As similaridades do processo de impeachment com os processos de competência do Tribunal do Júri são tamanhas que se faz válida e necessária uma análise comparativa entre estes dois institutos presentes no nosso ordenamento jurídico.
As semelhanças se iniciam com a previsão legal junto à nossa Magna Carta Republicana de 88, que traz em seu Art. 5º, XXXVIII, os preceitos fundamentais do Tribunal do Juri, ao qual confere soberania. Enquanto que o disposto no Art. 85, parágrafo único c/c com Art. 86, disciplinados pela Lei nº1.079/50, preveem o que chamamos de impeachment e conferem ao Senado, da mesma forma, a soberania de sua decisão. Dada as previsões legais partimos, então, para os procedimentos processuais dos dois institutos processuais. No processo de crimes dolosos contra a vida, temos, em sua fase pretérita ao processo penal, a fase investigatória, a fase de produção de provas, que confere a materialidade do fato, seguida dos indícios de autoria, tudo presidido pela autoridade policial competente, a qual, após concluído os procedimentos, encaminha o relatório ao parquet, sendo que este, entendendo estarem presentes os requisitos, oferece a respectiva denúncia, submetida ao magistrado togado para aceite, ou não. O processamento do impedimento do chefe do poder executivo se assemelha ao Júri na previsão legal compreendida entre os Art. 14 ao 18, da Lei nº1.079/50. Na hipótese, qualquer pessoa, fazendo as vezes de parquet, munida de provas, oferece a denúncia à Câmara dos Deputados, na pessoa da presidência (Art.218, §2º, Reg. Interno da Câmara dos Deputados), que analisando os preceitos de admissibilidade, receberá a denúncia e iniciará o rito preparatório do impeachment. Recebida a denúncia, pelo magistrado togado, paralelamente pela presidência da Câmara dos Deputados, inicia-se o processamento dos pleitos, com a realização das devidas coletas de provas e oitivas das testemunhas, bem como o interrogatório da parte. Ao término, no processo criminal o membro singular do Ministério Público apresentará as suas alegações e em seguida a defesa. Devidamente munido, o juízo togado optará pela pronúncia, impronúncia ou absolvição sumária. O relator da comissão especial de impeachment, por sua vez, apresentará seu relatório e o submeterá à apreciação da comissão, tal qual fosse um grupo especial do MP, que se posicionará pela aprovação do relatório, ou não. Em seguida os autos do processo serão submetidos ao pleno da Câmara (seria como se todos os integrantes do Ministério Público tivessem que votar pela acusação ou absolvição) que fará a avaliação e optará pela absolvição ou indicará o processamento pelo Senado Federal. Neste ponto os integrantes da Câmara Federal farão as vezes do Ministério Público e do juízo togado, concomitantemente. As fases estão previstas, respectivamente, nos Art. 406 ao 421, do Código de Processo Penal (‘Da Acusação e da Instrução Preliminar’ e ‘Da Pronúncia, da Impronúncia e da Absolvição Sumária’), e do Art. 19 ao 23, da Lei 1.079/50 (‘Da Acusação’). Superados os procedimentos explanados, no primeiro caso, o processo será submetido a julgamento por um corpo de jurados que julgarão de acordo com as provas apresentadas e com as suas convicções pessoais, procedimento presidido por um juízo togado. No segundo caso o processo será levado ao Senado Federal (corpo de jurados) que, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (juízo togado), julgará consoante as provas apresentadas e suas convicções politico - pessoais. Nestes termos, observamos grandes semelhanças entre o processamento perante o Tribunal do Júri e o processo de impeachment, as quais não se encerram por aqui. O grande problema que carregam ambos julgamentos, principalmente o de impeachment, é a fase prévia à análise meritória, anterior, portanto, à absolvição ou condenação pelo corpo de julgadores não especialistas (corpo de sentença/senado). No caso do Júri, o juiz togado tem a possibilidade de pronunciar o réu independente de o considerar culpado ou inocente, podendo o fazer caso tenha dúvidas. Agora, estando convicto de sua inocência lhe recai a necessidade da absolvição sumária, conforme preceitua já citado dispositivo legal. Porém, estando o juiz togado acometido pela dúvida sobre a culpabilidade, proferirá a sentença de pronúncia e encaminhará o réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri, que, não atrelado às obrigatoriedades técnicas, poderá proferir uma sentença penal condenatória sobre a pessoa inocente. Nesta linha preceitua o Professor Adriano Bretas, em fala sobre a reforma do CPP[1], dizendo que existe a abominação jurídica do in dubio pro societate, que garante ao magistrado togado fazer-se valer do “Estigma de Pilatos”. Ou seja, ao invés da aplicação do guia jurídico penal do in dubio por reo, correndo o juízo togado o ‘risco’ de absolver um culpado, prefere “lavar as mãos” e ver um inocente condenado, sob a justificativa de que foram os seus pares que o julgaram e assim entenderam como sendo o melhor juízo. No caso do processo de impedimento do exercício do mandato do chefe do executivo (e seus ministros) o problema redobra, pois para além do julgamento de leigo sobre um fato típico incerto sobre a sua autoria, é o juízo de admissibilidade realizado por leigos, sobre um fato ainda não configurado crime, ou seja, a dúvida recai, também, sobre a tipicidade do fato e não somente sobre a autoria e/ou culpabilidade. Isto, para além de correr o risco de culpabilizar uma inocente, é condenar alguém por fato atípico, não considerado crime. A ideia de ser julgado por seus ‘pares’, verificada em ambas as hipóteses, é de uma intencionalidade muito nobre. Entretanto, os meios adotas para isto, para além de cometer atos ilegais, prejudicam o bom funcionamento das instituições. Na linha do Professor Bretas, o juízo togado só deveria proferir sentença de pronúncia em caso de plena convicção sobre a autoria e materialidade dos fatos processados, para que o Júri, numa espécie de recurso, avalie a possibilidade de absolvição ou manutenção da condenação. Em linha conexa levo a mesma interpretação ao procedimento de impedimento, o qual só deveria ser levado a julgamento pelo Congresso Nacional após ter sido comprovada a tipicidade da conduta pela Corte Suprema, garantindo assim a pluralidade originária do processo de impeachment, qual seja a sua natureza Politico-Jurídica (Jurídica-Politica). Paulo Lenzi Advogado Criminal [1] https://www.facebook.com/adriano.bretas/videos/vb.100002642071204/739367526161310/?type=2&theater, acessado em 12 de abril de 2016, as 17h. Comments are closed.
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