Dentre as propostas e pretensões da interlocução entre Direito e Literatura, está a de humanizar o meio jurídico. Calcado num chão em que a formalidade impera, o jurista se vê em meio a um ambiente onde a burocracia dita as regras. Não que isso seja de todo ruim, vez que os regramentos e sua observância são necessários para que o Direito funcione. Mas uma oxigenação por vezes é uma medida importante e necessária a fim de que o Direito se torne mais palatável, e é aí que reside o papel da Literatura no e para o Direito.
Não vejo que a Literatura tenha ou deva ter uma finalidade específica e delimitada. Ela é por assim ser. Mas isso não significa que os benefícios advindos da Literatura inexistam. Existem e são bem visíveis. A humanização do ser pode ser apontado como uma dessas benesses. Trazendo a Literatura para o Direito, consequência lógica tida é a humanização do próprio Direito. Alexandre Morais da Rosa e Fernanda Becker apontam que os serventuários do Judiciário:
Isso pode ser dito também para com os demais envolvidos com o aparelho burocrático estatal que “aplica” a justiça. Advogados, promotores, acadêmicos, enfim, todos aqueles que se situam nos meandros do meio jurídico, podem ser tocados pela humanização que a Literatura proporciona. Não só de livros técnicos vive (e sobrevive) o bom jurista. O fôlego que permite uma roupagem mais humana ao Direito pode (e deve) ser dada pela Literatura. Pela leitura de obras literárias é possível enxergar o Direito com outros olhos. As narrativas constantes nos livros de histórias possibilitam pontos de vista diferentes que jamais seriam percebidos apenas com a leitura dos livros acadêmicos. Ambos são importantes e necessários, pelo que a intersecção dos saberes Direito e Literatura abrem grandes portas para o processo de humanização do fenômeno jurídico. É difícil encontrar uma aula de psicologia criminal tão boa quanto aquela contada por Dostoievski em “Crime e Castigo”. As mazelas resultantes de um Estado que ignora os necessitados podem ser amplamente observadas nas páginas de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Há muito o que aprender com “O Processo”, de Franz Kafka, no quesito da angústia gerada pela burocracia processual invencível. E o que dizer de "O Sol é Para Todos”, de Harper Lee, que possibilita ao leitor ter uma visão crítica sobre o preconceito racial através do relato de uma criança? Várias são as possibilidades de leitura que permitem ao jurista uma visão mais clara, mais aberta e mais humana do Direito. E o que o jurista deve ler? O que gostar de ler. Lembro aqui da palestra de José Calvo González em Florianópolis, no Curso de Estudos Avançados de Direito e Literatura ocorrido em 10 de fevereiro desse ano, realizado na Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sob a coordenação de Alexandre Morais da Rosa, o qual tive a oportunidade de acompanhar. Quando indagado sobre o tipo de leitura que indicaria para os juristas a fim de promoverem a intersecção Direito e Literatura, a resposta de Calvo foi magnífica. Ao seu modo, José Calvo explanou que não existe uma fórmula pronta que enseje em obras literárias predeterminadas a serem lidas para qualquer fim que seja. Todo livro pode ser bem lido. Gosta de Shakespeare? Leia Shakespeare. Não gosta de Dom Quixote? Não leia Dom Quixote. Gosta de Machado de Assis? Leia Macha de Assis. Não gosta de Proust? Não leia Proust. De várias obras literárias é possível se extrair elementos que contribuam para o processo de humanização do ser e, consequentemente, do Direito[2]. A Literatura promove reflexão, libertação, humanização. Façamos o bom uso disso, trazendo essas benesses advindas da Literatura para o campo do Direito. Eis uma das propostas do movimento “Direito & Literatura”: a humanização do Direito pela Literatura. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR [1] ROSA, Alexandre Morais da. BECKER, Fernanda. Impressões Sobre Direito e Literatura. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/impressoes-sobre-direito-e-literatura/ ISSN 2446-7405. Acesso em 27/02/2017. [2] Conforme aduz Claudio Melim, o Direito é um modo de ser humano. Comments are closed.
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