Na semana passada, enquanto no interior de um ônibus, em determinado ponto, entrou um cidadão que aguardou as portas fecharem para iniciar sua fala. O discurso proferido pelo homem foi dirigido a todos os que estavam ali presentes.
Era um apelo. Um papo franco, bem direto. Numa fala sem rodeios, o cidadão contou que tinha acabado de sair da prisão. Estava ainda preso. Cumpria pena por um crime que cometera. Arrependia-se do que fez, e tinha ciência da necessidade de “pagar a sua dívida”. O motivo de ali estar era que sua saída da prisão não era, naquele momento, definitiva. Recebera a autorização de um juiz para que saísse temporariamente da prisão a fim de visitar sua família, ou seja, dentro de poucos dias teria que se recolher à prisão novamente para continuar cumprindo sua pena. Portava consigo uma cópia da decisão do juiz nesse sentido. O problema é que sua família não residia na capital, mas no interior do estado, e o detento não possuía dinheiro suficiente para comprar uma passagem para a viagem necessária. O apelo do homem era por dinheiro. Pedia que contribuíssem com qualquer valor que fosse, a fim de que pudesse juntar dinheiro suficiente para a compra da passagem necessária para a viagem até a cidade onde sua mãe residia. Ao terminar a sua fala, a atitude solícita de muitos passageiros me surpreendeu, pois vários foram os que ajudaram o homem oferecendo alguns trocados. Não houve ali qualquer julgamento ou desprezo (pelo menos da maioria), tão menos ausência de prestação de uma ajuda possível naquele momento. A surpresa foi porque, ao presenciar aquele apelo, não pude deixar de lembrar de Jean Valjean, o protagonista de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Assim como o detento que pediu ajuda no ônibus, Jean Valjean saiu liberto em busca de auxílio: clamava por repouso, comida e trabalho. Só que com que Jean Valjean a situação foi umpouco diferente: havia pagado sua pena em definitivo, logo, estava “quite com a sociedade”, possuindo também quantia suficiente de dinheiro para custear suas necessidades básicas por um determinado tempo. Mesmo assim, Jean Valjean não recebeu qualquer tipo de acolhida. O personagem portava um documento que o identificava como ex-detento. Assim que sabiam da condição de Jean Valjean, não o aceitavam onde quer que fosse. Mesmo mencionando que pagaria pelo alimento e repouso solicitados, Jean não era aceito em lugar nenhum. Negavam-lhe comida, repouso e trabalho pelo simples fato de ser um ex-detento. Vagou por muito tempo e em vários lugares recebendo apenas desprezo e exclusão, até que finalmente, para sua sorte, um bispo o acolheu. Foi justamente pela lembrança da situação do protagonista de “Os Miseráveis” que a prestação de ajuda dada por vários passageiros me surpreendeu. Pensei que seria mais um Jean Valjean impossibilitado de retornar ao convívio com dignidade. Claro que entre receber uns trocados pedidos e regressar definitivamente com aceite efetivo da sociedade há um caminho gigante, e sabemos que esse retorno será árduo, com todas as dificuldades enfrentadas por qualquer egresso. Mas essa pequena atitude de muitos já foi suficiente para me alegrar no sentido de perceber que, por mais tenhamos as enormes dificuldades em receber de volta aqueles que estiveram reclusos, há sempre esperança! Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Mestrando em Direito pela UNINTER Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Referências: HUGO, Victor. Os Miseráveis. São Paulo: Martin Claret, 2014. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |