziam respeito ao direito ao confronto e a hearsay evidence e que influenciaram diretamente no julgamento de Clark. A Corte citou os julgamentos de Davis v Whashington, de Hammon v. Indiana e Michigan v. Bryant,, os quais tiveram de avaliar se declarações prestadas a terceiros em determinadas circunstâncias seriam ou não depoimentos e, portanto, possíveis de serem utilizados em julgamento. A Suprema Corte fez constar que tais declarações devem passar pelo PRIMORY PURPOSE TEST, isto é, deve se verificar se a intenção do declarante e/ou do inquiridor é criar evidência criminal ou se tem uma outra finalidade primária (v.g: tal como prestação de socorro que ocorreu no caso Davis). A partir de tais julgamentos, a Suprema Corte definiu que os depoimentos são provas quando:
E que :
Com base na fixação das diferenças entre declarações, possíveis de serem utilizadas na corte, independentemente do confronto, e de depoimentos, proibidos de serem utilizados em julgamento, a Suprema Corte chegou a conclusão de que as declarações de L.P às suas professoras não seria hearsay evidence e que, portanto, não ofenderia o direito ao confronto . Tal conclusão foi tomada, sob fundamento de que as perguntas das professores foram feitas com propósito de identificar o agressor e impedir a vítima de sofrer mais agressões, de que não existia qualquer indício de que a intenção primária das professoras fosse recolher provas que pudessem ser utilizadas contra Clark em julgamento. Acrescentou que raros professores entendem a dinâmica de um julgamento criminal e que crianças pequenas não tem conhecimento do que seja uma persecução penal. A Suprema Corte reverteu a anulação do julgamento que havia sido feita, para restabelecer a condenação de primeiro grau, concluindo que não necessariamente toda e qualquer declaração feita fora de corte ofende o direito ao confronto: We have never suggested, however, that the Confrontation Clause bars the introduction of all out-of-court statements that support the prosecution’s case. Instead, we ask whether a statement was given with the “primary purpose of creating an out-of-court substitutefor trial testimony.” 4 PROBLEMATIZAÇÃO Como ressaltado na coluna anterior, no Brasil não há discussão sobre a possibilidade de depoimentos feitos em sede policial ofenderem o direito ao confronto por serem, segundo direito estadunidense, hearsay evidence. A problematização desta coluna circunda a diferença feita pela Suprema Corte Americana entre declaração, possível de ser utilizada, e depoimento, proibida por ofender o direito ao confronto. Tal discussão feita pela Suprema Corte Americana não encontra precedente similar no Brasil. Assim, pergunta-se se o primary purpose test poderia vir a ser aplicado por nossos Tribunais afim de excluir afirmações que prejudicassem aos acusados. Para este colunista, ao menos algumas hipóteses de aplicação são possíveis. A primeira diz respeito a algo que já foi tratado em outro artigo, quando, juntamente com o advogado e professor Murilo Jorge, tratamos do aviso de Miranda[2]. Naquela ocasião demonstramos que há ofensa ao direito ao silêncio que se naturalizou no cotidiano forense, porquanto policiais fazem interrogatórios sem que garantam o direito ao silêncio aos acusados. Constatamos que: Ressalte-se que este tipo de informação não faz parte de nenhum curso de formação de policiais brasileiros. Muito ao contrário, há uma inversão de valores conforme se pode anotar em recente julgamento realizado pela 2ª Secretaria do Tribunal do Júri de Curitiba[16]. Neste julgamento, um renomado Coronel da reserva da Polícia Militar paranaense (testemunha de defesa do acusado) deixou claro que os policiais militares devem realizar um “interrogatório de campo” e que devem se utilizar de todos os meios necessários para que os detidos falem. Nas exatas palavras do Coronel: “a gente chama de interrogatório de campo, algo absolutamente normal na vida diária de todos os policiais (…) pode usar todas as técnicas, desde que legais, que sejam suficientes para extrair a informação (…) é um interrogatório, é uma técnica normal e se usa todos os subterfúgios[17], vamos dizer assim, para se obter a informação, desde que legais”. Além de ofender o direito ao silêncio, é possível constatar que as declarações prestadas pelos acusados podem ser consideradas hearsay evidence. Isto porque as declarações dos acusados não passam pelo primary purpose test, na medida em que as inquirições feitas pelos policiais são feitas com propósito primário de colher provas contra os acusados. Assim, toda vez que os Juízes ou promotores, impregnados por uma prática/mentalidade inquisitorial, perguntarem aos policiais o que o acusado falou, qual sua justificativa ou se confessou no momento da abordagem deve-se prontamente impugnar o que for afirmado pelos policiais porquanto se trata de uma hearsay evidence, proibida de ser utilizada por ofender o direito ao confronto. A mesma lógica se aplica quando policiais afirmarem que perguntaram aos populares da localidade o que viram ou ouviram, mas não levarem estes populares a Delegacia de Polícia como testemunhas. Se os policiais se colocarem como transmissores de depoimentos de terceiros, tudo o que afirmarem deve ser considerado hearsay evidence, pois o propósito primário dos policiais é colher elementos probatórios contra os acusados, inviabilizando o direito ao confronto em face dos populares. Ainda, há de se destacar que o primary purpose test não se aplica somente as informações colhidas por policiais, mas sim a toda e qualquer pessoa que esteja transmitindo informações repassadas por terceiros. Sempre que for constadas que a intenção primária da pessoa seria colher elementos probatórios contra o acusado, deve-se excluir tais informações dos autos. Afirmou-se na coluna anterior que “por mais que o acusado possa realizar alguma impugnação com relação ao que foi afirmado em sede inquisitorial, acaba por se ignorar que o contraditório deve ser sobre as provas e não para as “provas” . Nesta, pode-se afirmar que a impugnação deve ocorrer não só com relação ao que foi afirmado em sede inquisitorial, como também ao que foi afirmado em juízo, sempre que for constatado que se trata de hearsay evidence que não passe pelo primary purpose test e que, portanto, ofenda o direito ao confronto. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JORGE, Murilo Henrique Pereira; MACHADO, Iuri Victor Romero. Aviso de Miranda e a invalidade dos interrogatórios informais. Disponível em: Disponível em http://emporiododireito.com.br/leitura/o-aviso-de-miranda-e-a-invalidade-dos-interrogatorios-informais. Acesso em 25 fev.2018. U.S. SUPREME COURT. Ohio v. Clark. Condutor do voto Samuel A. Alito. Julgado em 18/06/2015. [1] Disponível em http://www.salacriminal.com/home/hearsay-evidence-e-o-direito-ao-confronto. [2] Disponível em http://emporiododireito.com.br/leitura/o-aviso-de-miranda-e-a-invalidade-dos-interrogatorios-informais. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |