PELOS LIMITES DA INVESTIGAÇÃO INTERNA: UM ENSAIO SOBRE O FUTURO DA PRIVATIZAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL7/23/2020 Artigo do Colunista Douglas Rodrigues sobre os limites da investigação interna, vale a leitura! ''Com a solidificação das investigações internas como mecanismo de defesa, não será incomum que os elementos de prova de ilícitos penais cometidos por funcionários e executivos das corporações sejam desvelados no âmbito da própria empresa, a qual, cumprindo seu intento de colaboração com as autoridades públicas, seguramente os entregará aos responsáveis pela investigação pública, que, por conseguinte, darão início à persecução penal dirigida a cada um dos envolvidos. É quando surgem os problemas penais que se pretende abordar nessa pesquisa''. Por Douglas Rodrigues Desde o advento da denominada Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846/2013), novas figuras jurídicas passaram a ocupar o espaço de debates, sobretudo no âmbito penal e administrativo. Com a possibilidade de maior responsabilização das pessoas jurídicas no direito pátrio, sobretudo sem a necessidade de comprovação de culpa (responsabilidade objetiva), duas figuras assumiram lugar de destaque na pauta de discussões das ciências jurídicas: os programas de integridade (compliance) e os acordos de leniência.
No ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário do direito alienígena, a responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é matéria incipiente e bastante limitada. A legislação brasileira apenas prevê a possibilidade de responsabilização penal dos entes coletivos na hipótese de crimes ambientais e exclui tal previsão para as demais situações de injustos penais. Isso, em suma, torna a empresa, na esfera penal, um alvo ainda distante de responsabilidade. Por outro lado, a alteração legislativa ocorrida em 2013, passou a prever instrumentos mais rígidos e sancionatórios de combate à corrupção e aos demais atos ilícitos contra a administração pública que tenham sua origem em empresas. Isso ocorreu porque parcela dos atos ilícitos cometidos em prejuízo da administração pública contam com a contribuição de grandes corporações. E foi justamente nesse contexto que a legislação anticorrupção surgiu. A chamada Lei Anticorrupção, com a finalidade clara de tornar mais rigorosa a punição de empresas envolvidas em atos atentatórios à administração pública (o que torna a expressão “corrupção” mais ampla), passou a prever a possibilidade de responsabilização objetiva do ente coletivo na seara administrativa. A partir de um extenso rol de “penas” (ou sanções administrativas), a lei possibilita que a empresa seja punida desde uma pena pecuniária até a sua dissolução compulsória, mostrando-se, assim, até mais rígida que as sanções penais previstas na lei de crimes ambientais (GABARDO; CASTELLA, 2015, p. 139). E é nesse novo ambiente que se voltam, efetivamente, os olhares ao compliance e aos acordos de leniência. Com a ampla possibilidade de responsabilização administrativa (em geral mais severa que a penal), a legislação apresenta a possibilidade de atenuação das sanções por meio da constatação de condutas positivas adotadas pelo ente coletivo com o intuito de se fazer cumprir as normas em geral. A partir de uma noção de autorregulação, o ordenamento jurídico trouxe a figura dos programas de integridade como uma verdadeira atenuante da reprovabilidade do comportamento ilícito. Ou seja, demonstrando a empresa possuir mecanismos de controle e, sobretudo, de cumprimento da legislação, isso poderá reverter em seu benefício, evitando responsabilização severa. Por óbvio que os programas de integridade não se resumem a normas internas da empresa e muito menos em uma simples cobrança de observância da lei. A questão vai além. Um programa de integridade, muito mais que fazer cumprir a norma, deve servir, acima de tudo, como mecanismo de criação de uma verdadeira cultura de ética empresarial e governança corporativa dentro da empresa. E tais objetivos podem se manifestar sob dois aspectos fundamentais: a prevenção e a repressão dos ilícitos. A existência de um programa de integridade efetivo, como dito, pode servir como circunstância atenuante em favor da empresa em vias de responsabilização. E uma das formas de demonstrar a efetividade desse programa, sem dúvida, passa pela investigação do ilícito conduzida pela própria empresa, o que se chama, atualmente, de investigação interna. Ainda que empresas possuam um sistema de prevenção bastante eficaz, inevitavelmente, há a possibilidade de cometimento de ilícitos por parte de seus componentes e, nessas situações, o programa de integridade deve partir para uma nova abordagem. Com a descoberta da ilicitude – o que pode ocorrer por meio de mecanismos internos de denúncia (whistleblowing) ou por qualquer outra forma (como é o caso de auditorias e sindicâncias) –, as empresas tendem a se antecipar a eventual investigação conduzida pelas autoridades públicas, justamente com a finalidade de demonstrar o intento de colaboração com a elucidação e punição da ilicitude. Nesse panorama, tem sido cada vez mais comum notar que empresas que se tornaram “alvos” de grandes operações passaram a instaurar, por sua conta, investigações internas, conduzidas por pessoas designadas por ele, com o claro escopo de fornecer elementos para viabilizar a defesa da empresa, e, em possibilitar o afastamento de sua responsabilidade administrativa a partir da indicação dos indivíduos (ou do setor inteiro) que praticaram a conduta irregular (ANTONIETTO, SILVA, 2019, p. 71). Da mesma forma, após a ampliação da possibilidade de acordos de leniência – num aspecto mais amplo que aquele então previsto pela Lei Antitruste (Lei n. 12.529/2011) – e da possibilidade de afastamento completo de responsabilidades, as investigações internas também passaram a servir ao propósito de encartar material suficiente e atrativo às autoridades públicas na busca de acordos de colaboração em favor da pessoa jurídica. As investigações internas dentro desse novo aspecto derivado da lei anticorrupção, tendem a ser cada vez mais uma opção das empresas como forma de defesa. E isso, embora não seja aparente, apresenta sérias consequências penais, especialmente no que se refere ao processo penal. Com a solidificação das investigações internas como mecanismo de defesa, não será incomum que os elementos de prova de ilícitos penais cometidos por funcionários e executivos das corporações sejam desvelados no âmbito da própria empresa, a qual, cumprindo seu intento de colaboração com as autoridades públicas, seguramente os entregará aos responsáveis pela investigação pública, que, por conseguinte, darão início à persecução penal dirigida a cada um dos envolvidos. É quando surgem os problemas penais que se pretende abordar nessa pesquisa. As investigações internas, no Brasil, ainda não possuem uma regulamentação específica e, nessa medida, não apresentam limites claros sobre sua condução. Veja-se que a empresa não está sujeita a estritas regras de controle probatório, ao contrário do que ocorre com o Estado. Com efeito, as empresas poderiam acessar dados e elementos – sem autorização judicial – aos quais as autoridades não poderiam, como é o caso de caixas de e-mails e telefones celulares postos à disposição dos seus empregados. E isso tudo a partir de simplórias cláusulas eventualmente postas no contrato de trabalho. O grande risco da situação exposta, como alerta NIETO MARTÍN (2015, p. 234-235), está justamente na possibilidade real e concreta de autoridades públicas, cientes de seus limites probatórios, cada vez mais deixarem a investigação a cargo da empresa, visando, assim, fugir das limitações legais da produção de provas que pressupõe a invasão de dados. A empresa, nesse aspecto, passa a ser uma extensão informal do Estado-Acusação com objetivo claro de angariar elementos então inacessíveis pelos investigadores públicos. O problema disso tudo, por suposto, está em quais são os limites da prova e, sobretudo, em que medida tais elementos – carreados por meio da investigação interna – podem ser utilizados no âmbito judicial em prejuízo dos indivíduos indicados pela empresa como responsáveis. Haveria, por exemplo, uma obrigação do investigado/funcionário colaborar com a empresa? Ele poderia ser obrigado, mediante cláusula do contrato de trabalho, a renunciar ao direito ao silêncio? O acesso de seus dados pessoais (e-mail e telefone funcionais), por parte da empresa, poderiam ser aproveitados pela investigação pública? De que maneira devem ser conduzidas as investigações? De que forma os atos seriam registrados? O investigado poderia acessar os dados já colhidos? São essas questões, dentre muitas outras, até então inexistentes, que o direito penal e processual penal precisará se ocupar. A partir da tendência de privatização das investigações e da presença de uma cultura negocial na seara processual, novos limites devem ser propostos e, sobretudo, as garantias fundamentais – já existentes – precisarão ser adaptadas a esse novo estado de coisas. A investigação interna é uma realidade e seu estudo, sem dúvida, passa a ser verdadeira obrigação da academia no âmbito do direito penal e processual penal econômico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONIETTO, Caio Marcelo Cordeiro; SILVA, Douglas Rodrigues da. Aproveitamento de investigações internas como prova no processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 27, n. 156, p. 61-90, jun. 2019. GABARDO, Emerson; CASTELLA, Gabriel Morettini. A nova lei anticorrupção e a importância do compliance para as empresas que se relacionam com a Administração Pública. A&C - Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Curitiba, v. 15, n. 60, p. 129-147, 2015. NIETO MARTÍN, Adán. Investigaciones internas, In. NIETO MARTÍN, Adán et al. Manual de cumplimiento penal en la empresa. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2015. Douglas Rodrigues da Silva Mestrando em Direito (UNICURITIBA) Especialista em Direito Penal e Processo Penal (UNICURITIBA) Bacharel em Direito (UNICURITIBA) Professor de Direito Penal Econômico e Legislação Penal Especial nas Faculdades da Indústria de São José dos Pinhais (FIEP-IEL) Advogado Criminal em Curitiba, Paraná.
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