Na coluna do estudante, Stéfanie Santos Prodócimo reflete sobre a inaplicabilidade do princípio da insignificância ao delito de moeda falsa, vale a leitura! ''A aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito de moeda falsa é considerada inviável pela jurisprudência dominante. Estamos diante de um tipo penal que busca proteger a fé pública, ainda que a moeda metálica ou o papel-moeda falsificado seja de pequeno valor, não será aplicado o princípio da insignificância ao acontecido. Isso porque, segundo o entendimento sustentado, o delito em epígrafe implica diretamente na credibilidade do Sistema Financeiro Nacional, a qual descaracteriza a aferição de mínima ofensividade da conduta do agente de modo a excluir a tipicidade do fato. Precedentes do STF e STJ podem ser colhidos no HC 187077/GO, de relatoria da Ministra Laurita Vaz. (GRECO, 2014, p. 934)''. Por Stéfanie Santos Prodócimo Inicia-se a abordagem proposta no título com uma análise do tipo de falsificação de moeda, disposto no art. 289 do Código Penal, que reza: “Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa”.
O delito de moeda falsa está presente no título X do Código Penal Brasileiro, o qual conserva como objeto jurídico que goza de proteção por parte do direito penal a fé pública. A fé pública pode ser definida como: a fé é uma crença ou uma confiança em algo ou alguém. No sentido jurídico-penal, acrescenta-se o termo pública, de modo a evidenciar ser uma confiança geral, que se estabelece em assuntos proporcionados pelo Estado. Tal contexto vincula-se à credibilidade existente em certos atos, símbolos, documentos, papéis ou formas em geral, impostas em lei, que merecem salvaguardar-se do seu maior algoz: o falso. (NUCCI, 2020, p. 1109). Se complementa ainda que a fé pública é a fé proveniente de uma autoridade e que compreende consigo uma confiabilidade da coletividade no Estado. Destarte que, além da proteção nacional, a fé pública usufrui também de proteção internacional, haja vista que o Brasil internalizou em 14 de setembro de 1938 a Convenção Internacional para a Repressão da Moeda Falsa, por meio do Decreto 3.074/38. A análise do núcleo do tipo está no verbo falsificar, que em seu sentido denotativo quer dizer imitar o que é verdadeiro, tornando-o parecido. A falsificação está relacionada com a fabricação e com a alteração das cédulas. A fabricação resume-se em criar materialmente um objeto que futuramente será utilizado como moeda metálica ou papel-moeda e que irá se passar por verdadeiro, a medida que, na alteração, o indivíduo se utiliza de uma moeda metálica ou papel-moeda já existente e verdadeiro e por conseguinte altera-o, com o propósito de que represente mais do que efetivamente vale (GRECO, 2014, p. 929). Quanto aos sujeitos do crime, pode-se dizer que figura na qualidade de sujeito ativo qualquer pessoa, pois se trata de um crime comum. Enquanto no polo passivo, figura o Estado e a coletividade, visto que, se trata de um crime contra a fé pública. Ainda como vítima pode-se considerar a pessoa física ou jurídica que foi individualmente prejudicada (CAPEZ, 2019, p. 354). O elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, o conhecimento e vontade do agente em praticar a conduta descrita no tipo objetivo. Não há previsão legal para a modalidade culposa. O crime tipificado no caput do art. 289 do Código Penal tem sua consumação efetivamente no momento em que acontece a falsificação, seja pelo processo de fabricação ou pelo processo de alteração da moeda metálica ou papel-moeda. Não necessita da circulação da moeda falsa para sua consumação; trata-se de crime formal. Basta, contudo, que a falsificação seja convincente, que induza a erro com extrema facilidade, entretanto, caso seja uma falsificação grotesca ou de fácil constatação, não será caracterizado o delito de moeda falsa. Poderá, isso sim, ser a conduta caracterizada como o delito de estelionato. O fundamento jurídico para esta tipificação encontra-se na Súmula nº 73 do STJ, a qual possui a seguinte redação: “A utilização de papel-moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, de competência da Justiça Estadual.” A forma simples da falsificação é estabelecida no caput do art. 289. Enquanto no parágrafo 1º do art. 289 do Código Penal, tem-se a forma equiparada: “§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.” Fernando Capez (2019, p. 355) nos informa que o delito de moeda falsa se trata de um crime de ação múltipla, visto que, pode ser cometido de diversas maneiras e, desde que no mesmo contexto, mantendo-se como delito único. A forma prevista no parágrafo 2º do art. 289 do Código Penal é a conhecida como privilegiada, tem sua aplicabilidade em situações diversas, de quem recebeu a moeda de maneira equivocada e a fez circular: § 2º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Vale ressaltar que não se pode punir o agente que desconhecia a ilicitude da moeda metálica ou papel-moeda. Como já mencionado, o elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, é indispensável o conhecimento atual do agente de pratica a conduta típica, não se podendo punir quem não dispunha de tal conhecimento no momento da ação. Na ausência deste, prevalecerá a figura do erro de tipo. Ademais, a forma especificada no §3º do art. 289 do Código Penal é a qualificada: § 3º - É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa, o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão: I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei; II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada. O parágrafo 3º refere-se a um crime funcional propriamente dito, uma vez que só pode ser cometido por funcionário público, diretor, gerente ou fiscal de banco. O parágrafo 4º possui a seguinte redação: “§ 4º - Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada”. Esta circunstância faz menção a ocasiões em que a moeda é verdadeira e é fabricada dentro dos limites estipulados pela lei, todavia o indivíduo desvia-a e faz com que sua circulação ocorra de modo antecipado, isto é, coloca a moeda em circulação, antes da autorização expressa da pessoa competente para esse fim (CAPEZ, 2019, p. 357). Feita essa análise do tipo de falsificação de moeda, pode-se agora enfrentar o ponto principal desta breve escrita: o exame do posicionamento dos tribunais superiores quando a aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito em tela. O Direito Penal Brasileiro é regido por normas e princípios. Os princípios permitem uma interpretação mais abrangente, além do que está descrito no preceito primário da lei. O princípio da insignificância foi adotado pelo Direito Penal Brasileiro, é conhecido também como o princípio da bagatela. Surgiu pela primeira vez por intermédio de Claus Roxin, no de 1964. Claus Roxin voltou a repeti-o em sua obra intitulada Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, conforme ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (2019, p. 64). O princípio da insignificância tem sua base na premissa de que o direito penal exige que a conduta praticada pelo agente ofenda o bem jurídico protegido, mas é notório que nem sempre qualquer ofensa será suficiente para configurar um injusto típico. Cezar Roberto Bitencourt enuncia que: A insignificância reside na desproporcional lesão ou ofensa produzida ao bem jurídico tutelado, com a gravidade da sanção comi-nada. A insignificância situa-se no abismo que separa o grau da ofensa produzida (mínima) ao bem jurídico tutelado e a gravidade da sanção que lhe é cominada. É nesse paralelismo — mínima ofensa e desproporcional punição — que deve ser valorada a necessidade, justiça e proporcionalidade de eventual punição do autor do fato. (2019, p. 65). Diante do exposto, se tem a conclusão que a aplicabilidade do princípio da insignificância ao caso concreto depende da atuação do agente e do quão grave foi o ferimento ao bem jurídico tutelado pelo direito penal. Por exemplo, um indivíduo furta um shampoo do supermercado e ao fugir é alcançado pelo segurança, provavelmente será aplicado o princípio da insignificância ao caso, pois não há necessidade de movimentar a máquina judiciária por algo tão ínfimo, é explícita a mínima ofensa ao bem jurídico. Luiz R. Prado (2020, p. 51) nos explica ainda que: “A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal”. A aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito de moeda falsa é considerada inviável pela jurisprudência dominante. Estamos diante de um tipo penal que busca proteger a fé pública, ainda que a moeda metálica ou o papel-moeda falsificado seja de pequeno valor, não será aplicado o princípio da insignificância ao acontecido. Isso porque, segundo o entendimento sustentado, o delito em epígrafe implica diretamente na credibilidade do Sistema Financeiro Nacional, a qual descaracteriza a aferição de mínima ofensividade da conduta do agente de modo a excluir a tipicidade do fato. Precedentes do STF e STJ podem ser colhidos no HC 187077/GO, de relatoria da Ministra Laurita Vaz. (GRECO, 2014, p. 934). A jurisprudência desta Corte é decidida no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de moeda falsa, visto que, se trata de crime contra a fé pública. O fato de o sujeito ter sido pego com somente uma nota supostamente falsa não desclassificada a relevância do delito, que por sua natureza de bem jurídico tutelado não admite a execução do princípio da insignificância (STJ, RHC 28736/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., 1º/7/2011). (GRECO, 2014, p. 934) Por fim, cabe destacar que a decisão mencionada poderá provocar possíveis desproporcionalidades no que diz respeito a não aplicação do princípio da insignificância ao crime de moeda falsa. Supõe-se que um indivíduo foi surpreendido pela polícia ao estar falsificando uma nota de R$2,00 (dois) reais, a pena aplicada será então a presente no art. 289 do Código Penal, que é de no mínimo 03 anos e no máximo 12 anos. A desproporcionalidade é notória, bem como a mínima ofensa produzida e a desproporcional punição. STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 5° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa: Direitos da Mulher. Membro do Grupo de Estudos: Teoria da Pena - Reforço Acadêmico de Direito Penal. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral v. 1. – 25. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 14 jun. 2020. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial: arts. 213 a 359-H. – 17. ed. atual. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. – 8. Ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2014. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. – 20. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. – 18. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
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